Por Carlos Fernandes, no DCM
A imagem de um morador de rua que entrou em um restaurante num bairro nobre de Belo Horizonte viralizou nas redes sociais.
Descalço e malvestido, sentou-se como um nobre em uma das mesas e pediu educadamente sua refeição. Segundo o garçom, uma entrada de frango, filé como prato principal, além de uma garrafa de vinho e um refrigerante.
Ao final, fez questão de cumprir um ato que apesar de banal para muitos, conferia para si um prazer pessoal que há muito provavelmente não sentia: poder pagar pela alimentação decente que consumiu.
É difícil imaginar de quantas maneiras é possível analisar uma cena com tamanha carga simbólica.
De todas elas, uma me chama particular atenção.
Munido de sua pequena fortuna, uma nota de R$ 50,00, um homem que sente diariamente na pele as restrições da miséria e a consequente necessidade de fazer durar ao máximo o pouco que tem, resolve liquidar com tudo em busca de um momento único.
Desconsidero se de alguma forma e em algum momento se questionou sobre uma questão menor de ordem aritmética que envolvia a relação do montante em sua propriedade e o valor total de tudo que pediu.
Tenho para mim que tudo que o movia era o seu encontro urgente e inadiável com aquele momento em que, por pelo menos uma vez em toda sua vida, seria visto e respeitado.
O prazer imensurável de provar uma carne bem preparada harmonizada com um vinho tinto mediano só não deve ter sido maior do que a sua felicidade de poder se sentir um legítimo ser humano.
Um ser humano como qualquer outro, dotado de voz, de orgulho, de desejos, de anseios, de decepções, de amores reprimidos e de sonhos por realizar.
O que se passou naquele restaurante durante o pouco tempo em que um homem humilhado e violentado em todos os seus direitos decidiu se tornar visível, foi o mais assombroso grito por dignidade.
Aquele homem do qual me penitencio por não saber o seu nome, sozinho e com a sua atitude reivindicou o direito de existir com honestidade, hombridade e honra, de todos aqueles que como ele são desprezados e subjugados.
Que o seu ato, cuja coragem não pode ser menosprezada, nos faça sempre lembrar que em cada um dos milhões e milhões de excluídos que a ganância e a insensibilidade produziram, reside alguém por quem sempre lutar.
A esse herói anônimo, que nos jogou na cara o quanto são pequenas nossas urgências materiais, o meu mais sincero agradecimento por essa sublime lição de dignidade.
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