Nota Técnica: a Instrução Normativa da Funai nº 09/2020 e a gestão de interesses em torno da posse de terras públicas

Funai edita normativa e se transforma em cartório de certificação de imóveis para posseiros, grileiros e loteadores de terras indígenas

Em INA

A Indigenistas Associados (INA), associação de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), apresenta nota técnica sobre a Instrução Normativa/ Funai n. 9 (IN 09), de 16 de abril de 2020. Publicada na edição de 22 de abril de 2020 do Diário Oficial da União (DOU), a IN 09, ao tempo em que revoga a IN/ Funai de número 03, datada de 20 de abril de 2012, promove mudança administrativa da máxima gravidade e, em flagrante contraste com a razão de ser da autarquia indigenista, da mais gritante parcialidade contra os direitos indígenas.

A Instrução Normativa n. 09/2020 transforma a Funai em instância de certificação de imóveis para posseiros, grileiros e loteadores de Terras Indígenas (TIs). O ato administrativo em questão insere-se como mais uma das infelizes iniciativas relativas aos direitos territoriais indígenas que, em conjunto, constituem o que se pode chamar de revisionismo demarcatório, em contexto político de escalada cronológica de destruição dos direitos indígenas.

A nova diretriz da Funai se dá no contexto das pretensões da Medida Provisória 910/ 2019, também conhecida como “MP da grilagem”, e seus dois relatórios. Trata-se de dispositivo normativo com amplo impacto sobre a realidade socioambiental brasileira com incidência sobre conflitos em torno da posse da terra e do aproveitamento de recursos naturais em TIs.

Com a IN 09, e em vista da MP da Grilagem, invasores de TI poderão solicitar documento à Funai e, munidos desse documento, requerer junto ao Incra, por meio de cadastro autodeclaratório, a legalização dessas áreas invadidas. Ocupantes, posseiros e grileiros também poderão licenciar atividades econômicas como extração madeireira, inclusive em áreas interditadas em razão da ocupação de índios isolados, a exemplo da TI Piripkura e TI Kawahiva do Rio Pardo, no Mato Grosso, cercadas e intensamente pressionadas por madeireiros.

Para a emissão do documento previsto na IN 09, a Funai passará a considerar apenas a existência de TIs homologadas, reservas indígenas e terras dominiais indígenas plenamente regularizadas (art. 1º, §1º), ignorando por completo, por exemplo, TIs delimitadas, TIs declaradas e TIs demarcadas fisicamente. Na IN 09 se ignoram ainda por completo as TIs com portaria de restrição de uso (art. 7o, Decreto n. 1.775/1996), as terras da União cedidas para usufruto indígena e também as áreas de referência de índios isolados, em restrição de uso, às quais não se faz qualquer menção.

Se nada for feito para impedir que a política indigenista siga por esse rumo, o cenário que se avizinha é de acirramento dos conflitos fundiários entre indígenas e não indígenas, com previsível aumento de episódios que cheguem à concreta manifestação de violência física, inclusive com casos de mortes. Nada leva a crer que os povos indígenas deixarão de recorrer aos meios de resistência de que dispõem para defender suas territorialidades.

Leia a Nota Técnica em pdf aqui.

Foto: Ascom MPF/MS

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