Ex-ministro acredita ser mais viável voltar a ter atuação relevante no Brics do que reconstruir laços na América Latina. “O desmonte foi muito grande”, afirmou Celso Amorim no programa Entre Vistas
Por Luciano Velleda, da RBA
São Paulo – “Não adianta falar quatro línguas e ser submisso nas quatro. Melhor falar uma língua e bem.” A afirmação, feita pelo ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa, Celso Amorim, durante o programa Entre Vistas dessa terça-feira (21) na TVT, de alguma forma resume a sua análise sobre o declínio da posição do Brasil perante o mundo no atual governo de Michel Temer e pós impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff.
E cita como exemplo a participação brasileira nas últimas reuniões da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), onde os representantes do país praticamente “se escondem de vergonha”. “É uma tristeza. Sinto mais vergonha do Brasil hoje do que do tempo do Figueiredo (João Figueiredo, último presidente da ditadura, entre1979-1985). Estamos indo para trás em tudo”, sentenciou Amorim.
Durante o programa, apresentado pelo jornalista Juca Kfouri e com as participações da sindicalista Rita Berlofa, dirigente bancária de São Paulo e presidente da UNI Finanças internacional, e Ananda Mendez, estudante de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, o ex-chanceler lamentou o Brasil ter praticamente abandonado as relações diplomáticas com a África, uma das grandes mudanças realizadas durante os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) na Presidência da República na geopolítica internacional. Naquele período, o país multiplicou por cinco as relações comerciais com o continente africano.
Amorim, ao menos, celebrou o fato de Temer ainda não ter fechado nenhuma embaixada brasileira na África. No mais, avalia que o atual governo está destruindo os instrumentos da política internacional. Apesar do cenário de “terra arrasada”, o ex-ministro ponderou que o Brasil é grande demais para ser ignorado e irá recuperar algum protagonismo. “Mas o desgaste fica. Você pode ter mudança de governo mais à direita ou à esquerda, mas o desmonte foi muito grande”, explica Celso Amorim.
Segundo o ex-ministro, um dos principais estragos foi feito nas relações com a própria América Latina, como é o caso da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), organismo que está sendo praticamente desfeito devido às ações do governo brasileiro em conjunto com outros países conservadores do continente. Para ele, tal situação trará mais dificuldades no futuro para ser recomposta do que, por exemplo, retomar o protagonismo no Brics – grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e que funciona como um contraponto ao G7, grupo dos sete países mais ricos do mundo. Neste contexto, Celso Amorim pondera que a eleição de Lula, combinada com a recente vitória de Andrés Manuel Lópes Obrador, no México, seria muito importante para a América Latina.
O papa e o “medo” bolivariano
Em certo momento, Juca Kfouri lembrou da crítica feita à política externa do governo Lula ao estabelecer novos negócios e abrir diálogo com países africanos, árabes, entre outros, prática acusada de “bolivariana” por setores da sociedade e da mídia tradicional. Um estigma que, para Celso Amorim, nunca passou de uma “bobagem”.
“É uma tolice total dizer que a nossa política era ideológica. Para a direita, ideológica é a política da esquerda, e a dela é de ‘interesse nacional’”, afirmou Amorim. Para ele, a principal questão envolvendo Venezuela e Nicarágua, dois países que vivem intensa turbulência interna, é não isolá-los, assim como Cuba, eterno fetiche da direita brasileira. Sobre a pequena ilha do Caribe, o ex-ministro explicou que a construção do porto de Mariel, alvo de polêmica no Brasil, era justamente visando inserir mais Cuba no mundo.
Sobre a Venezuela, disse não defender o governo de Nicolás Maduro, mas afirma que é preciso “dialogar para incluir”, e não isolar e boicotar. O grande empecilho, porém, é o total descrédito do governo Temer. “Nós não temos credibilidade nem pelo que acontece no Brasil”, lamentou.
Durante o Entre Vistas, Amorim também abordou a recente visita que fez ao Papa Francisco, em Roma, ocasião na qual presenteou a autoridade máxima da Igreja Católica com um livro sobre a perseguição política e judiciária sofrida por Lula e, por sua vez, recebeu das mãos do papa uma mensagem de bênção dirigida ao ex-presidente, preso desde 7 de abril em Curitiba.
Segundo o ex-ministro, Francisco respondeu o pedido de audiência em menos de 12 horas, algo pouco comum. Com cuidado para “não cometer inconfidências”, Celso Amorim diz que a conversa com o pontífice passou por temas como os riscos da onda neoliberal que está desintegrando a América Latina, e que o Sumo Sacerdote ainda explicou como obtém notícias do Brasil e de Lula.
“A luta do Lula ser solto é uma luta pela democracia”, afirmou Celso Amorim. Por fim, ponderou que o conservadorismo que assola o Brasil também está presente em diversas partes do mundo. “Estamos vivendo uma época em que, pela primeira vez depois da Segunda Guerra, a maior potência (os Estados Unidos) não tem projeto para o mundo.”
–
Foto: Sérgio Lima /Folha