Lockdown Nacional e Auxílio Emergencial Justo, já! Por Gilvander Moreira[1]

Feliz quem ouve os sinais dos tempos e dos lugares e se orienta bem no jeito de conviver e lutar pela construção de uma sociedade justa. Após um ano de pandemia do novo coronavírus, o que vemos no Brasil? O país com mais de 280 mil mortos pela covid-19, isso sem contar os casos de subnotificação (cerca de 20%), os 250 mil mortos de câncer por ano e milhares de outras mortes por outras causas agravadas pela pandemia. O número de mortos aumenta cotidianamente, já ultrapassando 2 mil mortos ao dia, e cresce de forma espantosa o número de pessoas na fila de espera por um leito hospitalar e por UTI[2]. Muitas destas pessoas morrem enquanto esperam as vagas, pois há colapso do sistema de saúde tanto público quanto privado na grande maioria dos 5.570 municípios brasileiros. O Governador do Piauí, Wellington Dias, coordenador da Frente de Governadores para o combate à pandemia, informou dia 12/03/2021 que já existem mais de 40 mil pessoas com covid-19 na fila de espera por UTI em todo o Brasil. Isso é aviso prévio de morte. O número de infectados cresce dia a dia. Novas cepas e variantes do coronavírus surgem e se mostram muito mais perigosas. De forma absurda, covarde e injusta, o governo decretou o fim, em 31 de dezembro de 2020, da política pública de auxílio emergencial aos milhões de famílias empobrecidas e em extrema miséria. Assim o governo não contribui com as famílias necessitadas e nem apoia as pequenas e médias empresas. O “ajuste fiscal” segundo os ditames do mercado capitalista idolatrado continua sendo o tabu que não pode ser questionado, dizem. Quem disse que deve ser “ajuste fiscal acima de tudo”? Não. Acima de tudo deve estar a vida com condições objetivas para viabilizá-la. Na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186, a da maldade, congelaram os salários de funcionários públicos e professores até 2036 em nome do famigerado “ajuste fiscal”, e o Congresso Nacional, sob direção do Centrão-direita, se faz cúmplice da proposta covarde do desgoverno federal de pagar apenas uma migalha de 250 reais de auxílio emergencial por apenas três meses. Isso é, de fato, uma decisão política para matar milhões de pessoas no Brasil e que demonstra que realmente está em curso política de morte (necropolítica) coordenada pelo desgoverno federal fascista e genocida, com a cumplicidade do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na Bíblia os bons pastores e boas pastoras, verdadeiros/as profetas e profetisas são saudados/as como mensageiros do Deus Javé, Deus da vida, solidário e libertador. Importante ressaltar que na Bíblia pastores, profetas e profetisas não dizem respeito apenas à dimensão religiosa da vida, mas se referem às lideranças de todas as áreas da vida social que têm alguma responsabilidade sobre a vida do povo: sacerdotes, reis, escribas (doutores), governantes (políticos), líderes da economia (saduceus) etc. Entretanto, são execrados os falsos profetas e os pastores que se apresentam em pele de ovelha, mas na prática agem como lobos ferozes. A ira santa divina não os tolera. Por isso, Jesus Cristo “chutou o pau da barraca” e expulsou os vendilhões que transformando o templo, lugar sagrado, em um mercado. O território brasileiro com todo o povo e os biomas é nosso lugar sagrado que está sendo profanado por políticos fascistas e genocidas.

No enfrentamento à pandemia temos que reconhecer que os/as cientistas, pesquisadores/as das áreas da saúde pública – epidemiologistas, infectologistas, sanitaristas, microbiologistas etc. – estão sendo na prática ótimos/as pastores/as, verdadeiros/as profetas e profetisas. Além de descobrir vacinas e demonstrar cientificamente os caminhos que podem nos levar à superação da pandemia, estão roucos de tanto tentar educar o povo e alertar as autoridades sobre quais políticas públicas devem ser implementadas.

