Velhos políticos vencem em Itaituba, São Félix do Xingu e Novo Progresso, no Arco do Desmatamento; ao longo das últimas semanas mostramos o histórico de alguns deles, que vai da exploração de trabalho escravo até envolvimento com o tráfico
Por Luís Indriunas, em De Olho nos Ruralistas
Os resultados do primeiro turno mostram que a fronteira agrícola continuará a avançar, no Pará, de mãos dadas com os políticos. Apenas entre os candidatos que declararam à Justiça serem donos de rebanhos, dezessete novos prefeitos paraenses têm 18 mil cabeças de gado, somando R$ 27 milhões. São mais de mil animais por prefeito pecuaristas — mais de mil vezes a média nacional, portanto.
O número pode ser ainda maior se forem computados os que declararam as terras, mas não os bois. A reportagem sobre políticos pecuaristas abriu a série “O Voto que Devasta”, no dia 28 de outubro: “Mil candidatos a prefeito declaram 308 mil cabeças de gado“.
Entre os eleitos está o candidato com mais bois do País, João Cleber (MDB), de São Félix do Xingu, município com o maior rebanho do País (2,3 milhões de cabeças de gado). O novo prefeito tem 11.855 cabeças, somando R$ 9.458.128, e uma fortuna acumulada de R$ 15.233.128. Ele foi um dos personagens da cobertura eleitoral do observatório: “Candidatos com multas e lista de acusações avançam na capital da pecuária, no Pará“.
ACUSADO DE DESVIOS, JOÃO CLEBER VOLTA A GOVERNAR SÃO FÉLIX
João Cleber de Souza Torres volta ao poder municipal com 34,39% dos votos contra a segunda colocada a atual prefeita e também pecuarista Minervina de Barros Silva (PSD).
A administração anterior de João Cleber lhe rendeu a condenação por desvios de recursos públicos junto com o ex-secretário de Finanças, Evani Geraldo de Oliveira e outros servidores. Pela acusação, ele foi preso em abril de 2018 na Operação Tetrarca, da Polícia Civil do Pará. Segundo as investigações da polícia, eles partilhavam o montante de recursos desviados do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), taxa paga às prefeituras quando há mudança de titularidade de um imóvel.
Libertado 31 dias depois, após recurso impetrado em Belém por seus advogados, João Cleber se disse vítima de perseguição política.
Em 2016, ele foi detido por participar de um grande esquema de fraude e desvio de mais de R$ 200 milhões de recursos públicos envolvendo a família do ex-governador do Tocantins, Marcelo Miranda. Chamada de Operação Reis do Gado, a investigação da Polícia Federal iniciou com o testemunho de Alexandre Fleury, utilizado como laranja pela família Miranda.
A lista de acusações contra João Cleber não para por aí. Em 2003, um relatório do Ministério Público Federal (MPF) o apontava como principal mandante da morte de sete trabalhadores rurais e um comerciante na Vila Taboca, em São Félix do Xingu. Em 2014, esteve na lista suja de trabalho escravo, pelas péssimas condições dadas aos trabalhadores da fazenda Bom Jardim. No mesmo ano, veio a primeiro multa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), de R$ 6.635.000.
CLIMACO, CAMPEÃO DE ACUSAÇÕES, SE REELEGE EM ITAITUBA
Valmir Climaco, um político com um histórico de acusações de grilagem, omissão de socorro, desmatamento e envolvimento com o tráfico, vai continuar governando o município de Itaituba. No seu atual plano de governo, o prefeito prevê investimentos para ampliação da produção de grãos na região. Ele também foi um dos personagens da série O Voto que Devasta: “Acusado de grilagem, desmatamento e tráfico, prefeito é retransmissor da Globo em Itaituba (PA)“.
Nessa eleição, Climaco recebeu 77,42% dos votos válidos. O candidato do MDB tentou se eleger três vezes antes de se tornar prefeito de Itaituba, em 2017, com 50% dos votos. Com um histórico de crimes ambientais, o pecuarista, que não declarou à Justiça Eleitoral o tamanho do seu rebanho, aproveitou-se do poder municipal para autorizar a construção de uma ponte dentro da Flona Jamanxim. A reserva foi o pivô do Dia do Fogo, operação articulada de fazendeiros locais para queimadas simultâneas de áreas de preservação, em agosto de 2019.
Climaco foi eleito com uma coligação de nove partidos, do PT ao DEM. Essa política de estar bem com todos fica clara em uma das atividades do prefeito. Ele tem participação na TV Liberal, retransmissora local da Rede Globo. Assim, apesar de apoiador histórico de Jader Barbalho (MDB) e seu filho Helder (MDB), Climaco consegue apoio de outros grupos como a família Maiorana, dona da TV Liberal e velha aliada do PSDB estadual, oposição ao grupo de Jader.
O prefeito de Itaituba foi um dos 51 candidatos a prefeito desta eleição que possuem emissoras rádio e TVs, conforme levantamento do De Olho nos Ruralistas.
SUSPEITO DE ARTICULAR DIA DO FOGO SE ELEGE EM NOVO PROGRESSO
Invasor e defensor das invasões à Floresta Nacional do Jamanxim, O atual vice-prefeito de Novo Progresso, Gelson Luiz Dilli (MDB) derrotou seu ex-aliado, o atual prefeito Ubiraci Soares Silva (PL), o Macarrão, por 42,98% contra 28,29%, e será o novo administrador do município.
