A cruzada do governo contra a saúde indígena

No mesmo dia em que o STF obrigava o Executivo a cumprir um plano de proteção, o ministro do Meio Ambiente estimulou garimpeiros ilegais e divulgou-se que o chefe da Funai ameaça os Waimiri-Atroari (na foto) com contágio por covid-19

por Maíra Mathias e Raquel Torres, em Outra Saúde

DA DECISÃO À REALIDADE

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, obrigar o governo Jair Bolsonaro a adotar medidas para proteger a população indígena durante a pandemia. Na verdade, o Executivo já deveria estar atuando nesse sentido (mesmo que não por iniciativa própria). Uma decisão liminar em favor da ação julgada ontem já está valendo desde o dia 8 de julho. Por coincidência, foi nessa data que o presidente retalhou um projeto de lei aprovado no Congresso com o objetivo de proteger não só indígenas, mas também quilombolas e outros povos tradicionais na crise sanitária. A caneta de Bolsonaro riscou, por exemplo, a obrigação de fornecer água potável a esses territórios. O PL, que se tornou o mais vetado da história brasileira, previa a execução de um plano emergencial com várias ações, como testagem e controle do acesso às terras indígenas.

Por isso, a decisão do Supremo está sendo considerada outra derrota para o governo, obrigado a cumprir um papel constitucional que recusa.  Entre as ações impostas, está a elaboração de um plano de enfrentamento à pandemia voltado para os povos indígenas, a criação de uma sala de situação para monitorar mortes e casos, a instalação de barreiras sanitárias para proteger aldeias em isolamento e o desenho de outro plano, desta vez para retirar ocupantes ilegais de áreas protegidas. 

Esse último ponto causou divisão entre os ministros do STF. A ação movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em conjunto com partidos políticos pedia a retirada de invasores de sete terras. No território Yanomami, por exemplo, a situação chegou ao limite, e há cerca de 20 mil invasores atraídos pelo garimpo ilegal. Até ontem, já havia 227 casos de indígenas infectados por lá. Edson Fachin defendeu que a retirada deveria ser imediata, dado o risco de contaminação pelo vírus. O restante votou com o relator da ação, Luís Roberto Barroso, entendendo que a União precisa planejar a desintrusão para depois executá-la. 

É de se duvidar que o plano saia do papel num contexto em que o órgão federal criado para proteger os indígenas prioriza o licenciamento de uma linha de energia ao invés da proteção de índios isolados. O repórter André Borges revela que o presidente da Funai enviou uma carta aos indígenas Waimiri Atroari, de Roraima, em que argumenta que “não dá para esperar o fim da pandemia” para enviar tradutores ao local. Esse trabalho é necessário para que a ligação entre o estado e o sistema de transmissão de energia nacional seja feita – “e o presidente Jair Bolsonaro cobra a liberação desde que entrou no Palácio do Planalto”, ressalta a matéria. Os indígenas tiveram de responder o óbvio a Marcelo Xavier: “Não vemos novas alternativas eficientes que impeçam essa doença de chegar à terra indígena senão o isolamento social e respeito à quarentena”.

Xavier completou um ano de Funai. Sua atuação segue o script bolsonarista de colocar em postos-chave pessoas que atuam contra a missão dos órgãos que comandam: “Nos 365 dias em que esteve à frente da Funai, ele seguiu à risca a promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro de não demarcar ‘nenhum centímetro’ de terra indígena e não deu sequência a nenhum processo de homologação de terras indígenas. Mais: o órgão vem desistindo de processos de demarcações em disputa na Justiça, mesmo quando há decisão favorável aos indígenas em instâncias anteriores”, resume o site De Olho nos Ruralistas, que desencavou uma história e tanto.

Em 2014, Xavier foi afastado da coordenação das ações de desintrusão da terra indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso, depois que interceptações telefônicas mostraram que ele colaborava com os invasores. Mais tarde, Xavier atuaria como consultor dos ruralistas na escandalosa CPI da Funai e do Incra aberta no Congresso para criminalizar indigenistas.

FORÇA AO GARIMPO

Ontem, o ministro do Meio Ambiente se reuniu com garimpeiros clandestinos (dentre eles indígenas), e defendeu a atividade ilegal, que vem sendo combatida nas últimas semanas pelo Ibama no oeste do Pará. “É importante que a gente faça esse debate de maneira aberta. Parem de fazer de conta de que os indígenas não querem garimpar ou produzir lavoura, ou que não querem fazer atividades ligadas ao setor madeireiro florestal como se isso fosse verdade absoluta”, disse Ricardo Salles.  

