O sonho de conquistar terra: “Minha ideia está é na roça”. Por Gilvander Moreira[1]

As famílias do Acampamento Dom Luciano, no município de Salto da divisa, região do Baixo Jequitinhonha, MG, precisamente as 43 – com total de pessoas flutuante – que perseveram na luta há mais de dez anos, têm demonstrado convicção de que estão no rumo certo e não vacilaram em momento algum. Sabiam muito bem que não há ventos favoráveis para quem não sabe aonde quer chegar. Carregavam sempre consigo o sonho construído em mutirão, com as próprias mãos e acordado: o da conquista da terra. Esse sonho coletivo que foi sendo sonhado acordado, na luta coletiva, se tornou um dos trunfos que fez a luta pela terra seguir rumo a emancipação. Após dezenas de anos sendo sem-terra, na luta pela terra, em luta coletiva, se tornaram Sem Terra. É óbvio que as palavras não são unívocas, mas sempre análogas, podem ter significados diversos e, inclusive, mudar de sentido ao longo do tempo conforme novas interpretações. Na luta pela terra, sob a liderança do MST, se convencionou que sem-terra é a pessoa realmente sem-terra e que continua isolado sendo expropriado e explorado pelos latifundiários, pelo latifúndio e pelo sistema do capital. E, Sem Terra é o sem-terra que se torna militante ao abraçar a luta coletiva pela terra. A experiência e a história de luta pela terra indicam que quem se torna Sem Terra conquistará a terra mais cedo ou mais tarde caso não desista da luta, mas continuará tendo a identidade de Sem Terra e não se tornará um Com Terra, pois enquanto tiver uma pessoa sem-terra a luta pela terra deve estar de pé.

Eis uma amostra da realidade social e da luta histórica dos Sem Terra que, após ficarem acampados no Acampamento Dom Luciano durante muitos anos, conquistaram a fazenda Monte Cristo que se tornou Assentamento Dom Luciano. Antes de abraçarem a luta pela terra, esses camponeses derramaram muito suor na terra trabalhando para fazendeiros, conforme o relato do camponês Sem Terra Getúlio Lopes do Nascimento, que era da coordenação do Acampamento Dom Luciano: “Eu nasci em Vitória da Conquista, BA, mas fui criado aqui em Gabiarra, cidadezinha aqui perto, onde cheguei com dois meses de idade. Já lutei demais por aqui na região. Tomei conta de fazendas muito tempo por aqui. Eu fui vaqueiro e eu conhecia o Salto da Divisa porque era linha para a gente passar tocando gado. Quem não tem um sustento pra viver, em qualquer canto é o certo pra viver. A gente não tinha um lugar pra sobreviver e então a gente achou por bem enfrentar a luta com os companheiros aqui para ver se a gente arruma um pedacinho de terra para a gente viver com dignidade. A gente precisava de uma ariazinha para a gente sobreviver, pois a gente não tem. Na cidade do Salto da Divisa quem tem, tem demais, e quem não tem, não tem nada. Aqui só tem a empresa Mineradora Nacional de Grafite e a prefeitura para o povo trabalhar. Em Salto da Divisa quando se arruma um emprego se recebe no máximo meio salário. Fui a Belo Horizonte duas vezes. Na primeira vez, estive lá dez dias e voltei para trás. Depois, voltei lá em Belo Horizonte e fiquei mais 20 dias e voltei pra trás. Achei bonito lá, mas para trabalhar lá na cidade não gostei. Nunca passou pela minha cabeça mudar para uma cidade grande. Estudei só a primeira série, só mesmo para assinar o nome. Minha ideia está é na roça. Na cidade quem quer dar emprego para um idoso? Já sofri muito trabalhando de fazenda em fazenda como empregado. Há muito que procuro um lugarzinho para a gente ficar sossegado, sem ser empurrado ou pisado, até Deus mandar chamar. Não vamos desistir da luta pela terra junto com os companheiros. Queremos a terra. A melhor alternativa é o caminho que nós estamos seguindo, primeiro, com Deus; depois, com o MST, com irmã Geraldinha, com frei Gilvander e com todos que nos apoiam”.

