Do negacionismo climático a mudanças de estruturas administrativas: ações do governo que põem em xeque a política ambiental. Entrevista especial com Adriana Ramos

Por: Patricia Fachin, em IHU On-Line

Os avanços no campo das políticas ambientais no Brasil, nos últimos anos, estão sendo desnutridos. É o que acredita Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental – ISA. “Nos mais de 25 anos em que acompanho as  políticas ambientais, é a primeira vez que vejo um ministro do Meio Ambiente que rejeita a participação da sociedade civil e questiona os  princípios e instrumentos da política ambiental”, dispara, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Na sua avaliação, já ficou claro que o  governo de Jair Bolsonaro não será pautado pelas questões ambientais. E mais: parece não ter receio de sujeitar a pasta do Meio Ambiente a qualquer outro interesse econômico. “Várias autoridades do governo já demonstraram ser negacionistas climáticos, e o próprio ministro do Meio Ambiente considera que essa é uma discussão que deve se manter no campo acadêmico, pois teria a ver com questões futuras e não atuais. Até agora não sabemos a quem caberá a implementação dos planos nacionais e setoriais de adaptação às mudanças climáticas”, acrescenta.

Para Adriana, o negacionismo climático é apenas um sintoma, que ainda vem com outros que evidenciam o desinteresse do atual governo em políticas de preservação da natureza. Segundo ela, isso fica evidente se observarmos a reestruturação feita entre ministérios. “A reestruturação esvaziou a capacidade de formular e conduzir políticas do Ministério do Meio Ambiente, incluindo a atribuição de fixar normas e diretrizes. Até a competência de combate ao desmatamento desapareceu junto com programas para populações indígenas e tradicionais”, aponta.

Outro exemplo é a demarcação de terras, atribuição que pertencia ao Ministério da Justiça e que agora passa para a Agricultura, a qual condensa setores do agronegócio que, digamos, não têm lá muito interesse em assegurar terras para povos originários. “A subordinação dos processos demarcatórios ao Ministério da Agricultura implica em conflito de interesses, uma vez que tanto o Ministério quanto a Secretaria Especial de Regularização Fundiária criada para cuidar dessa agenda têm, em seus titulares, políticos que já assumiram publicamente posições contrárias à demarcação das terras indígenas”, reitera. E analisa: “tudo indica que essa seja a forma de garantir que a promessa do presidente durante a campanha de não demarcar nenhum centímetro de terra para os povos indígenas seja cumprida à risca”.

Adriana Ramos é associada do Instituto Socioambiental – ISA. Estudou comunicação social e atua no campo das políticas socioambientais há mais de 20 anos. Coordena o Grupo de Trabalho de Florestas do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – FBOMS e é secretária executiva do Fórum Amazônia Sustentável. Representou o FBOMS no Comitê Orientador do Fundo Amazônia de 2008 a 2013 e foi representante das entidades ambientalistas de âmbito nacional no Conama por dois mandatos. Foi secretária executiva adjunta do ISA até 2014.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais mudanças anunciadas pelo governo de Jair Bolsonaro, na sua opinião, poderão desmontar as políticas socioambientais constituídas ao longo dos últimos anos? Pode nos dar alguns exemplos?

Adriana Ramos – As políticas socioambientais brasileiras, construídas desde a década de 1980 e responsáveis pela posição de destaque do Brasil internacionalmente, estão em xeque. A reestruturação esvaziou a capacidade de formular e conduzir políticas do Ministério do Meio Ambiente, incluindo a atribuição de fixar normas e diretrizes. Até a competência de combate ao desmatamento desapareceu junto com programas para populações indígenas e tradicionais.

O tema das mudanças climáticas, por exemplo, praticamente desapareceu do Ministério. A única referência é ao Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, além de outras menções genéricas no Departamento de Conservação de Ecossistemas da Secretaria de Biodiversidade. E a transferência do Cadastro Ambiental Rural – CAR do Ministério do Meio ambiente para o Ministério da Agricultura é uma das mudanças mais graves se considerarmos o papel previsto para o CAR nas políticas de combate aos desmatamentos ilegais.

Também causa preocupação a extinção da Secretaria de Extrativismo, Desenvolvimento Rural e Combate à Desertificação do Meio Ambiente e a transferência da agenda econômica de apoio à produção de produtos florestais (castanha, açaí, látex, óleos, essências etc.) para a Agricultura. O problema é que na política agora incorporada ao Ministério da Agricultura não há mais referências às populações indígenas e tradicionais. A pauta vinha sendo apoiada pela Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade – PGPM-Bio, que também fica sem paradeiro com a extinção da Secretaria de Extrativismo.

