Contribuições foram apresentadas pela coordenadora do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética da Câmara Criminal do MPF (2CCR)
Procuradoria-Geral da República
O Ministério Público Federal (MPF) participou da audiência pública para debater o Projeto de Lei 2.630/2020 e seus apensos, conhecido como PL das Fake News. O evento foi promovido pelo Grupo de Trabalho criado pela Câmara dos Deputados para analisar e elaborar parecer sobre a proposta, aprovada pelo Senado em julho do ano passado. Durante a reunião, realizada nessa terça-feira (31), a procuradora da República Fernanda Domingos, coordenadora do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética da Câmara Criminal do MPF (2CCR), apontou fragilidades e sugeriu aperfeiçoamentos na redação do projeto.
O primeiro ponto abordado pelo MPF foi o artigo 7º, que autoriza os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada a requererem o documento de identidade dos usuários no caso de indícios de contas inautênticas. Para Fernanda Domingos, “não é o fato da conta ser inautêntica que é o problema, e sim a sua utilização para fins ilícitos”. A procuradora ponderou que as contas inautênticas também são utilizadas por ativistas políticos e outras pessoas que querem manifestar suas opiniões sem serem submetidas a perseguições. Por essa razão, sugeriu que, caso seja mantido, o artigo faça alguma ressalva quanto à utilização regular dessas contas.
A procuradora também se manifestou sobre a criminalização da desinformação na internet e ressaltou que, na visão do MPF, o foco do projeto de lei deve ser a criminalização do financiamento e da organização de toda uma estrutura, com contas automatizadas e outros recursos, destinada à prática de crimes. “Essa organização voltada à disseminação de ilícitos, com o objetivo de causar pânico, trazer algum prejuízo, é que deveria ser criminalizada, caso se opte por isso. Porque a simples questão da desinformação ficou muito aberta”, alertou.
Boa prática – O MPF considerou positiva a exigência de consentimento prévio do usuário para a inclusão em grupos de mensagens e listas de transmissão, como prevê o artigo 9º do projeto. Por outro lado, Fernanda Domingos afirmou que é preciso refletir sobre o foco do artigo 10º, que determina que serviços de mensagens privadas guardem os registros de envios e encaminhamentos de conteúdo em massa por pelo menos três meses. “A medida serviria para a elucidação de crimes como racismo e preconceito, porém os ilícitos eleitorais que são praticados mediante encaminhamento em massa de mensagens não estão contemplados nessa redação. Além disso, outros crimes graves, como a divulgação de pornografia infantil e o tráfico de drogas, por exemplo, não têm essa característica de divulgação em massa. É preciso saber qual o objetivo deste artigo, até para que haja proporcionalidade no fato dele estar previsto na legislação”, ponderou.
Sobre a moderação de conteúdo pelas plataformas, tratada no artigo 12 do PL, a procuradora defendeu que os termos e condições dos aplicativos e serviços de internet precisam ser mais claros e objetivos. Ressaltou também que, ao retirar da rede conteúdos considerados criminosos, os provedores e serviços de internet deveriam ser obrigados a comunicar o Ministério Público Federal ou outras autoridades brasileiras, como já ocorre nos EUA em relação à pornografia infantil.
Indicações – A coordenadora do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética do MPF também sugeriu alterações na redação do artigo 26 do projeto de lei, que define a composição do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet. Segundo ela, ao prever a participação de um representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e um do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), é preciso deixar claro que o que se quer é um representante da magistratura e outro do Ministério Público, já que as duas classes são representadas nesses conselhos. Além disso, Fernanda Domingos sugeriu a inclusão de um representante da OAB.
Em relação à exigência de que os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada tenham sede no Brasil, como prevê o artigo 32, a procuradora afirmou que, na avaliação do MPF, a medida é excessiva, não atende às necessidades brasileiras e pode, inclusive, trazer prejuízos ao país. “Essa exigência acaba trazendo problema concorrencial, um problema para a nossa economia, para a economia digital nesse âmbito da internet”.
Em contraponto, a obrigação de que os provedores e serviços de internet apontem um representante legal no país foi considerada “bastante adequada” pelo MPF. Fernanda Domingos lembrou que a medida já foi estabelecida pelo TSE e está alinhada ao que vem sendo discutido na União Europeia. “A figura do representante legal é importante porque é ele quem vai providenciar as informações e cumprir as ordens das autoridades locais”, afirmou a procuradora.
Para concluir sua exposição, a procuradora do MPF mencionou o artigo 35, que propõe alterações no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), e ressaltou a importância de que os provedores de internet guardem as portas lógicas. A sugestão apresentada foi apenas para incluir na lei a extensão dessa obrigação também aos provedores de conexão.
Institucional – O MPF tem acompanhado com atenção a tramitação do PL 2.630/2020 – que institui a lei brasileira de liberdade, responsabilidade e transparência na internet – desde o início, por meio do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética da Câmara Criminal do MPF (2CCR). Em junho de 2020, o grupo enviou nota técnica sobre a matéria ao Senado Federal. Após a aprovação do projeto pela casa legislativa, uma nova nota técnica foi elaborada e enviada à Câmara dos Deputados, em agosto daquele ano. Desde então, membros do MPF têm participado de debates e audiências para aprimorar a norma.