Dom Roque: “Igreja vê com muito sofrimento este momento triste do Brasil”

O arcebispo de Porto Velho/RO e presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), dom Roque Paloschi, manifestou preocupação com o cenário político do Brasil e questionou o juramento de fidelidade à Constituição Federal feito pelo presidente da República Jair Bolsonaro.

Por Rede Eclesial Pan Amazônica, no Cimi

Confirmando as previsões, o ano de 2019 iniciou apresentando uma realidade desafiadora aos povos tradicionais do Brasil. Menos de 20 dias após o novo governo assumir o Executivo Federal, se espalham pelo país ataques e invasões de territórios dos povos indígenas, quilombolas e camponeses. As dificuldades também são resultados de medidas tomadas pelo governo desde a remodelagem da máquina administrativa.

O arcebispo de Porto Velho/RO e presidente do Conselho Indigenista Missionário/CIMI, dom Roque Paloschi, afirmou que a Igreja vê com muito sofrimento este momento triste do Brasil. O prelado manifestou preocupação com o cenário político do Brasil e questionou o juramento de fidelidade à Constituição Federal feito pelo presidente da República Jair Bolsonaro.

Se por um lado a ONU declara o 2019 como o Ano Internacional das Línguas Indígenas, o governo brasileiro esvaziou o principal órgão de defesa e cuidado permanente dos índios. Responsável até o dia 31 de dezembro por realizar os estudos de identificação e delimitação de terras, além de promover a fiscalização e proteção das áreas demarcadas, a Fundação Nacional do Índio/FUNAI, foi transferida do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e perdeu a atribuição, agora nas mãos do Ministério da Agricultura, comandado por ruralistas.

“É muito fácil atacar e retirar os direitos dos pobres, quero ver o senhor Jair Bolsonaro enfrentar as grandes corporações e desmontar essa mamata que tem sido para os grandes grupos econômicos, os banqueiros e assim por diante, pelas mineradoras, pelas construtoras pelo agronegócio”, desafia dom Roque.

O arcebispo de Porto Velho ainda recorda que o presidente havia dito após ser eleito e em outras ocasiões, como em sua diplomação no Tribunal Superior Eleitoral e nas redes sociais, que seria escravo da constituição: “Um escravo da constituição, respeita a constituição, respeita o direito dos pobres, não promove o esbulho de suas terras, a violência contra eles incentivando o ódio”.

Violência, invasões e ameaças
E foi justamente o discurso que “incitava o ódio e acirrava o preconceito e a violência contra as minorias étnicas, sejam os povos indígenas, quilombolas e outras” a motivação para o aumento na violência e ataques armados contra povos indígenas e suas comunidades, quilombolas e outros povos tradicionais.

Para o presidente do CIMI, é “uma verdadeira vergonha o que o governo vem fazendo”, ignorando a norma constitucional que garante nos artigos 231 e 232 os direitos dos povos originários. Para dom Roque, a decisão de reestruturar o governo esvaziando os órgãos que atuam com os povos indígenas, entregando-o aos ruralistas serviu para “desencadear um intenso processo de esbulho das terras indígenas já demarcadas e entregá-las à inciativa privada do país e de grupos estrangeiros, além de inviabilizar as demarcações em curso e futuras das terras em estudo”.

“Estamos sentindo essa ação do governo para justamente inviabilizar a esperança dos povos indígenas”, afirma ao recordar os ataques às comunidades desde o início do ano.

Dom Roque cita as investidas de invasão e ataques à terra indígena Arara, no Pará, à base dos povos isolados no Amazonas, aos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, aos Guarani Mbya, no Rio Grande do Sul, e aos Uru Eu Wau Wau e Karipuna, em Rondônia. Também sofrem com esta realidade os aliados à causa dos povos tradicionais e camponeses com ameaças de perseguição por parte de integrantes do governo.

Também já foram noticiadas tentativas de invasões nas terras indígenas Awá-Guajá, em São João do Caru/MA, e Marãiwatsédé, localizada nos municípios mato-grossenses de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia.

Em São João do Caru-MA, com o intuito de articular uma frente de mobilização para retornarem à exploração de terras indígenas em São João do Caru, Governador Newton Belo, Zé Doca e Centro Novo do Maranhão.

Diante das circunstâncias, buscam-se integrar forças para resistir. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil/Apib convidou entidades para entrarem na campanha “Sangue Indígena: nenhuma gota mais”. A iniciativa visa reunir diversas atividades organizadas pelo movimento indígena e seus apoiadores, com o objetivo de mobilizar a sociedade pelos direitos dos povos originários do país, inclusive com a hashtag #JaneiroVermelho.

Segundo a Apib, a “disputa pela terra aliada à histórica falta de governança nessas regiões resultam em ​mazelas que se firmam como cicatrizes no coração da maior floresta tropical do mundo”, a Amazônia. “Essa conjuntura vem permitindo que diferentes aspectos da legislação ambiental sejam flexibilizados ou reinterpretados, reduzindo a proteção dos nossos ecossistemas e minando direitos constitucionais dos povos indígenas e comunidades locais”, denunciam.

A Igreja ao lado dos pequenos
“A Igreja vê com muito sofrimento este momento triste do Brasil, porque nos povos indígenas – e estudos comprovam isso – tem muito grupos que viviam aqui há mais de 11 mil anos. Invadimos a sua casa e vamos tirando o direito deles viverem”, afirma dom Roque.

E as invasões e restrições à possibilidade do bem-viver dos povos tradicionais muitas vezes estão sob a égide da lei: “A lei permite, mas que faz essas leis?”, questiona o bispo, justificando a postura da Igreja em denunciar a “truculência” e a “barbárie” do governo de Jair Bolsonaro, “que desrespeita a carta magna desse país, a Constituição Federal”.

Dom Roque conclama as pessoas de boa vontade a unirem-se aos povos indígenas, quilombolas e demais minorias do país neste momento de “extrema ameaça aos direitos garantidos constitucionalmente”.

Dom Roque ainda ressalta que as comunidades indígenas têm se firmado na convicção de que já são 518 anos de resistência: “Não é um presidente que vai tirar o direito da gente”.

A presidência da REPAM também se pronunciou diante da escalada de violência. Em nota, por ocasião do ataque a um grupo de camponeses em Colniza/MT, afirmou que não é possível ficar indiferente à situação de conflitos que tem se agravado na Amazônia, “a partir do fortalecimento de ideias persecutórias aos camponeses, indígenas e outros povos tradicionais. O que resulta em ataques covardes, desrespeito ao meio ambiente e indiferença estatal”.

Em Roraima, Pastorais Sociais uniram-se a outros grupos de articulação social em um ato contra “os governos que representam apenas interesses de banqueiros e empresários, impondo à classe trabalhadora indígena e não indígena um programa de governo de retirada de direitos”. Nesta quinta-quinta feira, participam de ato no parlatório da praça do Centro Cívico da capital Boa Vista.

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