O paranaense Gelson Dill tem o décimo maior rebanho declarado entre os prefeitos dessa eleição, com 2.473 cabeças de gado, no valor de R$ 1,9 milhão. Durante os quatro anos como vice-prefeito, o pecuarista teve oportunidade de dobrar sua fortuna. Em 2016, tinha R$ 1.581.642,37 em bens. Hoje são R$ 2.921.681,67.
Em 2009, Gelson foi multado em R$ 288 mil por destruir 23,93 hectares da Floresta Nacional do Jamanxim. No ano passado, nova multa e maior. Os fiscais registraram a retirada de 174,5 hectares de mata nativa e atuaram Gelson em R$ 4 milhões. Em agosto de 2020, voltou a ser multado, dessa vez em R$ 2,1 milhões.
As maiores multas do Ibama por crime contra a flora nos últimos 25 anos podem ser vistas em mapa produzido pelo observatório para a série De Olho nos Desmatadores, publicada no início do ano.
Gelson é vice-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso. Junto com o presidente da organização, Agamenon da Silva Menezes, é apontado pelas investigações como um dos articuladores do Dia do Fogo. O nome de Gelson aparece nas mensagens trocadas por WhatsApp no dia em que fazendeiros de São Félix do Xingu, Altamira, Itaituba e Novo Progresso (municípios do Arco do Desmatamento) articularam a ação que orquestrou mais de 400 focos de incêndio dentro e nos arredores da Flona Jamanxim.
TUCUMÃ REELEGE PECUARISTA COM R$ 2,5 MI EM MULTAS E HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA
Numa disputa com outros sete candidatos, o pecuarista e médico Celso Lopes, do PSDB, voltará a governar Tucumã. Na eleição de domingo, ele obteve 29,97% dos votos. Em 2010, ele foi multado em R$ 2.544.000 pelo Ibama por desmatamento na vizinha São Félix do Xingu. Além das agressões ao ambiente, Celso Lopes é notório pela violência contra adversários políticos. Em 2003, ele cumpriu pena sob a acusação de ter mandado matar, em 2003, o vereador Adão Lote (PSB), assassinado por dois pistoleiros, quando tomava banho em casa.
Entre os nove candidatos a prefeito desta eleição que estão na lista suja do trabalho escravo, os três representantes do Pará não se elegeram. O madeireiro exportador Sidney Rosa (MDB) não conseguiu voltar a governar em Paragominas. Com 46,27% dos votos, perdeu para Doutor Lucídio (PSD) que teve 49,24%.
Sidney, que foi condenado pelas más condições de trabalho para 41 pessoas libertadas, havia governado duas vezes o município, ocasiões em que Paragominas despontava entre os mais devastados da região. Ele também foi secretário de Desenvolvimento Econômico e Incentivo à Produção no governo do tucano Simão Jatene e deputado estadual. Nesta eleição, mudou-se para o MDB de Helder Barbalho.
O prefeito de Abel Figueiredo, Hidelfonso de Abreu Araújo (PP), acusado duas vezes de manter trabalhadores em condições análogas à escravidão, perdeu a eleição com 49,12% para Antônio Calhau (PL), que teve 50,88% dos votos, uma diferença de 81 votos. Também esteve na lista suja o fazendeiro Val Bispo (PL), de Novo Repartimento, que obteve 31,47% dos votos e perdeu para Valdie Lemes (PSD), que teve 32,88%.
MDB DE BARBALHO AMPLIA PODER NO ESTADO, MAS PERDE EM BELÉM
Além do governo estadual, os prefeitos diretamente alinhados ao governador Helder Barbalho (MDB) vão governar 36,84% da população paraense. O número de prefeitos do mesmo partido do senador Jader Barbalho passou de 41 para 58 prefeitos, entre os 144 municípios. do estado. Os vereadores emedebistas passaram de 204, em 2106, para 359, neste ano.
O PSDB, principal grupo político de oposição ao governador, ficou com apenas 13 municípios, que somam 6,99% da população do Estado.
m Belém, calcanhar de aquiles da família Barbalho, novamente o primo de Helder, José Priante, perdeu, com 17% dos votos. A capital paraense vai ter uma disputa no segundo turno entre uma aliança de esquerda e um dos líderes bolsonaristas locais.
O deputado federal Edmilson Rodrigues (PSOL), numa coligação que inclui PT, PDT, Rede, UP e PCdoB, teve 34,22% no primeiro turno, enquanto o delegado federal Everaldo Eguchi (Patriotas) obteve 23,06%.
Nas questões ambientais, os dois estão em lados opostos. Enquanto Edmilson Rodrigues é um dos assinantes do compromisso pela agroecologia. O delegado, que já tentou se eleger deputado federal pelo PSL, foi cotado pelo governo de Jair Bolsonaro para assumir a presidência do Ibama no Pará, mas foi descartado após um áudio prometendo a produtores rurais que o órgão não iria atrapalhar atividades de desmatamento.
–
Foto principal (YouTube/Reprodução): Moradores de Itaituba (PA) pressionam candidatos por asfalto durante campanha