Polícia é principal responsável por mortes intencionais de crianças e adolescentes em SP

Estudo feito a pedido da Unicef, com base em dados da Secretaria da Segurança Pública, aponta que mortes causadas por policiais superaram os homicídios dolosos (com intenção de matar), com 580 mortes entre 0 e 19 anos na capital de 2014 a 2018

por Arthur Stabile, em Ponte Jornalismo

A principal causa de mortes intencionais de crianças com menos de um ano e adolescentes e jovens de até 19 anos na cidade de São Paulo é a ação das polícias, seja Civil ou Militar. O índice faz parte de um estudo da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que integra a ONU (Organizações das Nações Unidas).

A conclusão tem como base estatísticas da SSP (Secretaria da Segurança Pública) do estado de São Paulo, chefiada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), e leva em consideração as mortes violentas intencionais registrados na capital de 2014 a 2018. Os dados foram expostos pela diretora executiva do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), Samira Bueno, responsável pelo estudo, durante debate sobre letalidade policial na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), na quinta-feira (13/6).

As MDIP (Mortes Decorrentes de Intervenção Policial) superaram o total de homicídios dolosos (com intenção de matar) em 2016, já que as polícias mataram 119 pessoas dessa faixa etária, enquanto as mortes dolosas não cometidas por agentes da segurança pública foram 92. Ao todo, a polícia matou 580 crianças e adolescentes de 2014 a 2018, enquanto foram registradas 527 mortes dolosas no mesmo período.

Os registros de letalidade policial para crianças e adolescentes apresentou crescimento contínuo entre 2014 e 2017. Há uma queda tímida no comparativo de 2017 com 2018, de 120 para 108 casos. Enquanto isso, os homicídios dolosos apresentam queda drástica de 48% nos últimos cinco anos, dos 145 casos ao longo de 2014 para os 75 registros feitos em 2018.

Outras três estatísticas também são levantadas no estudo, mas de impacto expressivamente menor no resultado final comparado com MDIP e homicídios dolosos: latrocínio, que é o roubo seguido de morte, (28 em cinco anos), lesão corporal seguida de morte (7 no período) e feminicídio (6 nestes anos).

Em laranja, letalidade policial; em azul, homicídios dolosos. Dados foram obtidos com a Secretaria da Segurança Pública de SP e abarcam apenas a capital

A estatística é vista com preocupação pelo advogado especialista em direitos da criança e do adolescente Ariel de Castro Alves. “[A estatística] Evidencia que os policiais militares em São Paulo estão deliberadamente exterminando adolescentes e jovens, em situações justificadas por eles como situações de legítima defesa, mas que sabemos que em grande parte são situações forjadas. A polícia, que deveria proteger, é a instituição que gera riscos à integridade física e a vida dos adolescentes e jovens”, explica.

Para o profissional, que integra o quadro de conselheiros do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), o fato de que as investigações de mortes cometidas por policiais serem feitas por outros policiais faz com que “o corporativismo prevaleça”. “Existe também entre os policiais o comentário e a pregação nos quartéis de que ‘adolescentes não são punidos’, ou ‘que são protegidos pelo ECA’, e os PMs estão na prática matando antes de levá-los às delegacias. Além dos assassinatos, no dia a dia os adolescentes são as principais vítimas de violência policial”, argumenta Castro Alves.

Ariel explica que o registro vai na contra mão das apreensões de adolescentes e sua internação na Fundação Casa, espaço que deveria ser utilizado para ressocializar as crianças e adolescentes. E, para o futuro, seu entendimento é de piora nesse quadro.

“Provavelmente, de 2019 para frente os números de assassinatos de adolescentes e jovens devem ser ainda mais expressivos, já que os policiais foram mais estimulados a matar pelas pregações e condecorações do governador João Doria (PSDB) e do presidente Jair Bolsonaro (PSL)”, sustenta Ariel de Castro Alves.

A reportagem procurou a InPress, assessoria terceirizada da SSP, sobre os índices, mas não obteve retorno até a publicação.

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