Após a reunião com o ministro, os garimpeiros se sentiram fortalecidos a ponto de invadir uma pista do aeroporto de Jacareacanga e impedir a decolagem de uma aeronave da FAB que estava no local para auxiliar uma operação do Ibama na terra indígena Munduruku. 

ENQUANTO ISSO…

O Pantanal enfrenta o pior ciclo de queimadas desde 1998. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados 1.684 queimadas em julho – um salto impressionante na comparação com o mesmo período no ano passado, quando houve 494 focos de incêndio. Apesar de especialistas apontarem que praticamente todo o fogo teve origem humana, o que faz a situação ficar difícil de controlar é uma seca histórica. Para se ter uma ideia, o rio Paraguai, principal corpo hídrico do bioma, atingiu o menor nível em quase cinco décadas. 

“E o receio é que isso seja um ‘novo normal’, como consequência das mudanças acumuladas causadas pelo homem, que alteram o ciclo de chuvas, seca e das inundações naturais do Pantanal“, alerta Marcos Rosa, em entrevista à BBC. Ele é o coordenador técnico do MapBiomas, iniciativa que monitora a situação dos biomas brasileiros.

Outra reportagem, desta vez do El País, explica que a falta de chuvas que castiga o Pantanal tem provavelmente relação com a devastação da Amazônia. Isso porque a umidade da maior floresta tropical do mundo abastece outras regiões do país, através do fenômeno conhecido como “rios voadores”. “Quando há uma estação mais seca na floresta ou um aumento do desmatamento ocorre desequilíbrio desses rios voadores e de todo o sistema hidrológico envolvido”, constata Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

DEPOIS DAS EXPLOSÕES

A tragédia em Beirute, que matou ao menos 130 pessoas e feriu cinco mil, deixou também cerca de 300 mil desabrigados. Segundo o governador Marwan Abboud, mais de metade da cidade foi destruída. Os hospitais da capital – que já vinham recebendo mais pessoas devido ao aumento nos casos de covid-19 nas últimas semanas – estão saturados.

As consequências diretas para a saúde da população não se encerraram com a megaexplosão. A fumaça gerada, que ainda não se dissipou totalmente, tem altos níveis de óxidos de nitrogênio, que podem gerar ou agravar problemas respiratórios. E tem também a poeira das construções que desabaram, muitas vezes cheia de amianto, chumbo, fibra de vidro e mercúrio. A matéria da BBC lembra que, após o atentado às Torres Gêmeas em Nova Iorque, esse mesmo tipo de nuvem de poeira causou doenças e até mortes. Com se não bastasse isso, os óxidos de nitrogênio podem provocar chuva ácida, contaminando cursos d’água e afetando solo, plantas e animais.

O nitrato de amônio, principal suspeito das explosões, é matéria-prima de um adubo químico usado na agricultura brasileira há pelo menos cinco décadas. O Brasil produz 500 mil toneladas do produto por ano, e, segundo o G1, importa um volume ainda maior: no ano passado, comprou 1,2 milhão de toneladas. 

A substância já foi responsável por uma série de outros acidentes ou atentados, lembrados em outra reportagem da BBC. Um dos primeiros aconteceu há quase cem anos, em 1921, em uma fábrica da Basf na Alemanha. Na época, morreram 561 pessoas. E o mais recente aconteceu no Brasil: foi em 2017, em um armazém da Vale Fertilizantes, subsidiária da Vale, em Cubatão (SP). Houve um longo incêndio, mas a estrutura foi evacuada e ninguém se feriu.

PIADA PRONTA

O vídeo em que o prefeito de Itajaí (SC) defende a aplicação de ozônio pelo ânus para pacientes com covid-19 poderia ter se tornado apenas meme – e, talvez, queimado a reputação de Volnei Morastoni (MDB) junto de seus eleitores. 

Mas a história é outra. O Estadão mostrou que, horas antes de a gravação ir ao ar, o ministro interino da Saúde havia recebido um grupo de defensores da prática, liderado pela médica Maria Emília Gadelha Serra. O encontro foi largamente documentado nas redes sociais pelos seus participantes – entre eles, o deputado Giovani Cherini (PL-RS), segundo o qual já há hospitais do Rio Grande do Sul oferecendo a ozonioterapia como “tratamento” contra o vírus.

O detalhe é que uma resolução do Conselho Federal de Medicina proibe a categoria de prescrever esse tratamento em consultórios e hospitais, a não ser experimentalmente, com ensaios clínicos validados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Morastoni afirmou ter inscrito a cidade na Conep para integrar um protocolo de pesquisa sobre o ozônio, mas não há outras informações sobre isso. O Ministério Público de Santa Catarina encaminhou, ainda na terça, uma recomendação para que o prefeito não disponibilize ozônio no tratamento do coronavírus.

