Entre os dias 06 e 10 de junho, a Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), visitou as comunidades do Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas, em Minas Gerais, numa missão com o objetivo de ouvir o clamor das famílias sobre a violação de direitos que historicamente essa região do sertão norte mineiro vem sofrendo.
por Luzia Alane Rodrigues*, em CPT
“Digamos juntos, de coração: nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem-terra, nenhum trabalhador sem direito.” Papa Francisco
Numa articulação conjunta construída pela FIAN Brasil, Comissão Pastoral da Terra, o Movimento dos atingidos por Barragens (MAB), Coletivo Margarida Alves, mandatos políticos vários e parceiros e apoiadores, essas forças vivas que apoiam e acompanham as famílias Geraizeiras, saíram em missão pelas grotas do sertão norte mineiro para ouvir, discutir, propor e encaminhar as denúncias de violações de direitos que angustiam as comunidades.
Memória da luta e resistência do povo Geraizeiro
Entre as décadas de 1970 a 1980, empresas de diversos ramos econômicos, apoiados pelo Estado com um discurso neodesenvolvimentista de ocupar os “vazios geográficos” e promover o desenvolvimento econômico da região, se apropriaram das chapadas e expulsaram as famílias que ali viviam. Ignorando o modo de vida tradicional das comunidades que habitavam a região e que tradicionalmente usavam de forma comum as chapadas ou tabuleiros. O Estado e as diversas empresas pregavam que existia ali um “vazio geográfico”, ou seja, eram áreas desabitadas, desconsiderando a existência dessa população. Dessa forma, com a chegada desses empreendimentos, os mesmos destruíram grande parte dos recursos naturais do bioma cerrado, num processo extremamente violador de direitos, que acarretou em danos irreparáveis ao meio ambiente e às comunidades tradicionais geraizeiras da região. Com a perda do domínio de grande parte do território sobrevieram as consequências para as comunidades e o meio ambiente, como o secamento das nascentes; perda da liberdade e o encurralamento das famílias nas grotas; perda das áreas de solta de gado; diminuição das áreas de cultivo agrícola; as migrações sazonais, dentre outras. Mesmo com essa situação adversa as comunidades guardam traços e laços socioculturais e econômicos, que remetem às suas origens.
O objetivo dessa missão é produzir um relatório que trará as diversas violações de direitos sofridas pelas comunidades e, por fim, encaminhá-las para os diversos órgãos que tem o dever legal de proteger esses povos.
Foram realizadas reuniões nos três núcleos do Território, no núcleo do Tinguí nas comunidades de: Bosque, Bosquinho e no Tinguí, no núcleo de Josenópolis nas comunidades de Retiro e Curralinho e no núcleo do Lamarão nas comunidades de Miroró e Lamarão.
Dentre as principais denúncias apresentadas destacamos a grilagem de terras, a luta pela regularização do território, a monocultura de eucaliptos, contaminação das águas e do ar por agrotóxicos, falta de políticas públicas de acesso a saneamento básico, estradas e acesso à saúde, secagem das nascentes, linhas de transmissão, famílias criminalizadas em áreas do parque Estadual de Grão Mogol e a ameaça da mineração pela mineradora chinesa SAM Sul Americana de Metais.
Os desafios continuam gigantescos, as ameaças ainda se fazem presentes na vida e na luta do povo e se apresentam de variadas formas: mineração, termoelétrica, linhas de transmissão e a devastadora monocultura de eucaliptos, que se estende por grandes extensões das chapadas, formando um imenso deserto verde. Mas as famílias geraizeiras mantém viva a utopia e a esperança, e sonham que sua “terra de morada” não se torne somente “terra de negócio.” Apesar da morosidade do Estado que não dá celeridade nos processos já instaurados para a regularização fundiária do território, o povo Geraizeiro mantém viva a esperança que a regularização fundiária de seu território se torne, em breve, uma realidade que permitirá a reprodução social e cultural de seu modo de vida tradicional e que se perpetue para além dessa geração.
*Agente da CPT do Norte de Minas