O futuro da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI e do Plano Nacional de Fortalecimento das Comunidades Extrativistas e Ribeirinhas – Planafe, criado em abril, também está comprometido.

Além disso, as atribuições relativas ao combate à desertificação também foram retiradas doMinistério do Meio Ambiente. Por fim, a extinção da  Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental demonstra a flagrante dificuldade em lidar com a sociedade civil.

IHU On-Line – Segundo uma série de reportagens do ISA, o Ministério do Meio Ambiente foi esvaziado. Quais são as atribuições da pasta diante desse cenário?

Adriana Ramos – As atribuições do Ministério do Meio Ambiente estão relacionadas à Política nacional do meio ambiente; às políticas de preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, biodiversidade e florestas; estratégias, mecanismos e instrumentos econômicos e sociais para a melhoria da qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais; políticas para a integração do meio ambiente e a produção; políticas e programas ambientais para a Amazônia; e estratégias e instrumentos internacionais de promoção das políticas ambientais. Ganhou destaque na estrutura do Ministério o ecoturismo, na forma de uma secretaria específica.

IHU On-Line – Quais são, na sua avaliação, as implicações de o processo de demarcação de terras indígenas ficar a cargo do Ministério da Agricultura e não mais a cargo do Ministério da Justiça? O que pode mudar nesse processo?

Adriana Ramos – A subordinação dos processos demarcatórios ao Ministério da Agricultura implica em conflito de interesses, uma vez que tanto o Ministério quanto a Secretaria Especial de Regularização Fundiária criada para cuidar dessa agenda têm, em seus titulares, políticos que já assumiram publicamente posições contrárias à demarcação das terras indígenas. Tudo indica que essa seja a forma de garantir que a promessa do presidente durante a campanha de não demarcar nenhum centímetro de terra para os povos indígenas seja cumprida à risca.

IHU On-Line – Quais são as consequências de o Serviço Florestal Brasileiro – SFB e o Cadastro Ambiental Rural – CAR estarem vinculados ao Ministério da Agricultura? Por que, na sua avaliação, esses serviços passaram para a pasta da Agricultura?

Adriana Ramos – Assim como o caso da demarcação de terras indígenas e de territórios quilombolas, essa mudança sinaliza o interesse do agronegócio de controlar os mecanismos criados para monitorar suas propriedades no que diz respeito ao cumprimento da legislação ambiental. Essa subordinação, junto com a proposta anunciada pelo  ministro do Meio Ambiente de criar um núcleo com poder de anular multas do Ibama, demonstra o interesse em garantir a impunidade para os crimes ambientais no campo.

IHU On-Line – De outro lado, como avalia a decisão de alocar a Agência Nacional das Águas – ANA à pasta de Desenvolvimento Regional? O que essa mudança significa?

Adriana Ramos – No caso da agenda de recursos hídricos, é um retorno ao formato existente antes do Governo FHC. O significado disso na prática só poderemos avaliar com a implementação, uma vez que o Ministério do Meio Ambiente manteve a competência de “planejamento e a gestão ambiental territorial, incluídos o zoneamento ecológico-econômico, o gerenciamento costeiro e a gestão integrada da água”.

IHU On-Line – Outra questão que não pertence mais à pasta do Meio Ambiente é a discussão sobre as mudanças climáticas. O que isso demonstra acerca da disposição do governo de tratar do assunto, e como deve se dar o tratamento do governo sobre as metas brasileiras de enfrentamento às mudanças climáticas a partir de agora?

Adriana Ramos – Essa é uma das questões mais graves, uma vez que várias autoridades do governo já demonstraram ser negacionistas climáticos, e o próprio ministro do Meio Ambiente considera que essa é uma discussão que deve se manter no campo acadêmico, pois teria a ver com questões futuras e não atuais. Até agora não sabemos a quem caberá a implementação dos planos nacionais e setoriais de adaptação às mudanças climáticas, muito menos quais serão as políticas a serem implementadas para assegurar o cumprimento das metas brasileiras no âmbito do Acordo de Paris.

IHU On-Line – Que semelhanças e diferenças há no tratamento das questões ambientais, até o momento, do governo de Jair Bolsonaro em comparação com os governos anteriores?

Adriana Ramos – Nos mais de 25 anos em que acompanho as políticas ambientais, é a primeira vez que vejo um ministro do Meio Ambiente que rejeita a participação da sociedade civil e questiona os princípios e instrumentos da política ambiental.

Adriana Ramos (Foto: ISA)

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