A pedido do MPF, Justiça condena União por declarações de Bolsonaro e ministros contra mulheres

Liberdade de expressão não permite piadas machistas e comentários misóginos como os feitos pelo presidente e seus auxiliares

Ministério Público Federal em São Paulo

Falas do presidente da República, Jair Bolsonaro, e de ministros de Estado com teor pejorativo contra as mulheres levaram à condenação do governo por uso abusivo da liberdade de expressão. A pedido do Ministério Público Federal (MPF), a 6ª Vara Cível Federal de São Paulo determinou que a União destine R$ 10 milhões para campanhas de esclarecimento e conscientização sobre os direitos femininos e pague R$ 5 milhões a título de danos morais coletivos. Cabe recurso contra a sentença.

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, órgão do MPF em São Paulo, elencou algumas das declarações desrespeitosas que o presidente e seus auxiliares proferiram até agosto de 2020, quando foi ajuizada a ação civil pública que resultou na sentença. As piadas machistas e os comentários misóginos revelam deboche e menosprezo de Bolsonaro e membros de sua equipe contra o público feminino, além de ataques a direitos assegurados às mulheres.

“Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”, disse Bolsonaro em abril de 2019 para inibir o que chamou de “turismo gay” no Brasil. “Ela queria dar o furo!”, afirmou aos risos em fevereiro de 2020 referindo-se a uma jornalista que havia publicado matéria sobre irregularidades de sua campanha presidencial. “No que depender de mim, não terá aborto”, declarou em julho de 2019, em contrariedade a leis que garantem às mulheres o direito ao procedimento em casos de estupro, risco à vida da mãe e anencefalia fetal.

A esses e outros exemplos de manifestações do presidente se somam declarações pejorativas dos ministros Paulo Guedes e Damares Alves e do então chanceler Ernesto Araújo. Em setembro de 2019, Guedes endossou comentários do chefe contra a esposa do presidente francês Emmanuel Macron, Brigitte Macron, ao chamá-la de “feia”. Já Araújo, no mês anterior, demonstrou “preocupação com a demonização da sexualidade masculina” ao defender que denúncias referentes a abusos sexuais teriam fundo ideológico. Em abril do mesmo ano, Damares afirmou que, segundo preceitos religiosos, “a mulher deve ser submissa” ao homem no casamento.

“Os fatos e provas retratadas nos autos evidenciam a despreocupação e até mesmo o escárnio dos agentes da Ré [Bolsonaro e ministros] com a situação de marginalização social das cidadãs brasileiras, além de denotar o absoluto menosprezo em relação ao dever institucional de promoção da igualdade de gênero e ao princípio da moralidade administrativa, ambos relegados em prol de determinada cartilha política”, destacou a sentença da Justiça Federal.

“É notório que os emissores não se pronunciaram na condição de cidadãos, valendo-se, isso sim, da função pública ocupada, dos contextos em que se encontravam e, particularmente no caso dos pronunciamentos do Senhor Presidente da República, da ênfase em expressões inadequadas e polêmicas, em evidente expectativa de proveito político da repercussão deflagrada”, afirmou a decisão.

Segundo lembrou a 6ª Vara Cível Federal de São Paulo, os interesses da sociedade – entre eles a preservação da dignidade das mulheres – prevalecem sobre a liberdade de expressão, o que afasta a imunidade absoluta de agentes políticos ao se manifestarem publicamente. “O arcabouço principiológico de nosso sistema constitucional não admite, no núcleo essencial do direito à liberdade de expressão, manifestações de intolerância e de incitação à discriminação e ao ódio, sob pena de desvirtuamento dos objetivos e princípios fundamentais da República.”

Os R$ 10 milhões para iniciativas de comunicação devem ser aplicados em campanhas publicitárias que divulguem o direito de vítimas femininas de violência a receberem atendimento humanizado de profissionais de segurança pública, saúde e assistência social. As peças deverão também trazer conteúdo que conscientize o público sobre a condição de vulnerabilidade a que as mulheres estão sujeitas no Brasil. Já os R$ 5 milhões referentes aos danos morais coletivos devem ser destinados ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

Os autores da ação do MPF são os procuradores da República Pedro Antonio de Oliveira Machado e Lisiane Cristina Braecher. O número do processo é 5014547-70.2020.4.03.6100. A tramitação pode ser consultada aqui.

Leia a íntegra da sentença

Imagem: Apufpr SSind.

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