Ministro evoca nazismo para responder a colunista da DW

Ricardo Salles, que chefia a pasta de Meio Ambiente, compartilha coluna de correspondente alemão e rebate crítica ao governo Bolsonaro fazendo comparação com o Holocausto.

Na DW

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez uma comparação com o nazismo ao criticar uma coluna escrita pelo jornalista alemão Philipp Lichterbeck para a DW. Na coluna Cartas do Rio, que Lichterbeck mantém na DW Brasil, o jornalista alemão criticou o governo Bolsonaro em texto intitulado O projeto de Mefistófeles*.

“A destruição do meio ambiente brasileiro parece ser um dos principais projetos do novo governo. Ele está numa missão mefistofélica: quer acabar com os bons costumes. Com os direitos humanos. Com a ciência. Com os projetos de emancipação. Com o próprio pensamento esclarecido.

São pessoas que agem e falam com arrogância e crueldade. São pessoas que riem quando morre uma criança de sete anos. Que comemoram quando a polícia comete massacres em favelas, quando morrem ambientalistas ou vereadoras negras. Pessoas que não conhecem a diferença entre flertar e assediar. Pessoas com relações com milícias. Pessoas que falam toda hora em Deus mas mentem, xingam e difamam. Pessoas que gritam ‘zero corrupção!’, mas que são corruptas.”

Salles compartilhou a coluna na sua conta no Twitter, destacando o segundo parágrafo acima e acrescentando seu próprio comentário à coluna. “Lamentável que um canal público alemão escreva isso do Brasil. Essa sua descrição se parece mais com o que a própria Alemanha fez com as crianças judias e tantos outros milhões de torturados e mortos em seus campos de concentração…”, escreveu o ministro.

O tuíte do ministro foi compartilhado mais de 1.700 vezes e recebeu mais de 2 mil comentários de seus seguidores. Ele foi, também, amplamente repercutido pela imprensa brasileira, que destacou a comparação feita por Salles com o nazismo.

O blogueiro do UOL Reinaldo Azevedo criticou Salles e disse que a reação do ministro é “outro vexame” do governo do presidente Jair Bolsonaro. “É, meus caros, não vai ser fácil”, escreveu Azevedo. “Eu deveria pedir que Bolsonaro pusesse ordem na casa. Mas a recomendação iria parecer sem sentido”, ironizou o colunista.

“Salles tem todo o direito de não gostar da crítica feita por Philipp Lichterbeck. Mas a sua reação é uma estupidez. Associar as palavras do colunista ao nazismo porque Lichterbeck é alemão é só manifestação de preconceito, desvario e, tudo indica, desinformação histórica”, afirmou Azevedo.

Alguns usuários que comentaram a postagem do ministro ressaltaram que a comparação com o nazismo é desproporcional e que ele generalizou ao ofender toda a população alemã por causa da crítica de um único jornalista.

Salles, em resposta no próprio Twitter, disse que não generalizou, mas “citou um fato da história”. Sobre a coluna de Lichterbeck, disse que se trata de “ofensa pura e simples”, e que a “DW é um canal público, não pode escrever essas coisas do Brasil”.

Após a polêmica, o colunista Philipp Lichterbeck disse que, com seu post no Twitter, o ministro não respondeu aos fatos citados “sobre uma política que é antiambiental”, mas preferiu falar sobre o passado alemão. “Mais uma vez um membro do governo Bolsonaro usa a tática de desviar a atenção do essencial para o sensacionalismo”, comentou Lichterbeck.

“O ministro usa uma comparação desproporcional. O nazismo foi derrotado há mais de 70 anos. E o que existe hoje na Alemanha é uma forte tendência em alertar sobre regimes antidemocráticos, regimes que muitas vezes  violam os direitos humanos, pregam um nacionalismo agressivo e criam inimigos internos”, completou.

O colunista disse ainda que, depois da Segunda Guerra Mundial, duas frases marcaram várias gerações de alemães: “Nie wieder!” (“nunca mais!”) e “Wehret den Anfängen!” (algo como “resista desde o começo!”) O Brasil, pelo contrario, nunca foi capaz de se distanciar da sua ditadura”, disse o jornalista, que está desde 2012 no Rio e escreve para vários jornais alemães. 

“Costumo ser acusado de retratar o Brasil de forma negativa quando falo sobre o retrocesso da política ambiental que, segundo muitos especialistas, está acontecendo”, comentou. “É o próprio governo que está prejudicando a imagem do Brasil: com as suas afirmações incoerentes e com seu jeito pouco profissional de comunicação.”

Resposta do ministro Ricardo Salles

Procurado pela reportagem da DW a comentar a polêmica, o ministro disse que não enxergou a coluna como uma crítica ambiental, mas como uma “ofensa pura e gratuita, atacando de certa forma o governo brasileiro como um todo”.

“Vocês deixaram publicar uma matéria dessas. Vocês são um órgão público alemão, não são? Vocês permitiram que um órgão público alemão fizesse essa critica ao Brasil”, disse Ricardo Salles, por telefone, à correspondente da DW em São Paulo Nádia Pontes.

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