Caravana em defesa do rio Tocantins denuncia impactos de hidrovia no Pará

Organizações fazem mobilização conjunta contra o projeto da hidrovia Araguaia-Tocantins, denunciando prejuízos socioambientais irreversíveis ao modo de vida das cidades e comunidades locais

por Jordana Ayres, no Mab

Teve iniciou neste domingo, 30, a Caravana em defesa do Rio Tocantins, que está percorrendo parte do trecho previsto para a construção da hidrovia Araguaia-Tocantins, saindo de Barcarena (PA) e passando por 11 municípios da região sudeste do Pará, até Itupiranga (PA).

O objetivo da caravana é denunciar os impactos previstos com a construção da hidrovia, fortalecer a organização de resistência ao projeto e a luta por direitos. A ação é organizada por um conjunto de entidades incluindo movimentos sindicais, sociais e setores da Igreja.

As atividades da caravana começaram na comunidade Vila Nova, em Barcarena (PA), onde foi realizada a abertura da Caravana com a presença de moradores da locais.

Segundo Iury Paulino, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), além de fazer a denúncia, a ideia da caravana é contribuir com a organização das comunidades atingidas. “Esperamos que, a partir desse momento (caravana), a gente possa fortalecer esse trabalho, consolidando os grupos dos atingidos, as comissões e um processo de formação e orientação para que as pessoas possam ter a verdadeira noção dos problemas que a hidrovia pode trazer e, sobretudo, construir um instrumento organizativo que permita uma resistência de forma coletiva”, afirmou.

Iury explica que uma das principais demandas, construídas a partir de três encontros realizados na região, era integrar as comunidades da região chamada “baixo” Tocantins com a região do “alto”, que inclui os municípios de Marabá e Itupiranga, onde está localizado o Pedral do Lourenço, ameaçado de derrocamento pela implantação da hidrovia.

Além do MAB, fazem parte da coordenação da atividade a CUT Brasil, CUT Pará, Fetagri-PA, a Diocese de Cametá, Conselho Pastoral dos Pescadores, Universidade Federal do Pará (UFPA), campus Tocantins Cametá,  Levante Popular da Juventude, Sintepp e organizações de pescadores e de quilombolas da região.  A caravana tem o apoio do Solidarity Center/AFL-Cio, entidade sindical internacional.

A programação da caravana inclui atos políticos e reuniões nos municípios atingidos pelo projeto da hidrovia, como Abaetetuba, Igarapé Miri, Limoeiro do Ajuru, Cametá, Mocajuba, Baião, Tucuruí, Nova Ipixuna, Marabá e Itupiranga. A ação terminará com um grande encontro nos dias 4 e 5 de fevereiro, na Vila Taury, em Itupiranga (PA).

Entenda o projeto da hidrovia

Localizada entre as regiões Norte e Centro-oeste do País, a Bacia do Tocantins-Araguaia, cujos dois rios principais são os mesmos que dão nome à bacia, é maior bacia hidrográfica brasileira localizada em sua totalidade no território nacional. Sua área abrange os estados de Tocantins, Pará, Maranhão, Goiás e Mato Grosso, além do Distrito Federal, somando 409 municípios, incluindo Belém (PA), Marabá (PA), Imperatriz (MA), Palmas (TO) e Araguaína (TO).

Os rios da bacia, em especial o Tocantins, foi historicamente aproveitado para a construção de hidrelétricas, que já deixaram inúmeras violações de direitos e impactos ambientais, como por exemplo Tucuruí (PA), Estreito (TO), Serra da Mesa e Cana Brava (GO).

Com o projeto da hidrovia, o objetivo é tornar o rio navegável em um trecho de 2500 km, tanto à montante quanto à jusante de Tucuruí. Os movimentos sociais denunciam que o projeto tem como objetivo principal o transporte de commodities, como a soja e o minério, inserido em uma lógica de avanço do capital sobre os rios da Amazônia.

A hidrovia integra o projeto do corredor Arco Norte, que prevê o transporte de cargas, em especial soja e minério, de forma multimodal através de ferrovia, rodovia e hidrovia, saindo da região Centro-Oeste do país até o Porto de Vila de Conde, em Barcarena (PA), de onde as commodities sairão para exportação.

As discussões sobre a hidrovia iniciaram nos anos 1960, sendo retomadas nos anos 1980. O projeto consiste em dar navegabilidade para o transporte de cargas de tonelagem por um trecho de cerca de 2.500 km. De acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquários (Antaq), as principais cargas transportadas pela bacia são combustíveis e óleos minerais, soja e milho

Mas para que a hidrovia seja implantada, é necessário realizar obras civis com intervenções em 87 pontos nos rios Araguaia, Tocantins e das Mortes. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) a meta é implodir e dragar 212 quilômetros do rio Tocantins, o que representa o derrocamento de 35 quilômetros de parte das rochas do Pedral do Lourenço.

Dragagem e derrocamento são técnicas de engenharia que consistem em retirada de materiais do rio, mas enquanto a primeira é usada para sedimentos e rochas do fundo do leito, a segunda é a retirada de material não originado de assoreamento, em especial rochas e pedras, como as que formam o Pedral do Lourenço.

O projeto está em andamento e o licenciamento para a obra prossegue mesmo sem consulta prévia com os indígenas e comunidades afetadas. As obras serão executadas pelo consórcio DTA/O’MARTIN, composto pelas empresas DTA Engenharia e O’ Martin-Serviços e Locação Ltda, que venceu uma  licitação realizada em 2016. O licenciamento é feito pelo Ibama e a expectativa é que até março seja concedida a licença prévia.

Os Impactos

Às margens do rio Tocantins vivem povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, extrativistas e agricultores familiares. São populações cujo modo de vida está profundamente ligado ao rio, que também é fundamental para a economia da região.

A construção da hidrovia irá desencadear uma série de impactos ambientais, sociais, econômicos e culturais irreversíveis. No centro disso tudo, os mais afetados são as populações que habitam na região. Povos ribeirinhos, comunidades quilombolas, povos que dependem do rio para sua subsistência. Se para as grandes empresas o projeto é favorável, para a população local, é desastroso.

Entre os prejuízos listados pelos organizadores da caravana estão:

1. Aumento do risco de erosão e de assoreamento dos rios e canais, causando perda de qualidade da água e da biodiversidade, principalmente de espécies de peixes;

2. Sobreposição de áreas de pesca com o canal da Hidrovia, o que irá gerar perdas de ambientes de pesca, insegurança alimentar e consequentemente perdas de receitas para os moradores e municípios;

3. Poluição por defensivos, resíduos urbanos, industriais ou de extração mineral, e óleo combustível das próprias embarcações;

4. A circulação pelo rio sendo determinada pelo fluxo das barcaças, ou seja, a prioridade não vai ser o ribeirinho transportando sua produção, mas sim, as barcaças com o minério;

5. Introdução de novas doenças na região, diante do aumento da migração populacional induzida e favorecida pela hidrovia;

6. Substituição indiscriminada de matas e florestas por monoculturas agrícolas, principalmente a soja;

7. Perda de fertilidade e salinização do solo devido à irrigação;

8. Ocupação das margens do rio pela extração indiscriminada de minério;

9. Mudança no modo de vida e perda de bem-estar das populações locais.

Imagem: A construção da hidrovia irá desencadear uma série de impactos ambientais, sociais, econômicos e culturais irreversíveis para povos ribeirinhos, comunidades quilombolas, povos que dependem do rio para sua subsistência.

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