“Não estamos sós”: lideranças indígenas no ATL 2022 se unem pelos povos isolados de recente contato

Mesa de debate no Acampamento Terra Livre, em Brasília, alertou para os ataques e retrocessos sofridos no governo Bolsonaro

POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO ATL 2022 / CIMI

A mesa “Pelas vidas dos povos indígenas isolados e de contato recente” foi realizada na tarde desta quinta-feira, 7, durante o 18° Acampamento Terra Livre, e contou com a mediação da Coordenadora executiva da Coiab, Angela Kaxuyana, e a participação de Tambura Amondawa, Adriano Karipuna, Junio Yanomami, de Roraima, Ronilson Guajajara, do Maranhão, Beto Marubo (Univaja), Lindomar Terena, Paulo Tupiniquim, Alfredo Marubo, Gilson Mayoruna e Luis Ventura, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Muita gente não sabe, mas no Brasil existem diversos povos indígenas que escolheram viver longe da “civilização” imposta. São povos que, durante séculos, resistem à colonização e ao processo de violência desde a chegada do invasor branco nas terras brasileiras.

Ao escolher se manter em isolamento, buscam ter maior controle sobre as relações que estabelecem com grupos ou pessoas que os rodeiam e continuar vivendo com seus usos e costumes. Porém, nos últimos anos, sob o Governo Bolsonaro, o Estado Brasileiro tem se negado a reconhecer sua existência e a garantir seus direitos.

Beto Marubo, membro da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), atribuiu os retrocessos da política de proteção aos indígenas isolados à uma política bolsonarista de genocídio aos povos indígenas, que fez com que a Fundação Nacional do Índio (Funai) se tornasse uma ameaça.

“A Funai que foi criada para proteger e deveria ter uma responsabilidade com esses parentes. Apesar de serem livres, eles estão muito vulneráveis. Sabe o que a Funai está fazendo agora? Está negando [a existência dos] nossos parentes”, enfatizou Beto Marubo durante a mesa.

Para agravar a situação, ainda hoje há missões religiosas que têm o intuito de colonizar a cultura originária, o que representa uma grande ameaça epidemiológica, que se soma ao desmatamento e à invasão de grupos que praticam a extração ilegal de ouro, minério, madeira e caça para comércio nessas regiões.

O povo Yanomami é um dos que tiveram contato mais recente. Um vídeo foi exibido com imagens dos garimpos dentro dos territórios, os mesmos que Bolsonaro propõe regularizar com o PL 191. O cenário acentua ainda mais os problemas de saúde que os povos isolados têm enfrentado.

O líder indígena Júnior Hekurari, do povo Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), destacou que já foram feitas várias denúncias a nível nacional e internacional acerca da violência sofrida pelos povos isolados e de recente contato em seus territórios.

“A terra indígena está sendo invadida pelos garimpeiros. Nossos parentes estão com pneumonia. Todos os dias uma criança yanomami morre, as mães choram junto com a floresta. Mais de 25 mil garimpeiros estão dentro de nossas terras, os garimpeiros tomaram os postos de saúde, e o povo indígena está pedindo socorro” destacou, emocionado, o líder Indígena.

Júnior estimou que cerca de 7 mil estão doentes de malária. Só em 2021, morreram 300 crianças com a doença, quase uma por dia. Para ele, a política do governo Bolsonaro promove o risco e o extermínio. “Agora a Sesai virou quartel. Tem muitos coronéis, muitos soldados trabalhando lá. O governo federal não faz planejamento para garantir a assistência dentro da comunidade”, lamentou.

Alfredo Marubo, apontou os desvios na atuação da Funai nesse processo. “Todos os dias passam toneladas de carne da caça em frente à sede da Funai e ninguém faz nada. Eles não estão fazendo nada, dizem que a gente está mentindo, não fazem nada e ainda ameaçam os povos. O Bolsonaro está colocando anti-indígenas para cuidar das aldeias, mas eles só vão lá para passear e vêm embora”.

