Pela quarta vez, é prorrogado prazo de obrigatoriedade dos Planos Municipais de Saneamento no Brasil

A falta de comprometimento efetivo com a infraestrutura ainda é um desafio na esfera de mais da metade dos governos locais. Novo prazo estabelecido pelo Governo Federal é 31 de dezembro de 2022.

Sucena Shkrada Resk*, no Blog Cidadãos do Mundo

Cumprimento de prazos, eis um “calcanhar de aquiles” na agenda de políticas públicas nacionais que envolvem principalmente infraestrutura, e exigem a participação dos municípios no Brasil para que possam ser implementadas, no que tange às responsabilidades compartilhadas, que incluem os estados e o governo federal. Um dos exemplos mais crônicos no país se refere à obrigatoriedade de os municípios estabelecerem seus planos de saneamento, como determina a Política Nacional no setor, que é de 2007. Não é a primeira, nem segunda e nem a terceira prorrogação que o Executivo Federal anuncia. Agora, já é a quarta e o novo prazo é 31 de dezembro de 2022 contra o anterior, que era no final do ano passado. Isso demonstra que saúde ambiental não está sendo devidamente priorizada na gestão pública. O retrato deste descaso é que menos da metade das prefeituras no país têm seus planos (regulamentados ou não), como destaca o Instituto Trata Brasil.

Esta situação vem na contramão do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 6 da Organização das Nações Unidas (ODS 6/ONU), que estabelece “assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos” até 2030. E reflete o contexto macropolítico, pois até hoje o Plano Nacional de Saneamento ainda não saiu do papel para ser efetivamente implementado, ao estabelecer metas e investimentos para duas décadas no setor, que seria um parâmetro de direcionamento aos municipais.

Neste ano, foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial de Acompanhamento da Implementação do Plano. A coordenação é do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), com a participação de outras pastas, entretanto, o que se observa é que não há praticamente participação da sociedade civil. A monitoria deverá ser anual, com revisão a cada quatro anos, como já determinado em lei.

Déficit do esgotamento sanitário

De acordo com dados do Sistema Nacional de Saneamento (SNIS), vinculado ao MDR, vivemos em uma nação na qual 48% da população ainda não têm acesso à coleta de esgoto. Apenas 46,3% do volume de esgoto gerado é efetivamente tratado; e atualmente, 67,7% dos municípios da amostra não possuem mapeamento de áreas de risco.

Segundo o panorama divulgado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), em 2018 foram gerados 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos no Brasil e 40,5% foram destinados para locais inadequados: a maioria lixões, que já deveriam estar extintos pelos municípios.

Mais uma vez se observa o problema de adiamentos para a extinção destes locais, o que é determinado na Política Nacional de Resíduos Sólidos. Essas postergações  vulnerabilizam cada vez mais a força da lei e os resultados práticos, que implicam, inclusive, impactos no Sistema Único de Saúde (SUS). Estas estatísticas revelam que boa parte da população também não está fazendo sua parte, que é de gerar cada vez menos resíduos e a destinação correta dos mesmos.

O levantamento foi feito sobre dados até o final de 2018 de 5.146 municípios, (92,4% do total de municípios brasileiros), com a representação de população urbana de 173,2 milhões de habitantes (83,1% da população total do país).

O que acontece, caso o prazo para os planos municipais de saneamento não for acatado? Pressupondo que não haja mais nenhuma postergação, o município que descumprir terá suspenso o acesso aos recursos orçamentários da União ou aos recursos de financiamentos geridos ou administrados por órgão ou entidade da administração pública federal, destinados a serviços de saneamento básico. 

Isso implica que o problema se avolumará, pois a grande maioria das prefeituras não tem caixa próprio para bancar a concepção de projetos e as obras, que exigem manutenção. O efeito cascata implica efeitos danosos aos recursos hídricos, à saúde, resíduos sólidos, habitação, transporte e a todo o planejamento urbano. O que já vemos na prática diariamente, ao longo destes anos. Afinal todas estas políticas estão interligadas, incluindo a de educação ambiental.

Ao mesmo tempo, em que a área de infraestrutura de saneamento enfrenta desafios deste porte nos governos locais, um novo marco legal do setor deve ser analisado no Senado, até março deste ano, previsto no Projeto de Lei (PL) 4.162/19, com metas para uma década. Entre as propostas, está a expansão da iniciativa privada no segmento. Tema que tem gerado polêmica quanto as possíveis implicações futuras e merece maior discussão com a participação da sociedade.

Diante desta ciranda de adiamentos nas áreas de saneamento e de resíduos sólidos, há alguns instrumentos democráticos que podem ser utilizados, pois estamos na proximidade de mais um período de eleições na esfera municipal em que historicamente uma significativa parte dos candidatos não tem demonstrado o empenho devido para tratar destes temas. Aí está um bom momento para cobrar planos de governo concretos, que não perpetuem este descaso com estas áreas que são primordiais na gestão pública. É um momento para menos verborragia, e cobrar mais coerência e comprometimento.

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