Marco Weissheimer, Sul21
Nos últimos meses, lideranças das entidades representativas dos servidores da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros passaram algumas dezenas de horas na Praça da Matriz, nos corredores, gabinetes e plenário da Assembleia Legislativa, numa intensa mobilização em conjunta com outras categorias de servidores públicos, para tentar barrar o pacote de medidas enviado pelo governador Eduardo Leite (PSDB) ao Parlamento, propondo mudanças estruturais no plano de carreira dessas categorias. O resultado final deste processo, na semana passada, foi frustrante.
Para os servidores da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros, o resultado do pacote de Eduardo Leite aprovado na Assembleia representa a desvalorização e desconstituição das estruturas e carreiras de servidores de nível médio das instituições militares do Estado, com um achatamento dos salários, que privilegiou apenas os escalões mais elevados dos militares estaduais. Uma das consequências do pacote de Eduardo Leite, no curto prazo, deverá ser o aumento de pedidos de aposentadorias de profissionais das duas corporações, avalia Ubirajara Ramos, Primeiro Sargento, coordenador adjunto da Associação de Bombeiros do Rio Grande do Sul (ABERGS) e integrante do Fórum dos Militares Estaduais. “No Corpo de Bombeiros são cerca de 400 integrantes que estão hoje em atividade operacional ou administrativa e aproximadamente 1300 na Brigada Militar”, prevê o militar.
Em entrevista ao Sul21, Ubirajara Ramos fala sobre o impacto das medidas aprovadas na Assembleia Legislativa na semana passada para as categorias de bombeiros e policiais militares, alertando que as consequências serão sentidas pela sociedade em conjunto. “Esse pacote trará um prejuízo não só para o serviço operacional do dia-a-dia, que tem como tarefa salvar vidas, mas para a sociedade gaúcha como um todo. Quem aceitará arriscar a própria vida diante de uma instituição que não garante os direitos conquistados e com um salário que será congelado no mínimo por dez anos? Durante a campanha eleitoral, Eduardo Leite dizia que iria valorizar os servidores. Em momento algum ele disse, durante a campanha, que o problema era o servidor. Passada a eleição, ele começa a dizer que o problema do Estado é o servidor público. Mas ele está promovendo a retirada de direitos somente de servidores do Executivo, daqueles que mais trabalham e que mais arriscam a própria vida. É muito preocupante o que está acontecendo”, afirma o Primeiro Sargento.
Sul21: Para que foi criado o Fórum dos Militares Estaduais e qual a avaliação que o mesmo tem do pacote de medidas enviado pelo governador Eduardo Leite à Assembleia Legislativa?
Ubirajara Ramos: O Corpo de Bombeiros e a Brigada Militar formaram, por meio de suas entidades representativas, um fórum reunindo a Associação de Bombeiros, que representa oficiais e praças do Corpo de Bombeiros, e diversas entidades da Brigada Militar. Decidimos nos unir diante das demandas geradas a partir do pacote anunciado pelo governo Eduardo Leite, onde ele apresentou uma série de medidas retirando direitos dos militares do Estado, entre eles direitos conquistados após uma luta de muitos anos. Direitos como, por exemplo, o avanço temporal, que seria a garantia de um pequeno reajuste, quase que equivalente à inflação, com o passar do tempo. Ou a promoção à qual os militares têm direito para se aposentar um posto acima após seus 30, agora 35 anos, de serviço.
Agora, estamos envolvidos em uma proposta que congela os salários, propondo uma nova forma de remuneração, que transforma os avanços temporais em subsídios. Mas se trata de um subsídio que, diferentemente do que ocorre no resto do Brasil, não foi nivelado pela média salarial, mas abaixo dela e abaixo da lei vigente. O que ele está propondo é que aquele militar, que teria possibilidade de ser promovido, não receberá mais o valor de salário que tinha como expectativa quando entrou. Ou seja, terá um salário muito abaixo do esperado. Isso está fazendo com que muitos colegas, que já tinham a expectativa de se aposentar e ir para a reserva, estejam antecipando o pedido de aposentadoria. No Corpo de Bombeiros são cerca de 400 integrantes que estão hoje em atividade operacional ou administrativa e aproximadamente 1300 na Brigada Militar.
Sul21: Como essas antecipações de aposentadoria impactarão o problema do déficit de servidores na segurança pública?
Ubirajara Ramos: A estimativa de efetivo para o Corpo de Bombeiros hoje é de 4.100 homens. Nós temos 2.800. Destes 2.800, com essas medidas do governo Eduardo Leite, há a possibilidade de 500 integrantes pedirem para ir embora. O déficit de servidores que já existia com certeza irá aumentar e não será reposto no curto e médio prazo, considerando todo o tempo que envolve o processo de realização de concurso e de formação. Então, esse pacote trará um prejuízo não só para o serviço operacional do dia-a-dia, que tem como tarefa salvar vidas, mas para a sociedade gaúcha como um todo.
Sul21: Qual é a realidade vivida hoje por bombeiros e policiais militares?
