Povos indígenas do Maranhão criticam exclusão arbitrária de indígenas que estão fora de terras demarcadas do plano oficial de vacinação
Em carta aberta, seis povos indígenas do Maranhão criticaram duramente os governos federal e estadual pela exclusão de parte significativa da população indígena do grupo prioritário para a vacinação contra a covid-19. O Plano de Vacinação, divulgado em dezembro de 2020 pelo Ministério da Saúde, inclui entre as prioridades para a vacinação apenas os indígenas definidos pelo governo federal como “aldeados” – termo que remete à perspectiva integracionista, vigente na Ditadura Militar, e que previa a “integração” dos indígenas à sociedade envolvente.
O plano apresentado pelo governo federal cita o número de 410.348 indígenas entre os incluídos no grupo prioritário para a imunização. Uma década atrás, entretanto, o Censo de 2010 realizado pelo IBGE já indicava a existência de 896 mil indígenas no país, o que evidencia a exclusão de mais da metade da população indígena.
“O plano deixou de fora os indígenas que vivem nos centros urbanos, os quais, segundo dados do Censo do IBGE de 2010, são cerca de 46% da população indígena no Brasil” ”, afirma a carta.
A carta assinada pelos povos Tremembé, Akroá Gamella, Anapuru Muypurá, Kariri e Tupinambá destaca que a exclusão de povos indígenas do acesso à política de saúde pública por não viverem em territórios demarcados afronta a Constituição Federal e marcos legais internacionais que garantem a proteção dos direitos das populações originárias.
“Os indígenas do Maranhão que estão (sobre)vivendo nos centros urbanos têm como um dos motivos para estarem nestes locais a expulsão dos seus territórios por invasores/colonizadores. Assim, com essa decisão do governo federal seguida pelo estadual somos duplamente violentados e penalizados pela omissão do governo federal que tem o dever constitucional de demarcar as terras indígenas”, afirma o documento.
Leia abaixo a carta aberta na íntegra:
CARTA ABERTA CONTRA A EXCLUSÃO DE INDÍGENAS DO PLANO PRIORITÁRIO DE IMUNIZAÇÃO DA COVID-19
Nós, povos indígenas do estado do Maranhão, signatários desta Carta, vimos manifestar nosso forte repúdio e indignação contra o plano Nacional de Vacinação, bem como o plano estadual de vacinação do estado do Maranhão nos quais excluem indígenas em terra não demarcada e indígenas em contexto de cidades do plano prioritário de imunização da covid-19.
Em novembro de 2020, o governo federal apresentou ao Supremo Tribunal Federal, cumprimento ao determinado no âmbito da ADPF 709 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), um Plano de Enfrentamento da Covid-19 para Povos Indígenas, através do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O plano deixou de fora os indígenas que vivem nos centros urbanos, os quais, segundo dados do Censo do IBGE de 2010, são cerca de 46% da população indígena no Brasil.
Recentemente, ao reduzir a vacinação prioritária apenas ao que definiu arbitrariamente como “indígenas aldeados”, o governo federal e o governo estadual excluem grande parte da população indígena do acesso à saúde pública e, por conseguinte, dão continuidade ao processo de genocídio e extermínio dos povos indígenas.
Excluir povos indígenas do acesso à política de saúde pública por não viverem em territórios demarcados é uma afronta à Constituição Federal, e aos marcos legais internacionais. Vale destacar que os indígenas do Maranhão que estão (sobre)vivendo nos centros urbanos têm como um dos motivos para estarem nestes locais a expulsão dos seus territórios por invasores/colonizadores. Assim, com essa decisão do governo federal seguida pelo estadual somos duplamente violentados e penalizados pela omissão do governo federal que tem o dever constitucional de demarcar as Terras Indígenas, não sendo justificável a exclusão dos povos Tremembé, Anapuru Muypurá, Kariri, Akroá Gamella, Tupinambá e Warao, bem como aqueles que possuem seus territórios demarcados, mas vivem nas cidades. O fato de nós indígenas estarmos fora da aldeia não faz com que deixemos de ser indígenas.
É importante ressaltar que essa exclusão reitera todo o racismo e as dificuldades que os povos indígenas em terra não demarcadas e/ou em contexto de cidades enfrentam cotidianamente pela ausência de políticas públicas, agravada pela falta de assistência desde o início da pandemia da Covid-19. A exigência de que a terra precisa ser demarcada para o indígena ser vacinado explicita a urgente necessidade da demarcação das terras dos povos indígenas.
Desde a invasão da nossa mãe terra, sofremos pela retirada de nossos direitos, e a vacina é mais um dos nossos direitos que está sendo negado sob o argumento de não sermos aldeados em terras demarcadas.
O governo é quem decide quem deve viver e quem deve morrer? Nós povos indígenas estamos sendo sistematicamente exterminados pela política de invisibilização, negação e retirada de nossos direitos. Lamentamos muito que o governador Flávio Dino tenha seguido o mesmo plano genocida do governo federal e nos excluído do plano prioritário de vacinação.
Finalizamos apelando ao governador que, usando das prerrogativas reconhecidas pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 6341 ao reconhecer a competência concorrente de governadores e prefeitos na determinação de medidas sanitárias no combate a pandemia, bem como no exemplo de outros governadores, DETERMINE a inclusão de todos os indígenas de todos os povos no grupo prioritário a ser imunizado contra o Corona vírus, afinal nossos modos de vida e a forma como historicamente fomos tratados nos colocam entre os grupos humanos mais vulneráveis.
Maranhão, 25 de janeiro de 2021
Povos Indígenas:
Tremembé
Akroá Gamella
Anapuru Muypurá
Kariri
Tupinambá
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Mulheres Akroá-Gamella durante encontro da Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão. Foto: Ana Mendesencontr