Os negros e a chibata. Por Elaine Tavares

No Palavras Insurgentes

Não, não vi o vídeo. Apenas a imagem se repete na minha linha da vida o tempo todo. O homem negro sendo espancado por dois seguranças, enquanto aparentemente uma mulher incentiva. Hoje é o Dia da Consciência Negra e a situação se reveste de especial perversão. É assim aqui, nos Estados Unidos, na Europa, em qualquer lugar. Ser negro é ser alvo. Aqui em Joinville uma mulher, eleita vereadora, também teve a vida ameaçada, porque cometeu a ousadia de ser petista e negra.  

Negro não pode falar alto em nenhum lugar. Porque matam. Negro não pode andar na rua de noite. Porque matam. Negro não pode ter carro bom. Porque matam. Negro não pode olhar feio pra ninguém. Porque matam. Negro não pode se arvorar a ser político. Porque matam. Negro tem que ficar no seu lugar. E que lugar é esse? O da sombra. Negro tem de olhar baixo, tem de ser silencioso, servil. Negro não pode ostentar, nem dar risada alto. Tampouco pode estar na rua depois da meia-noite, nem andar de boné ou de capuz. Negra tem de se comportar, não pode circular em loja chique. Negra tem de se contentar com emprego ruim e aceitar. Essa é nossa sociedade, que é nascida da violência, do estupro e do tráfico negreiro.

Hoje, temos na presidência uma criatura abjeta que cristaliza essas práticas, que incita a violência, o estupro, o racismo. Então, os desgraçados acreditam que não tem a menor importância matar, socar, violentar. Fazem tudo à luz do dia, diante das câmeras e postam nos seus perfis. Está tudo permitido. Fazem isso com os negros pobres em maior medida, mas, não se enganem, ninguém está salvo, nem o otário que hoje dirige a Fundação Palmares. Nem ele. Porque ser negro é ser alvo. Essa é uma verdade que ninguém pode negar. Como ultrapassar essa cerca, de ser uma sociedade que mata negros? Como superar essa chaga aberta? Reforma e Revolução. Atuar agora, na luta pela redução de danos, mas também pavimentar o caminho da revolução. Porque é preciso viver agora. É preciso existir sem medo agora. É preciso poder brincar na rua agora, ser vereadora agora, circular nos lugares agora.  

Mas, ainda também é hora de fazer os desgraçados largarem a chibata, como um dia os marinheiros liderados por João Cândido fizeram ao ocuparem o encouraçado Minas Gerais, no Rio de Janeiro. “Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira… Vossa Excelência tem o prazo de 12 horas para mandar-nos uma resposta satisfatória…” Assim falava já como almirante, o marinheiro comandante da revolta acontecida em 1910, João Cândido, com os canhões apontados para o palácio, no que ficou conhecido como a Revolta da Chibata. Vários navios aderiram. Os negros em luta enquanto na praia, o povo acompanhava, maravilhado, o balé dos navios amotinados. Os negros, armados, definindo sua história e a dos que viriam depois. João, que era um homem viajado, sabia da história do Encouraçado Potenkin, quando os marinheiros russos deram início ao que depois virou a revolução. Ele sabia que era preciso atacar e atacou. Foi vitorioso.  

É fato que depois da revolta o governo matou muitos dos amotinados, prendeu, demitiu, todo o kit básico da resposta do poder. Mas, a chibata nunca mais voltou. É assim que se avança.  

No Brasil, segue sendo necessária a revolta da chibata. Outra vez, outra vez e outra vez. Até que um negro e uma negra possam simplesmente ser em qualquer lugar do país.  

Viva o Dia da Consciência Negra. Uma consciência de revolução! Viva Zumbi, Dandara, Tereza de Benguela, João Cândido, João Gama, Maria Firmina, Carolina de Jesus, e tantos outros.  

Estamos juntos, agora e amanhã.

Foto: João Cândido. Revolta da Chibata.

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