Aliás, Itajaí é aquela cidade que, na pandemia, ganhou algumas manchetes depois de gastar R$ 4,4 milhões para distribuir ivermectina à população.

QUEM VOLTA, QUEM FICA

O deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) se reuniu com o general Pazuello na segunda-feira. Famoso por seu negacionismo científico, Terra debateu a pandemia “e o SUS” com o ministro interino.

“Pazuello está entusiasmado”, alardeou, por sua vez, Darcisio Perondi – que esteve no encontro, é suplente de Terra na Câmara e retorna ao Ministério da Saúde depois de um pedido de reversão da aposentadoria. Ele jura que essa movimentação não foi combinada com o governo, e que pode até voltar a dar consultas como pediatra, já que seu cargo é de médico. Por aqui, apostamos que Perondi deve assumir alguma função administrativa. Ele foi, durante muito tempo, presidente da Frente Parlamentar da Saúde no Congresso, e sempre atuou em defesa dos interesses das Santas Casas. Chegou a ser vice-presidente da entidade que representa essas instituições. 

A reunião entre Terra e Pazuello lança mais dúvidas sobre o futuro da pasta, já que não é segredo para ninguém que o deputado almeja a vaga de ministro. Por seu turno, “o entusiasmado” Pazuello parece ter concordado em ir para a reserva caso seja confirmado como titular. A informação é de Guilherme Amado, que pontua, no entanto, que o governo pende para a substituição do general.

ALMA AUTORITÁRIA

Em um furo espetacular, a repórter Monica Gugliano conta com riqueza de detalhes como Jair Bolsonaro decidiu mandar tropas ao Supremo e intervir em outro poder da República. A decisão não se concretizou, como sabemos. Mas a apuração ilustra bem os riscos que a democracia brasileira corre nesse governo.

Os fatos se desenrolaram no dia 22 de maio, quando o presidente foi informado que o ministro Celso de Mello havia consultado a PGR sobre se deveria determinar ou não a apreensão do celular de Bolsonaro. A consulta, que se deu em resposta a uma notícia-crime movida por partidos e já foi exaustivamente caracterizada como corriqueira por analistas, foi recebida como um ataque pelo presidente. 

“Bolsonaro queria mandar tropas para o Supremo porque os magistrados, na sua opinião, estavam passando dos limites em suas decisões e achincalhando sua autoridade. Na sua cabeça, ao chegar no STF, os militares destituiriam os atuais onze ministros. Os substitutos, militares ou civis, seriam então nomeados por ele e ficariam no cargo ‘até que aquilo esteja em ordem’, segundo as palavras do presidente. No tumulto da reunião, não ficou claro como as tropas seriam empregadas, nem se, nos planos de Bolsonaro, os ministros destituídos do STF voltariam a seus cargos quando ‘aquilo’ estivesse ‘em ordem’. A essa altura, ele já tinha decidido também que não entregaria seu celular sob hipótese alguma, mesmo que tivesse que descumprir uma ordem judicial”, revela a reportagem publicada no site da Piauí, que ouviu duas fontes que testemunharam a reunião.

Pior: Luiz Eduardo Ramos que naquele momento era general da ativa do Exército, transferido para a função de ministro da Secretaria de Governo, concordou com o golpismo do presidente. Coube aos generais da reserva Braga Netto (Casa Civil) e Augusto Heleno (Assuntos Estratégicos) colocar que haveria consequências. Os ministros palacianos se uniram aos titulares de órgãos como AGU e Ministério da Justiça para buscar uma saída ‘constitucional’ para a intervenção – que se daria a partir da interpretação de Ives Gandra Martins do artigo 142. Segundo essa leitura que o bolsonarismo quer emplacar há tempos, as Forças Armadas teriam “poder moderador” de intervir caso um poder se sinta “atropelado por outro”.

A reportagem conta que o ímpeto golpista só se acalmou depois que Augusto Heleno acenou com a divulgação daquela fatídica ‘nota à nação brasileira’ em que, na prática, ameaça o STF caso o ministro decidisse apreender o celular de Bolsonaro: “O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional.” Na tarde daquele dia, o mesmo Celso de Mello autorizou a divulgação do vídeo da reunião ministerial em que Bolsonaro insta os integrantes do seu governo a desregulamentar normas e armar o povo.