Ubirajara Ramos: O Corpo de Bombeiros se emancipou da Brigada Militar em 2014, tornando-se um órgão militar de Estado, independente da polícia militar, como já ocorre no restante do Brasil e em outros países do mundo. O Rio Grande do Sul conseguiu essa conquista depois de muita luta e de forma muito demorada, pois essa discussão vinha desde 1935. A conquista dessa emancipação permitiu, de 2014 pra cá, que o Corpo de Bombeiros passasse a ter recursos próprios do Estado para a manutenção de suas atividades. Também conseguiu a realização de concursos específicos para o ingresso na corporação. Podemos dizer então que, considerando a nossa atividade-fim, o Corpo de Bombeiros conseguiu, a partir dessa emancipação, ter uma estrutura melhor.
Por outro lado, ainda estamos em busca de uma carreira melhor. Estamos aqui na Assembleia Legislativa não para pedir aumento salarial, mas sim em defesa da manutenção dos direitos conquistados. O Corpo de Bombeiros presta hoje um serviço melhor pela sua independência, mas os servidores estão sofrendo prejuízo em função das propostas apresentadas pelo governo Eduardo Leite.
Sul21: Qual é a média salarial da categoria hoje?
Ubirajara Ramos: Hoje, um soldado, tanto do Corpo de Bombeiros quanto da Brigada Militar, ingressa na corporação após um concurso público, que ainda é de nível médio (buscamos que passe a ser de nível superior como ocorre com todo o restante da segurança pública), e após seis meses de formação, com um salário bruto de R$ 4.689,00. Com todos os descontos, o líquido é de cerca de R$ 3.000,00 para o cargo de soldado na Brigada e no Corpo de Bombeiros.
Sul21: Como essas propostas do governo Eduardo Leite, aprovadas na Assembleia, impactarão os servidores do Corpo de Bombeiros e da Brigada Militar?
Ubirajara Ramos: No nosso entendimento, impactará de três formas. A primeira delas é o prejuízo funcional e individual causado ao servidor que tanto labutou e se arriscou pela vida da população. Esse servidor, ao ingressar na instituição, assinou um contrato dentro de um modelo e agora esse modelo está sendo transformado em outro modelo sem que tenha ocorrido um debate. O segundo prejuízo atingirá os futuros profissionais que ingressarão no Corpo de Bombeiros e na Brigada Militar. Quem serão os indivíduos que aceitarão arriscar a própria vida diante de uma instituição que não garante os direitos conquistados e com um salário que será congelado no mínimo por dez anos? O terceiro prejuízo, por fim, atingirá toda a sociedade gaúcha, que verá uma grande quantidade de servidores pedindo a sua aposentadoria e de profissionais qualificados que, provavelmente, não terão interesse de ingressar nos quadros da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros.
Sul21: Para a aprovação de seu pacote na Assembleia Legislativa, o governo Eduardo Leite trabalha também com um sentimento negativo relacionado ao serviço público junto à população. Os servidores públicos aparecem como responsáveis pela crise e portadores de privilégios. Como você vê essa estratégia do governo de apresentar os servidores como responsáveis pela crise?
Ubirajara Ramos: Em um primeiro momento, isso nos causa estranheza porque, durante a campanha eleitoral, Eduardo Leite dizia que iria valorizar os servidores. Em momento algum ele disse, durante a campanha, que o problema era o servidor. Passada a eleição, ele começa a dizer que o problema do Estado é o servidor público. Mas ele está promovendo a retirada de direitos somente de servidores do Executivo, daqueles que mais trabalham e que mais arriscam a própria vida, como ocorre com os profissionais da segurança pública, da Brigada Militar, do Corpo de Bombeiros, da Polícia Civil, IGP e Susepe. Se existe um problema econômico no Estado porque não está sendo dado pelo governo o mesmo tratamento ao Judiciário, para o Ministério Público, para a Procuradoria Geral do Estado e para a Assembleia Legislativa e segue criando novos cargos em comissão para o governo do Estado?
Se existe um problema estrutural envolvendo o déficit econômico do Estado, ele deve ser enfrentado envolvendo o Estado como um todo e não somente os servidores do Executivo que já ganham os menores salários e arriscam a vida todos os dias.
Sul21: Além da decisão de muitos servidores de pedir a aposentadoria em função da aprovação dessas medidas, qual o sentimento que você presencia entre seus colegas de profissão diante deste cenário?
Ubirajara Ramos: Temos colegas que já preencheram seus 30 anos de serviço para poder se aposentar, mas gostariam de continuar na atividade de bombeiro, que é a profissão de maior credibilidade no Brasil. Infelizmente, o governo Eduardo Leite está construindo medidas que fazem com que esses colegas sejam incentivados a ir embora, até por uma questão de garantir a subsistência da família. E aqui falo não só dos bombeiros, mas também dos colegas que estão na atividade policial, que estão dentro dos presídios zelando pela integridade dos presos que lá estão e de toda a sociedade, dos colegas do Instituto Geral de Perícias, que trabalham com poucos equipamentos. É muito preocupante o que está acontecendo com todas essas categorias e expresso aqui esse sentimento de desvalorização. Essa é a palavra correta. Nunca tinha visto um governo do Estado que tratasse de forma tão desrespeitosa os servidores da segurança pública.
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Ubirajara Ramos: “Quem aceitará arriscar a própria vida diante de uma instituição que não garante os direitos conquistados e com um salário que será congelado no mínimo por dez anos?” Foto: Luiza Castro/Sul21