A crescente insatisfação dos policiais com o bolsonarismo

Ouvidos em entrevista, os de baixo se declaram decepcionados e muitos estão arrependidos do voto. Repudiam o golpismo, a politização dos militares e a destruição do Estado. Campo progressista precisa ver que há oportunidade para o diálogo

Por Esther Solano, na Carta Capital

Durante as últimas semanas realizei entrevistas com policiais civis e militares de várias regiões do Brasil. Queria falar um pouco deles. Trago os resultados das entrevistas com dois grupos focais, um no Rio de Janeiro e outro em Belo Horizonte. Não se trata do comando, mas daqueles de baixo, da ponta, que ninguém enxerga. Todos tinham votado em Bolsonaro. Alguns arrependidos, outros menos. Todos decepcionados.

Vejam as respostas. Vejam as oportunidades de diálogo que temos. Vejam a ameaça de não dialogar.

– Você sairá às ruas no dia 7 de setembro?

– Na região em que eu trabalho, com os policiais que eu me envolvo, ninguém está disposto a fazer nada a favor do governo. São poucas pessoas que permanecem com ele. O Bolsonaro falou tanto desse militarismo, ele puxou muito na área e os policiais pensaram que iam ser valorizados, a maioria votou nele. A gente foi ver e não tem nada, benefício nenhum, não fomos valorizados em nada. Ninguém que eu conheço vai fazer nada em prol do governo (R).

– Eu acho que é viagem da imprensa. Tem uma fração expressiva a favor do governo Bolsonaro dentro da instituição e acredito que, sei lá, 20%… Sair de casa para ir na rua, muita gente não sai, não. Sair de casa, militar é pouca gente… pouco provável de dar um problema com um policial indo para a rua (P).

– O que você pensa do tratamento do governo às polícias e aos militares?

– Sim, sim, isso dos militares tem muito desequilíbrio. O Paulo Guedes odeia servidor público, deixa muito a desejar nessa parte, ele poderia fazer coisas muito melhores para a gente. Os militares puxaram a sardinha para o lado deles (N).

– Concordo que há uma diferença muito grande com os militares. Só há benefícios para eles. Policial militar, civil, na verdade serviço público, a gente só vem perdendo direitos. A diferença é gritante (R).

– Nossa categoria foi 99% a favor do governo Bolsonaro e nisso aí a gente contando que houvesse melhora nas nossas condições de trabalho, e não teve. Ele poderia estar colaborando com a segurança pública do estado, a governabilidade falou mais alto (P).

– O que vocês acham da declaração do presidente de que “todo mundo tem que ter um fuzil em vez de reclamar do preço do feijão”?

– Foi uma fala infeliz e errada. Eu, como policial, a questão do armamento, tem coisas que não dá para concordar, vejo o risco que é (E).

– Ele é idiota, imbecil, sendo presidente da República vai falar isso… e aí parece que está estimulando a roubar, e acaba colocando a gente no meio. Acho completamente infeliz, a gente vai no supermercado não encontra nada, está tudo caríssimo e ele fala em comprar fuzil. Educação, saúde, completamente sem nexo com a realidade que o País vive, um desrespeito com o brasileiro, ele fala isso para tirar a atenção dos preços que estão exorbitantes (M).

O bom de se escutar é que surgem mais perguntas, mais questionamentos, mais complexidade. Uma fotografia em preto e branco transforma-se em cinza, um pensamento monolítico transforma-se num prisma. Todos esses policiais, de forças diferentes, de estados diferentes, uns homens, outros mulheres, uns mais novos, outros mais velhos, uns brancos, outros negros, todos tinham votado em Bolsonaro, todos se declaravam insatisfeitos com o tratamento que ele tem dado às polícias, com a obsessão pauloguedista de destruição da coisa pública.

Todos se mostraram ressentidos com o protagonismo obsceno dos militares. Todos rejeitavam a radicalidade discursiva de Bolsonaro. Acho que não sou só eu que enxergo possibilidades, janelas para o diálogo do campo democrático com esses policiais, que, com certeza, devem representar muitos mais. Caminhos, oportunidades. Muito melhor do que fazer suposições e generalizações do tipo “as polícias são golpistas”, vamos perguntar, escutar, avaliar. Que os de baixo falem. A gente tem sempre surpresas. As coisas são sempre mais poliédricas. E nada disso invalida os inúmeros problemas estruturais das forças de segurança, as violações de direitos humanos, o genocídio negro, a letalidade. Mas, quando as coisas são complexas, precisam de olhares complexos e respostas complexas.

Para mim, uma coisa é óbvia: o campo progressista tem de dialogar com as polícias, tem de pensar a segurança pública com eles, tem de pensar a política sem ignorar as polícias, assim como não deve ignorar outras corporações. Se continuarmos invisibilizando esses profissionais, surgirão outros Bolsonaros para empoderá-los.

E acabo este artigo com a frase de um dos policiais entrevistados. Ele votou no ex-capitão: “Bolsonaro, para mim, não é patriota, não é liberal, não é conservador, não é cristão”.

Oportunidades.

Esther Solano é doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

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