Até quando os mais vulneráveis pagarão a conta das mudanças climáticas?

por Cinthia Lima*, Marco Zero Conteúdo

Temos vivido tempos difíceis: epidemias, pandemias, desastres naturais. O que a maioria de nós não enxerga é que tudo isso começa no mesmo fato: a degradação do meio ambiente.

Desde a chegada dos europeus, nossas florestas e recursos naturais sofrem com a exploração indiscriminada que dizimou nossa antes rica e provedora natureza. Séculos atrás, a humanidade apenas vislumbrava as consequências de tamanha devastação. Atualmente, a ciência já nos apresenta cenários nada animadores de futuro como consequência da nossa indiferença com a natureza. Hoje também sentimos na pele – e no coração – uma demonstração de seu resultado diante dos eventos climáticos extremos com os quais temos que aprender a lidar.

O homem desmata e ignora o papel das florestas na provisão de água e na regulação dos regimes hidrológicos e climáticos; esquece que elas são casa de uma variedade de seres que vivem em um equilíbrio do qual também dependemos enquanto animais que somos, dependendo de água, ar, alimentos e recursos que vêm dela.

O homem queima combustíveis fósseis, florestas e lixo numa atmosfera já saturada de gases de efeito estufa que potencializam os efeitos das mudanças climáticas, esquecendo que, na verdade, precisamos restaurar ecossistemas para que o planeta suporte as gerações futuras.

O homem aterra e polui nascentes e rios que produzem a água que nos dessedenta e fomenta todas as nossas atividades produtivas. Degrada e polui mares e manguezais que são fontes de oxigênio, alimento e renda. Isso acontecia há séculos atrás e continua acontecendo em pleno século XXI, apesar de agora sabermos concretamente o que nos aguarda.

O planeta tem nos mandado sinais de que essa conta não fecha… Mas a conta chega. E quem a paga é a população mais vulnerável, vítima da falta de políticas públicas básicas, muitas vezes paga-se com a vida. Crianças que deveriam ter uma vida inteira pela frente, as perdem diante das (in)consequências de gerações que consomem recursos do mundo como se não houvesse um futuro, como se não fosse dever de cada um de nós conservar e usar os recursos naturais de forma sustentável para garanti-lo.

Precisamos ter consciência de nossa responsabilidade enquanto cidadãos, rever nossos padrões de consumo e nossa relação com a natureza para amenizar os efeitos já irreversíveis das mudanças climáticas, ou nos acostumarmos com as perdas – de vidas e econômicas.

Nesse ponto precisamos contextualizar a realidade da Mata Atlântica em Pernambuco: nos resta cerca de 15% do que era originalmente nossa exuberante mata, sendo que grande parte (quase 70%) está fragmentada em pequenas porções de menos de 5 hectares de área, cercadas por uma matriz agrícola e/ou urbana que impõem uma imensa pressão sobre esses ecossistemas.

Várias espécies acabaram reduzindo sua distribuição a pequenas áreas e tendem à extinção, seja pela perda de habitat, seja pela falta de fluxo gênico com outras comunidades. Assim, temos levado mais e mais espécies à extinção e, junto com elas, serviços ecossistêmicos dos quais a própria humanidade depende.

Diante desse contexto, é importante trazer à tona uma discussão atual e emblemática: a chegada da Escola de Sargentos de Armas do Exército Brasileiro, prevista para ser implantada no maior e em um dos últimos grandes remanescentes de Mata Atlântica do Centro de Endemismo Pernambuco (nome que se dá à região desse Bioma ao Norte do Rio São Francisco).

Para tanto, seria necessário o desmatamento de cerca de 1.500.000 m² (um milhão e quinhentos mil metros quadrados, ou 150 hectares) de floresta em uma área de proteção ambiental e de mananciais, dentro de um corredor ecológico que conecta diversos outros remanescentes florestais e possibilita o fluxo gênico entre as populações.

Várias entidades já demonstraram preocupação quanto à incompatibilidade do empreendimento com a localização escolhida pelo Exército e têm cobrado a apresentação de alternativas locacionais que não afetem o pouco que nos restou de Mata Atlântica conservada, o que até o momento não foi concretamente considerado.

Nesse início de Mês do Meio Ambiente, diante da maior tragédia socioambiental já vista em nosso Estado e da inegável relação dos eventos climáticos extremos com a falta de políticas públicas efetivas para a conservação do meio ambiente, questiono: até quando???

Até quando permitiremos que decisões sejam tomadas negligenciando impactos socioambientais em favor de interesses políticos e econômicos? Até quando seremos coniventes com a extinção dos nossos ecossistemas, levando junto a humanidade? Até quando precisaremos buscar por corpos soterrados de mães e filhas abraçadas, ou de famílias inteiras? Até quando?

*Bióloga e Analista em Gestão Ambiental

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

dezesseis − 2 =