IMPEACHMENTS

Se o processo de afastamento de Jair Bolsonaro não vem porque o presidente da Câmara não vê motivos para isso, nos estados os impeachments abertos depois da pandemia estão fazendo água. O governador de Santa Catarina Carlos Moisés (PSL) foi beneficiado ontem com uma liminar do TJ daquele estado que suspende a tramitação do impeachment. O desembargador Luiz Cézar Medeiros argumentou que o processo tinha “fortes indícios de ilegalidade” por suprimir fases referentes à ampla defesa do governador. A estratégia de apelar ao Judiciário também fez Wilson Witzel (PSC) ganhar tempo, depois que o ministro Dias Toffoli decidiu que a Assembleia do Rio precisaria formar uma nova comissão especial para analisar o afastamento.

Na semana passada, Wilson Lima (PSC) obteve uma vitória no campo político ao virar o jogo na Assembleia Legislativa do Amazonas, que aprovou o relatório do deputado Doutor Gomes, também do PSC, que prevê o arquivamento do processo. Mas a decisão definitiva cabe ao plenário da Casa, que vota hoje

E ontem a Câmara de Porto Alegre aprovou a abertura do impeachment de Nelson Machezan (PSDB). O processo se baseia em uma decisão do prefeito de retirar R$ 3,1 milhões do Fundo Municipal da Saúde para aplicar em ações de publicidade.

O ESTUDO CONTINUA

A Universidade Federal de Pelotas anunciou ontem que o inquérito sorológico nacional Epicovid  será retomado. Mas o Ministério da Saúde não tem nada a ver com isso. O financiamento de R$ 11,5 milhões vem de um fundo criado pelo Itaú Unibanco para apoiar o enfrentamento da pandemia no Brasil. Foram contratadas mais três rodadas do estudo parado desde julho graças ao desinteresse do governo federal em acompanhar a situação epidemiológica do país.

Pelos dadoscompilados pela imprensa junto às secretarias estaduais de saúde, atingimos ontem 2.862.761 infecções 97.418 óbitos. As cifras continuam caudalosas: entre terça e quarta-feira, foram registradas mais de 1,3 mil mortes e 54 mil casos.

REINFECÇÃO?

Pesquisadores da USP identificaram um possível caso de reinfecção pelo novo coronavírus em uma paciente de Ribeirão Preto. Uma técnica de enfermagem teve diagnóstico confirmado em maio por um teste RT-PCR. Em menos de duas semanas os sintomas desapareceram e ela voltou a trabalhar. Mas, 38 dias depois, manifestou sinais da doença novamente e um novo PCR deu resultado positivo. Segundo os autores, “a constatação traz implicações clínicas e epidemiológicas que precisam ser analisadas com cuidado pelas autoridades em saúde”. O caso foi descrito em um estudo divulgado pelo G1, mas até o envio desta newsletter, não localizamos o artigo original. 

Também em São Paulo, a secretária de Saúde de Santa Bárbara d’Oeste diz ter se infectado duas vezes. Lucimeire Rocha afirma ter tido sintomas leves em maio, quando um primeiro teste teve resultado positivo. Ela voltou a se sentir mal em julho, testou positivo novamente e chegou a ser internada. 

Não são os primeiros casos de supostas reinfecções. Já mencionamos aqui outros relatos semelhantes (na Coreia do Sul e nos Estados Unidos), e ainda não se sabe muito bem o que eles significam. Há alguns meses, a OMS afirmou que não se trata de casos ativos, mas que os testes reagiam com células mortas que emergiam da cicatrização dos pulmões. A presença de sintomas, porém, dificulta a interpretação.

É possível, por exemplo, que as supostas novas infecções sejam na verdade uma gripe comum: “O RNA viral – o material genético detectado pelos testes de diagnóstico – pode permanecer no organismo por um longo tempo, e as pessoas podem ter resultados positivos por meses depois de terem eliminado o vírus real. Se alguém pegar uma gripe e procurar o médico, poderá fazer o teste do coronavírus, obter um resultado positivo e isso pode ser tomado erroneamente como um caso de reinfecção“, explica a reportagem do site The Atlantic. A única forma de determinar se houve de fato uma reinfecção seria sequenciar os genes do vírus. 

A propósito: a matéria que contém essa discussão é provavelmente a mais completa que já encontramos sobre o sistema imunológico e os estudos que tratam de imunidade e covid-19. Vale muito a pena ler, guardar e eventualmente consultar: embora o repórter Ed Yong repita um monte de vezes que “o sistema imunológico é muito complicado”, o texto tenta – com bastante sucesso – dar explicações acessíveis.