No Acampamento Dom Luciano Mendes havia um significativo número de pessoas acima de 50 anos de idade. Tinha mais de dez pessoas aposentadas. As normas de seleção do Plano Nacional de Reforma Agrária não excluem os aposentados por idade como trabalhador rural. Exclui, sim, os aposentados por invalidez e muitos obstáculos legais são colocados para dificultar o acesso à terra.[2] No passado, quando assentado, o normal era colocar o lote em nome do homem, chefe de família, mas ultimamente a prioridade passou a ser colocar o lote em nome da mulher, por vários motivos: a) porque a bolsa família é em nome da mulher; b) há pesquisas que asseguram que há um índice de êxito maior nos empréstimos realizados por mulheres; c) também para frear o machismo; e d) também porque há casos de mulheres viúvas, divorciadas ou mães solteiras.

De fato, quem nasce e é criado no campo, mesmo que seja forçado a migrar para a cidade, sempre trará o campo dentro de si e o sonho de retornar ao campo estará sempre vivo dentro de si. O MST, dezenas de outros movimentos sociais camponeses e os Povos e Comunidades Tradicionais, na luta coletiva, têm tornado esse sonho realidade. Com a exaustão das condições de vida nas grandes cidades a solução será cada vez mais voltar para o campo, reconquistar a terra que expropriada e construir um modo de vida simples e sóbrio no estilo do Bem Viver e Conviver dos povos originários.

Obs.: Abaixo, vídeos que versam sobre o assunto apresentado, acima.

1 – Palavra Ética, na TVC/BH: frei Gilvander-Acampamento Dom Luciano/MST, Salto da Divisa/MG. 22/09/14

2 – De Acampamento Dom Luciano Mendes, CPT/MST, MG, a Assentamento. IV congresso da CPT. 13/07/15

3 – Povo do Acampamento Dom Luciano, do MST, em Salto da Divisa, MG, não arreda o pé da luta. 22/09/14

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; mestre em Ciências Bíblicas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, SAB, CEBs e Movimentos Sociais Populares; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.

[2] Segundo a NORMA DE EXECUÇÃO Nº 45, DE 25 DE AGOSTO DE 2005. DOU 166, de 29/8/2005, seção 1, p. 122, que dispõe sobre procedimentos para seleção de candidatos ao Programa Nacional de Reforma Agrária, podem ser beneficiários (as) do Programa Nacional Reforma Agrária: Art. 5º. O assentamento de famílias contemplará as seguintes categorias de trabalhadores e trabalhadoras: 2 I – Agricultor e agricultora sem terra; I – Posseiro, assalariado, parceiro ou arrendatário; II – Agricultor e agricultora cuja propriedade não ultrapasse a um módulo rural do município. Art. 6º. Não poderá ser beneficiário(a) do Programa de Reforma Agrária, a que se refere esta norma, seguindo os seguintes Critérios Eliminatórios: I – Funcionário(a) público e autárquico, civil e militar da administração federal, estadual ou municipal, enquadrando o cônjuge e/ou companheiro(a); II – O agricultor e agricultora quando o conjunto familiar auferir renda proveniente de atividade não agrícola superior a três salários mínimos mensais; III – Proprietário(a), quotista, acionista ou coparticipante de estabelecimento comercial ou industrial, enquadrando o cônjuge e/ou companheiro(a); IV – Ex-beneficiário(a) ou beneficiários(a) de regularização fundiária executada direta ou indiretamente pelo INCRA, ou de projetos de assentamento oficiais ou outros assentamentos rurais de responsabilidade de órgãos públicos, de acordo com a Lei nº 8.629/93, enquadrando o cônjuge e/ou companheiro(a), salvo por separação judicial do casal ou outros motivos justificados, a critério do INCRA; V – Proprietário(a) de imóvel rural com área superior a um módulo rural, enquadrando o cônjuge e/ou companheiro(a); VI – Portador(a) de deficiência física ou mental, cuja incapacidade o impossibilite totalmente para o trabalho agrícola ressalvados os casos em que laudo médico garanta que a deficiência apresentada não prejudique o exercício da atividade agrícola; VII – Estrangeiro(a) não naturalizado, enquadrando o cônjuge e/ou companheiro(a); VIII – Aposentado(a) por invalidez, não enquadrando o cônjuge e/ou companheiro(a) se estes não forem aposentados por invalidez; IX – Condenado (a) por sentença final definitiva transitado em julgado com pena pendente de cumprimento ou não prescrita, salvo quando o candidato faça parte de programa governamental de recuperação e reeducação social, cujo objeto seja o aproveitamento de presidiários ou ex-presidiários, mediante critérios definidos em acordos, convênios e parcerias firmados com órgãos ou entidades federais ou estaduais.

Foto: Dia da conquista da fazenda Monte Cristo, em Salto da Divisa, MG, que se tornou o Assentamento Dom Luciano Mendes. Foto: Arquivo da CPT/MG.

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