Com a inoperância dos órgãos federais na proteção dos direitos indígenas, a exploração tem avançado sobre as matas e se aproximado cada dia mais dos povos isolados.

Na plenária, os povos que tiveram os primeiros contatos séculos atrás se solidarizaram com esses povos que estão vivendo de forma autônoma na floresta. “Nós exigimos respeito. Estamos usando essa língua maldita porque fomos forçados, fomos humilhados. Vimos nossas crianças crescendo e morrendo. Hoje o que está acontecendo na Amazônia, nós já sofremos. Por isso estamos aqui para dizer que vocês não estão sozinhos. Nós estamos juntos. Esta casa é dos povos originários do Brasil”, solidarizou-se o cacique Júnior Pataxó, do Sul da Bahia.

A Coordenadora Executiva da Coiab, Angela Kaxuyana, destacou a importância dessa união para a proteção desses povos, uma vez que o Estado Brasileiro não tem cumprido seu papel de proteger os territórios, colocando em risco a vida desses povos que decidiram viver em isolamento, após fugirem de massacres.

“Em nome da Coiab, da Amazônia, a gente quer externar a gratidão e mandar um recado pro Bolsonaro que a Amazônia não está sozinha, que a essência desse movimento indígena é que vai vencer, é essa essência do movimento indígena que aqui no acampamento deve permanecer de respeito, de solidariedade e de manifestação de que estamos juntos. E sempre soubemos, meus parentes, que nós nunca estamos sozinhos, porque o Nordeste e a Apoinme estão junto com a Amazônia”, finalizou Angela Kaxuyana.

Alertas de desmatamento

Em 2021, o desmatamento disparou em terras indígenas com presença de povos indígenas isolados, segundo o boletim Sirad-I, do Instituto Socioambiental (ISA). No ano, foram desmatados 3.220 hectares, com 904 alertas dentro dos territórios.

Os alertas concentraram-se, principalmente, nas Terras Indígenas Piripkura (MT), Uru-Eu-Wau-Wau (RO), Araribóia (MA) e Munduruku (PA). Além disso, durante todo o ano de 2021, também foi possível detectar grandes desmatamentos nas bordas desses territórios, o que indica uma tendência de aumento das invasões contra os territórios desses povos isolados.

A Terra Indígena Araribóia, localizada no Maranhão, foi uma das mais devastadas por invasões de madeireiros e grileiros, com mais de 380 hectares desmatados em seu interior. Além disso, em 2021, incêndios criminosos castigaram o território.

Isolados ou Dizimados

A campanha isolados ou dizimados é encabeçada pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), e inclui a participação de outras organizações do campo socioambiental, como o ISA, a Survival International e a Operação Amazônia Ativa (OPAN). Lançada em 20 de agosto de 2021, a campanha tem como foco pressionar a Funai para a renovação de quatro portarias: Terras Indígenas Piripkura (MT), Jacareúba/Katawixi (AM) e Piriti (RR) e TI Ituna-Itatá (PA).

ACESSE: https://www.isoladosoudizimados.org/

Desde o ano passado, foram realizadas diversas ações a fim de alertar a opinião pública para a atual condição dos povos indígenas isolados que estão correndo o risco de perderem seus territórios, sem uma proteção legal e efetiva.

No fim de novembro de 2021, a Coiab lançou um manifesto em defesa da vida dos povos indígenas isolados, onde destacou que os crescentes ataques e pressões sobre os territórios estão ligados ao gradual enfraquecimento da política indigenista da Funai e do fortalecimento da pauta governamental anti-indígena.

Frente aos retrocessos de proteção por via dos órgãos de Estado, o movimento indígena, junto com os seus aliados, está fortalecendo estratégias para conter as invasões nas TIs, com monitoramento e ações de proteção autônomas no território, a fim de proteger os seus “parentes isolados”. Além disso, vem fazendo inúmeras denúncias e acionando a Justiça para garantir a proteção legal dos seus territórios e modos de vida.

Foto: Pure Juma / Comunicador da Coiab

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