A CAMINHO

Deve sair hoje uma medida provisória que prevê a liberação de quase R$ 2 bilhões para viabilizar a produção da vacina contra covid-19 pela Fiocruz. Como sabemos, trata-se do imunizante desenvolvido pela Univesidade de Oxford licenciado à farmacêutica AstraZeneca.

O secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, disse ontem que o governo tem interesse em adquirir “a primeira vacina que chegar ao mercado“. Interesse, sempre pode haver, mas a movimentação internacional tem demonstrado que a corrida será acirrada. 

MÉXICO ENTRE OS PIORES

O número total de mortos pelo novo coronavírus passou de 700 mil ontem. O crescimento recente foi puxado por Estados Unidos, Brasil e Índia, como tempos visto por aqui, mas também pelo México, que esta semana chegou ao terceiro lugar em número de mortes (são quase quase 50 mil). Em relação aos casos, o país vem em sexto, com 456 mil infecções.

A chegada ao topo dos rankings não surpreende, e talvez só tenha custado a acontecer porque sua população de 126 milhões de habitantes é muito menor do que a brasileira, estadunidense ou indiana. Os elementos que levariam o país a um resultado trágico estavam presentes desde o começo da pandemia, como dissemos aqui: o presidente López-Obrador passou muito tempo minimizando a covid-19, gerando aglomerações, incentivando beijos e abraços e pedindo que as pessoas continuassem nas ruas.

Ao contrário do que aconteceu no Brasil, no fim de março o presidente mexicano mudou súbita e radicalmente sua postura em relação à pandemia, recomendando distanciamento social e preocupação. Mas tudo indica que já era tarde: pesquisas e a experiência internacional têm demonstrado o quanto é mais fácil controlar o vírus quando há poucos casos. O podcast O Assunto de hoje trata do caso mexicano, e a epidemiologista Fátima Marinho, ex-coordenadora na Opas (Organização Pan Americana da Saúde) conta como o processo de fechamento e reaberturas por lá foi sem sentido. E parecido com o brasileiro, diga-se: fechamentos sem criação de estratégia de rastreamento de contatos, seguidos por reaberturas com as curvas de contágio subindo. 

Para ela, porém, o país da América Latina com a situação mais preocupante hoje é o Peru: “E o Peru como um todo. O Peru tem uma taxa de mortalidade que é o dobro da do Brasil. Tem falta de oxigênio: a população tem que ir no mercado comprar oxigênio para tratar o seu familiar que está internado”, exemplifica. Ela avalia ainda que o vírus ainda deve se expandir muito pela Bolívia (via Peru e Brasil) e pela América Central.

DE VOLTA

Na França e na Espanha, os números diários de novos casos subiram a níveis que não eram vistos há semanas. Na França foram 1.695 registros ontem, algo que não acontecia desde o fim de abril. Na Espanha foram 1.772, maior número de infecções desde a reabertura nacional, em junho.

Na Alemanha, quem chega de viagem a partir de um país listado como área de risco faz um teste e, em caso positivo, é obrigado a se auto-isolar em casa ou em alojamentos adequados. O país tem uma alta capacidade de testagem (pode fazer 1,2 milhão de diagnósticos por semana) e controlou bem sua primeira onda, mas agora o número de infecções está crescendo a níveis já considerados alarmantes, beirando os mil diários. E cerca de 10% das novas infecções vêm de pessoas que retornam de férias no exterior. Uma longa reportagem do Der Spiegel analisa o que está acontecendo por lá.

“Os alemães neste verão estão novamente desfrutando das liberdades que abandonaram temporariamente durante o confinamento da primavera e estão indo a festas, visitando amigos e saindo em bares. É difícil imaginar que uma nova imposição de limitações seria tão prontamente aceita quanto durante o primeiro bloqueio”, diz o texto. Uma das dificuldades é o rastreamento de contatos. Um aplicativo de celular tem essa finalidade, mas “espera-se muito dos usuários”, que precisam “fazer o download voluntariamente, devem verificar todos os dias e, caso sejam infectados, devem informar o resultado positivo do teste no aplicativo, o que não é muito fácil”. 

E na Austrália, que durante meses foi vista como um caso de sucesso, o alerta foi ligado. Na semana passada, as autoridades anunciaram um recorde de 747 novas infecções, quase todas no estado de Victoria, onde fica a cidade de Melbourne. Ontem houve mais 725 novos registros só em Victoria, apesar de um bloqueio ter sido estabelecido em Melbourne. Para comparação: durante a primeira onda, o maior número de novas infecções registradas em um único dia no país tinha sido 469.

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