Os abomináveis caçadores de Julian Assange. Por Carol Proner

Caso extremo de lawfare, extradição aos EUA abriria as portas do inferno ao jornalista. Punição será exemplo aos dissidentes do mundo. UE, Reino Unido, Suécia e Equador são cúmplices da violação. Mas ainda resta fagulha de esperança

No Outras Palavras

Defensores da liberdade de imprensa e dos direitos humanos estão contrariados e preocupados com a decisão de um tribunal britânico que, reformando sentença anterior, acatou as garantias oferecidas pelo governo dos Estados Unidos e sentenciou a extradição do jornalista Julian Assange.

A drástica medida não era esperada por juristas que fazem a defesa técnica do fundador do WikiLeaks. Esperava-se uma decisão em conformidade com a tradição constitucional e costumeira da justiça britânica, ciosa das garantias fundamentais, mas, surpreendentemente, os juízes do tribunal desqualificaram os argumentos humanitários da juíza Vanessa Baraitser para confiar aos algozes a tutela da vida de um mártir do direito à informação e à verdade.

Entre as promessas dos acusadores estadunidenses está a de garantir tratamento médico e psicológico em prisão ordinária, evitando a Supermax do Colorado, descrita por um ex-diretor como “a versão limpa do inferno” e um “destino pior que a morte”. Eventualmente, afiançam os promotores, a pena poderia até mesmo ser cumprida no país natal do acusado, a Austrália.

Promessas semelhantes já haviam sido feitas, por exemplo, no caso Abu Hamza, episódio narrado na sentença da juíza Baraitser demonstrando que promessas foram dramaticamente quebradas. O condenado, um homem com as mãos amputadas, foi privado de próteses que lhe permitiam escovar os dentes, praticar a higiene íntima, limpar a própria cela e outros afazeres de dignidade. O prisioneiro condenado por crimes de terrorismo chegou ao ponto de abrir uma lata de conservas com os dentes.

A drástica decisão também desconsidera que Assange vem sendo tratado com excepcionalidade em todo o périplo desde que trouxe ao mundo o conhecimento dos crimes de guerra e as estratégias de espionagem cometidas pelos Estados Unidos.

Na última audiência o ativista foi tratado como um animal perigoso. No dia marcado para o julgamento, após ser revistado nu e tomar o café da manhã, foi transportado acorrentado até o tribunal e apresentado ao público dentro de uma caixa de vidro. Sem acesso direto aos advogados, era-lhe permitido escrever notas e ajoelhar para passá-las aos defensores por uma fenda no chão. Após a audiência, foi reconduzido à prisão de Belmarsh, conhecida como a Guantánamo britânica. Mas essa é apenas a fase atual da perseguição.

O périplo inclui acusações falsas de crimes sexuais, novos tipos penais feitos sob medida para o ativista, tribunais secretos, processos sigilosos e acusações supervenientes para garantir a construção de uma normativa inescapável contra qualquer pessoa que ouse enfrentar as razões do império.

O caso Assange é um exemplo extremo das estratégias de lawfare que combinam a cumplicidade dos sistemas de justiça de vários países, incluindo aqui, além dos principais caçadores, também a Suécia, a União Europeia de modo geral – por não reconhecer e aplicar garantias em determinada etapa do processo – e finalmente o Equador de Lenin Moreno, especialmente após o giro geopolítico de 2019 que resultou na entrega do jornalista ao conluio de jurisdições.

A decisão de extradição ainda permite recurso à Corte Constitucional britânica e, por mais improvável que pareça, é possível que um colegiado defensor de direitos fundamentais evite a entrega de Julian Assange aos verdadeiros criminosos que buscam impor ao mundo a sua justiça de forma unilateral, coercitiva e ilegal.

Defender Assange é defender a nós mesmos.

Manifestantes seguram cartazes pedindo pela libertação de Julian Assange, fundador do Wikileaks, do lado de fora da Corte de Magistrados de Westminster, em Londres, no dia 21 de outubro de 2019. Foto: Getty

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