“Pindó Poty é Guarani!”: Retomada Mbya Guarani, em Porto Alegre, obtém decisão favorável na Justiça

A liminar foi deferida pela 9ª Vara Federal de Porto Alegre, nesta quinta-feira, 6; os indígenas decidiram pela retomada e autodemarcação do território devido a demora do Poder Público

por Adi Spezia , em Cimi

O processo de retomada e autodemarcação do povo Mbya Guarani no tekoha – lugar onde se é – Pindó Poty obteve uma importante vitória na 9ª Vara Federal de Porto Alegre (RS). Nesta quinta-feira (6), liminar deferida pela juíza Federal Clarides Rahmeier concedeu reintegração de posse aos Guarani e a desocupação da área invadida por não-indígenas. 

A liminar de interdito proibitório busca interromper o “esbulho ou turbação” por parte de não-indígenas, sob pena de multa de 10 mil reais. A decisão se entende aos os réus não-indígenas do mandato, identificados e não identificados. Em sua decisão, a magistrada estabelece um interdito proibitório para coibir novas invasões e garantir responsabilização legal a autores de novas invasões.

“A liminar concedeu reintegração de posse aos Guarani e a desocupação da área invadida por não-indígenas”

O tekoha Pindó Poty está localizado no Bairro Lami, na capital gaúcha, e vinha sofrendo constantes invasões e loteamento do território tradicional pela forte especulação imobiliária local. Aos invasores, a juíza Clarides concede “prazo de 10 dias para desocupação voluntária da área, sob pena de expedição de mandado de reintegração e execução forçada, nos termos da lei e com apoio de força pública, se necessário (SIC)”. 

Caso a desocupação voluntária não ocorra no prazo estipulado “deverá o Oficial de Justiça comparecer ao local para constatação”. Caso a desocupação ocorra de forma voluntária, o próximo passo será o de “formalizar a reintegração de posse em favor da Comunidade Indígena Mbya Guarani. Do contrário, venham conclusos para expedição de mandado de reintegração forçada na posse e comunicação aos órgãos públicos competentes (SIC)”, conforme trecho da sentença. 

“Caso a desocupação voluntária não ocorra no prazo estipulado deverá o Oficial de Justiça comparecer ao local para constatação”

Na decisão a União, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) foram intimados a : “i. manifestarem interesse no feito; e ii. fiscalizarem, em suas respectivas áreas de competência, o cumprimento da medida proibitória deferida no item 2 desta decisão, devendo comunicar ao Juízo eventual prática de ato que importe em esbulho ou turbação do imóvel objeto desta demanda (SIC)”.

A Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), que representa o povo Guarani do Sul e Sudeste do Brasil, afirma em nota que “hoje trazemos informações que de certa forma nos animam na luta pelo nosso território. Pindó Poty é Guarani!”. A CGY manteve, em suas redes sociais, atualizações diárias do andamento das ações no tekoha desde que os Mbya Guarani de Pindó Poty decidiram dar um basta às invasões e realizar a retomada da área tradicional invadida.

“Hoje trazemos informações que de certa forma nos animam na luta pelo nosso território. Pindó Poty é Guarani!”

Neste mesmo comunicado, a CGY afirma que seguirá vigilante, junto aos Mbya Guarani de Pindó Poty, na resistência e em luta para que a decisão seja cumprida. A nota destaca a importância da “concessão do pedido de interdito proibitório, que proíbe novas invasões e garante, juridicamente, a responsabilização de novos invasores que tentem novas investidas contra os direitos territoriais do povo Guarani”. 

O coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, Roberto Liebgott, tem acompanhado as ações no tekoha e descreve que a sensação é de dever cumprido e vitória. “A luta agora segue pela demarcação do território tradicional. Da mesma forma que o basta às invasões garantiu essa importante decisão da Justiça, a continuidade da luta garantirá a demarcação”, destaca.  

Após a decisão favorável, delegações Mbya Guarani de outras Terras Indígenas se organizaram para o retorno após o apoio dado aos parentes de Porto Alegre. Não sem antes as tradicionais rezas e celebrações de um povo muito apegado à espiritualidade. “Já no escuro da noite todos puderam manifestar, através das palavras, o compromisso com a luta em defesa da Terra. Foi lindo ouvir, no encerramento da reunião, todos entoarem a frase: Pindó Poty é Guarani!”, descreveu Liebgott.

“Foi lindo ouvir, no encerramento da reunião, todos entoarem a frase: Pindó Poty é Guarani!”

Resistência na retomada

Os Mbya Guarani contam viver no tekoha Pindó Poty há pelo menos quatro décadas. As ameaças e invasões têm sido frequentes, mesmo após abertura de processo de demarcação iniciado em 2012. Ainda não concluído e alvo de constantes violações, os Guarani decidiram pela autodemarcação do território tradicional.

Foram longos dias na retomada. Se por um lado os indígenas destruíram as cercas e os barracos dos invasores instalados no tekoha, por outro iniciaram suas construções tradicionais, como a casa de reza e outros espaços comunitários. A morosidade do Poder Público, a chuva, o frio e os barracos improvisados com muitas goteiras não foram capazes de abalar a resistência dos Mbya Guarani.

“A luta agora segue pela demarcação do território tradicional”

Delegações de outras aldeias Guarani se somaram à resistência e em defesa do tekoha Pindó Poty. Entre elas, lideranças de aldeias de Porto Alegre, Viamão, Maquiné, Rio Grande, Terra de Areia e Charqueadas, no Rio Grande do Sul. Do outro lado do rio Uruguai, em Santa Catarina, somou-se à resistência lideranças das Terras Indígenas de Canelinha e Morro Dos Cavalos. Ao todo, mais de cem pessoas.

“A gente veio para apoiar os parentes aqui no Rio Grande do Sul, pois recebemos o aviso que a terra tinha sido invadida”, explica Marcelo Mbya Guarani, cacique da Terra Indígena de Canelinha, em Santa Catarina. Antes de retornar “a ideia é deixar a moradia feita, para assim que retornamos para nossa aldeia essas famílias ficarem garantidas nesta terra que é do povo Guarani”, afirma o cacique.

“A gente veio para apoiar os parentes aqui no Rio Grande do Sul, pois recebemos o aviso que a terra tinha sido invadida”

Grupos de apoio externos também se articularam com a comunidade Mbya Guarani e com a CGY, garantido uma presença solidária na área, auxiliando em demandas relativas à infraestrutura, alimentação, lonas, cobertores e transportes.

“A todos agradecemos o apoio, a atenção e a dedicação dos Xondaros e Xondarias [guerreiros e guerreiras] que vieram para a luta. Seguimos vigilantes na luta, pois sabemos que novas invasões podem vir a ocorrer”, afirma liderança Mbya Guarani de Pindó Poty. Organizações indígenas e indígenas seguem acompanhando os desdobramentos da liminar.  

O tekoha Pindó Poty está localizado no Bairro Lami, na capital gaúcha. Foto: Alass Derivas | Deriva Jornalismo

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