Neste cenário e contexto, os/as melhores cientistas, professores/as e pesquisadores/as da área da saúde pública estão gritando e a Frente de Governadores já está exigindo do Governo Federal medidas mais efetivas no rumo de Lockdown Nacional por pelo menos 21 dias, como medida sanitária necessária para reduzir a transmissão do coronavírus e impedir a continuidade da aparição de outras cepas e variantes mais letais. De fato, não dá mais para tolerar o desgoverno federal continuar na postura negacionista e alimentando a disseminação do coronavírus e piorando dramaticamente a pandemia. Não basta Lockdown em vários estados e em muitos municípios. Tornou-se necessário um Lockdown Nacional, ou seja, paralisação das atividades no país, com o povo circulando o mínimo possível e colocando em prática todas as medidas de precaução – uso correto de máscara, higienização das mãos, distanciamento corporal e social -, deixando em funcionamento apenas as áreas de atividade essencial, entre as quais não deve estar exploração minerária, como injustamente decretou o desgoverno federal, subserviente aos interesses da mineradora Vale S/A. Apenas essa medida de lockdown em todos os estados e nos 5.570 municípios poderá reduzir a circulação do coronavírus, isso diante do cenário marcado pelo fato de que a maioria da população não será vacinada nos próximos meses, porque o desgoverno federal tramou para não comprar vacinas no momento oportuno que era o 2º semestre de 2020. Os países governados de forma justa, principalmente por mulheres, já fizeram Lockdown Nacional como medida necessária para abreviar a superação da pandemia.

Atenção! Para que uma política de Lockdown seja efetiva é preciso garantir as condições da maioria do povo ficar em casa. Maioria essa que hoje é submetida a jornadas de trabalho excessivas, que não têm vínculos trabalhistas, que é obrigada a se aglomerar no transporte coletivo lotado. E o presidente da República, ao invés de subestimar a Pandemia e as medidas de prevenção, deve ser o primeiro a defender que o povo fique em casa e siga os protocolos sanitários. Isso deve valer também para os governadores, prefeitos, agentes públicos como policiais, entre outros.

Importante lembrar que junto com o Lockdown Nacional se faz necessária a retomada de todas as políticas públicas do governo federal implementadas em 2020, entre as quais o auxílio emergencial justo e digno! Se R$600,00 já era pouco, R$250,00 por apenas três meses é inadmissível, pois é apenas maquiagem para esconder decisão política de matar milhões de fome, na miséria. O auxílio emergencial precisa garantir condições mínimas de alimentação e de pagamento das despesas de uma família. O apoio financeiro às pequenas e médias empresas também é necessário. E as grandes empresas precisam cumprir sua responsabilidade social e investir muitos recursos no tecido social para a superação da pandemia. A classe política ficar acendendo uma vela para a vida do povo e um holofote para a economia capitalista só piora a pandemia. “Ninguém pode servir a dois senhores. Não dá para servir a Deus e ao capital”, profetisa o Evangelho de Mateus (Mt 6,24). Ah! Torna-se necessário também o corte de 50% nos autos salários da classe política nos três poderes (judiciário, legislativo e executivo, em níveis municipal, estadual e federal) e nas empresas também. Os 50% dos autos salários no Brasil dão para garantir a alimentação de milhões de brasileiros até o fim da pandemia. No Brasil, já passou da hora de taxar grandes fortunas, como ocorre já em alguns países no mundo. É preciso também taxar de forma justa as heranças. Eis alíquotas de imposto sobre herança: França (60%), Japão (55%), Alemanha (50%), Inglaterra (40%) e Estados Unidos (40%). No Brasil, o imposto sobre herança tem alíquota média de apenas 3,86%. Após a morte da princesa Diana, 40% da riqueza dela passou para o erário público da inglês por causa da justa taxação sobre herança na Inglaterra.[3]

Portanto, apesar da gravíssima situação imposta pela pandemia do novo coronavírus, seus impactos podem ser minimizados com a adoção de políticas públicas justas que protejam a população como um todo, os empregos e as pessoas em situação de vulnerabilidade social. Recursos existem, é só aplicá-los de forma justa, ética e responsável. Vida em primeiro lugar!

Notas:

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG.

[2] Unidade de terapia intensiva.

[3] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

Charge: Latuff

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