Além de cruel, nova política educacional bolsonarista vai contra a ideia de inserção de pessoas com deficiência na sociedade, sem que sejam consideradas um estorvo para os demais
No El País
Que a educação pública no Brasil, assim como a saúde, esteja ameaçada pelo Governo de extrema direita de Jair Bolsonaro não é segredo. Seu olhar está voltado à preferência pelo privado, o que significa a exclusão dos mais pobres, bem como daqueles que sofrem de alguma deficiência física.
Dias atrás, em entrevista à TV Brasil, o ministro da Educação, o pastor evangélico e teólogo Milton Ribeiro, da Igreja Presbiteriana, afirmou que a inclusão de alunos com deficiência em escolas públicas “atrapalham” o aprendizado das “crianças normais”. É uma crueldade e ainda mais na boca de um pastor evangélico que deveria defender minorias. É uma traição, dele que é teólogo, do espírito cristão, que põe em primeiro lugar todos aqueles que sofrem abandono por causa de suas deficiências.
A escola pública brasileira está na vanguarda na questão da inclusão com a PNFF (Política Nacional de Educação Especial). O ministro criticou a norma progressista e defendeu a criação de escolas especiais para alunos com deficiência, o que nos traz tristes ecos do nazismo —quando, como os judeus, deficientes eram sacrificados e condenados ao extermínio por serem considerados inúteis para a raça ariana pura. Hoje, o ministro evangélico brasileiro quer trancar crianças com deficiência em guetos, uma política que já foi rejeitada pelo STF.
Além de cruel, a proposta vai contra a política de inserção da pessoas com deficiência na sociedade, sem que sejam consideradas um estorvo para os demais. Afirmar que tais alunos atrapalham os outros em sala de aula vai contra todos os ensinamentos da psicologia moderna. Não é apenas que esses alunos devam ser colocados em guetos, mas que a pedagogia contemporânea, respaldada pela psicologia, tem mostrado que eles se desenvolvem e aprendem melhor ao lado dos chamados “normais” porque não se sentem excluídos.
Sem dúvida, é difícil para muitos professores lidar com os alunos que têm algum tipo de deficiência, mas para isso havia sido estabelecido que as escolas deveriam ter professores especializados em lidar com esses alunos e inseri-los o máximo possível na convivência com os demais.
A realidade é que essas crianças se desenvolvem melhor e ficam menos infelizes no contato amigável e humano com os outros estudantes. O oposto é condená-las a sofrer duplamente por sua deficiência.
As palavras do ministro pastor, de que esses alunos atrapalham os “normais”, me fizeram lembrar de uma situação pessoal em uma escola pública onde fui convidado a apresentar meu livro de literatura infantil Una carta para Dios de un niño curioso. Enquanto eu estava à mesa falando para cerca de duzentos alunos, de repente um deles, com deficiência, veio até a mesa e com a maior naturalidade se postou ao meu lado e começou a acariciar minhas mãos e me oferecer demonstrações de afeto. Uma professora preocupada veio imediatamente retirar o aluno. Pedi que ela o deixasse ali, pois não me incomodava. O menino passou toda a conversa ao meu lado feliz e sorrindo e aplaudindo quando os outros o faziam enquanto continuava beijando minhas mãos. A professora, preocupada e ao mesmo tempo compreensiva, deixou-o ao meu lado. O aluno até quis participar do debate fazendo uma pergunta, sempre sorridente e feliz. E o restante dos alunos viu a cena com naturalidade, sem nenhum gesto de desagrado.
O ministro evangélico da Educação não só defende a criação de escolas gueto, mas na mesma entrevista argumentou que as universidades deveriam ser “só para poucos”, com a desculpa de que hoje é melhor que os alunos façam cursos técnicos. Se é verdade que hoje o mundo digital vai precisar de mais especialistas técnicos do que filósofos ou advogados, o que aparece na nova política universitária bolsonarista é que as universidades devem ser para as elites e, portanto, particulares. Para os pobres, que são maioria no país, basta um curso técnico, deixando as chamadas profissões nobres e intelectuais para as minorias privilegiadas de famílias capazes de custear uma universidade de elite.
E se parece uma crueldade criar escolas guetos para as crianças com deficiências, separadas das demais, não é menos sugerir que os mais pobres se contentem com cursos técnicos, deixando as profissões chamadas “nobres” para os filhos das famílias mais abastadas.
A verdadeira política humanista é aquela em que o Estado oferece a possibilidade de que sejam os estudantes, por vontade própria, pobres ou ricos, que escolhem uma profissão técnica ou universitária, como já se faz nos países mais civilizados. Todo o resto é puro racismo e política elitista que voltará a deixar as classes mais necessitadas à margem do poder. Seria a perpetuação da escravidão e a cruel separação entre privilegiados e excluídos. Seria continuar mantendo as castas de intelectuais e de técnicos, o que implica a sutil política de manter viva a elite que sempre ocupou o poder nos moldes do mais cruel capitalismo.
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Pastor Milton Ribeiro, da Igreja Presbiteriana, 4º ministro da Educação de Bolsonaro. Foto: Mackenzie