No Espírito Santo, chuvas fortes acendem sinal de alerta sobre barragens em diversas regiões

No Mab

As chuvas que caíram no final de janeiro trouxeram novas preocupações com relação às barragens no estado do Espírito Santo. Se a população capixaba já está se “familiarizando” com o drama do rompimento das barragens de rejeito – que afetam a economia, o meio ambiente e a saúde – o grande volume de chuva das últimas semanas trouxe novos risco para lugares que, até então, não tinham contato com o pavor de estar abaixo de uma barragem.

O distrito de Pacotuba, em Cachoeiro de Itapemirim, possui pouco mais de 4 mil habitantes e passou por essa situação no final de janeiro. A enchente trouxe alertas da Defesa Civil, carros de som com sirenes e bombeiros orientando a evacuação da população devido ao risco do rompimento da PCH Francisco Gros. Essa barragem tem a potência instalada de 29W e é gerida pela empresa Statkraft, a estatal norueguesa de energia elétrica, que a adquiriu em um lote com outras 7 PCH´s da EDP no Espírito Santo em novembro de 2018.

Na memória dos moradores, alguns convivendo com o rio há mais de 40 anos, nunca houve uma enchente tão grave. A água chegou a atingir até mesmo o telhado de algumas propriedades. “Eu nunca vi uma enchente dessas, e tudo por culpa de quê? por causa da barragem porque na hora que eles viram que a enchente já tava chegando eles abriram a barragem pra enchente pegar o pessoal daqui debaixo aqui. Eu pesco aqui desde criança tenho 65 anos”, conta José Barbosa de Souza, morador de Pacotuba. 
Apesar da percepção dos moradores, de que a abertura das comportas na noite de sábado para domingo é o fator determinante da força com a qual a enchente atingiu a comunidade, a STATKRAFT nega e ainda afirma que mesmo no caso do rompimento da barragem, Pacotuba não seria atingida.

Apesar do pronunciamento da estatal norueguesa, as fotos do momento e do pós enchente, e o fato das famílias serem obrigadas a abandonarem suas casas e ficarem alojadas em escolas e igrejas mostram, justamente, o contrário.

Marilda, moradora de Pacotuba há 57 anos, relata a experiência. Ela recebeu uma ligação da Defesa civil por volta de 3h30 da manhã, informando sobre o rompimento da barragem e viu os carros do Corpo de Bombeiros circulando. “Segundo a Defesa Civil, a barragem estava rompendo naquele momento e falaram que a gente tinha um prazo de 20 minutos para evacuar o distrito. Foi um desespero total, crianças chorando e gritando, uma coisa muito triste que a gente nunca imaginava que pudesse acontecer no nosso local.”, diz a moradora. 

Quem controla as águas? 

Os barramentos dos rio, sejam para produzir energia hidrelétrica, armazenar água ou reter rejeitos da mineração, se transformaram em um grave problema nos últimos anos. A última chuva, no final de janeiro, deve levar a população e também os poderes instituídos a olharem com mais atenção para o problema, principalmente em cenários de apropriação do uso e gestão da água por interesses privados.

Em Colatina, o Ministério Público recebeu um documento da operadora da barragem de Candongas, que durante o auge da enchente seria feito um “pass trough” – que é a lavagem do reservatório das barragens (já cheias de rejeitos) durante a enchente – o que não foi realizado graças à reação imediata do promotor local.

Além do risco óbvio da enchente a perspectiva de ter rejeitos de mineração espalhados por toda a cidade, inclusive em áreas que ainda não foram atingidas, é algo que deve ligar o sinal de alerta da população colatinense. Apesar da cheia e da coloração do Rio Doce, a empresa local de saneamento, SANEAR ainda faz captação e distribui como potável a água para as famílias de Colatina.

Em Aracruz, a população da Vila do Riacho também sentiu alterações no Rio Riacho, ligado ao rio Doce graças a um canal construído sem licenciamento à época pela Aracruz Celulose, hoje Suzano. Como em todas épocas de cheia, voltaram a aparecer peixes mortos na extensão do Rio Riacho e do Canal Caboclo Bernardo, os moradores atribuem à contaminação por rejeitos da bacia do rio Riacho, que é ligada ao Doce, via este canal artificial que abastece a indústria de celulose.

O que pensa o MAB

Esta “gestão das águas” e dos rejeitos necessita de maior transparência e participação das comunidades diretamente afetadas pelos empreendimentos. Pacotuba, Colatina e Vila do Riacho não podem ficar à mercê do interesse privado sobre as águas, enquanto o poder público faz cara de paisagem.

É urgente o envolvimento do governo do Estado e das autoridades municipais na realização de audiências públicas, criação de Conselhos e Comissões de acompanhamento das enchentes e das obras nos rios que podem afetar as comunidades tanto acima quanto abaixo dos barramentos. Caso não nos organizemos para isso agora, mais e mais comunidades do Espírito Santo podem ter seu acesso à água comprometido.

A lição que os crimes da Vale nos traz é que só o povo esclarecido e bem informado pode fazer frente ao cercamento dos rios e apropriação privada da gestão das suas águas. É necessário, portanto, informação clara e de fácil acesso para aqueles que estão preocupados com seu futuro e das suas famílias, para que possam ter a oportunidade de planejarem suas vidas.

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