Livro de Josué no Mês da Bíblia de 2022. Por Gilvander Moreira*

Em Minas Gerais, há mais de 25 anos, um grupo de biblistas do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI-MG)[2] publica anualmente um livrinho que busca ser um Texto-Base sobre o livro bíblico do Mês da Bíblia: setembro. Em 2022, todas as pessoas e comunidades cristãs são convidadas a refletir e a inspirar-se para a caminhada libertadora e ecumênica, especialmente no mês de setembro, sobre o livro de Josué. Já está publicado LIVRO DE JOSUÉ: luta pela terra, dom e conquista: Uma leitura do livro de Josué feita pelo CEBI-MG.

No nosso artigo “TERRA DE DEUS, TERRA DO POVO: DOM E CONQUISTA”, com o subtítulo “A luta para conquistar e partilhar a terra no livro de Josué e nos dias de hoje”, analisamos a luta pela terra e sua partilha entre os camponeses e camponesas, no livro de Josué, na Bíblia, e nos dias de hoje, tendo um olho na realidade do campesinato brasileiro na luta pela terra e outro olho no livro de Josué. Mostramos um pouco da luta pela terra nos dias de hoje e, após, apresentamos várias chaves de leitura para compreendermos a luta pela terra no livro de Josué como dom e conquista. Analisamos se os líderes da luta pela terra, segundo o livro de Josué, podem receber terra. Destacamos a visão mística da luta pela terra e o protagonismo das mulheres no volante da luta pela terra. Analisamos ainda duas questões: a) Que tipo de fé e que tipo de Deus fortalecem a luta pela terra? b) Josué foi mesmo o grande líder que coordenou todas as lutas pela terra em Canaã?

Iniciamos a reflexão com a luta pela terra nos dias de hoje.Em 2015, existiam no Brasil 9290 assentamentos de reforma agrária, em uma área de 88.269.706,92 hectares, com 969.640 famílias assentadas conforme dados do INCRA).[3] Também segundo dados do INCRA de 2015, o estado de Minas Gerais, entre 1986 e 2015, contava com 412 assentamentos para fins de Reforma Agrária, onde viviam 15.965 famílias assentadas, em 884.868,24 hectares de área. Isso representa 0,5% da reforma agrária necessária no Brasil, país-continente. Essa conquista exigiu mais de 40 anos de luta do povo camponês, milhares de ocupações de latifúndios que não cumpriam a função social, muita perseguição e mais de 2.000 lideranças camponesas martirizadas. Quanto aprendizado!

Segundo estatísticas cadastrais do INCRA, em 2014, o estado de Minas Gerais possuía como terras potencialmente públicas devolutas 13.398.101 hectares (22,8% do total), em sua maioria grilada por fazendeiros e principalmente por grandes empresas do agronegócio. Muitas terras foram concedidas a grandes empresas “reflorestadoras” (na verdade, eucaliptadoras) por meio de convênios firmados com o Governo do Estado nas décadas de 1970 e 1980. Ainda hoje, essas empresas estão na posse dessas terras públicas utilizando-as, exclusivamente, para a monocultura de eucalipto, mesmo estando vencidos muitos desses convênios.

Antes de ser invadido pelos portugueses, em 22 de abril de 1500, o povo brasileiro vivia em paz com a biodiversidade no nosso país, tendo de 8 a 40 milhões de indígenas falando, segundo estimativas, mais de 1200 línguas e com culturas altamente diversificadas. Mas, com a invasão portuguesa, iniciou-se aqui a Empresa Brasil. O objetivo foi, desde a chegada dos portugueses, explorar e sugar os bens naturais e, para isso, tornou-se necessário implantar a escravidão. Primeiro escravizaram os indígenas[4], mas com pouco sucesso. Então decidiram importar milhões de trabalhadores negros que foram arrancados da Mãe África, onde haviam nascido em liberdade.

Darcy Ribeiro, na obra O Povo brasileiro, noticia como os engenhos de cana-de-açúcar, a mineração e o cultivo nas monoculturas de exportação foram máquinas de moer vidas. A literatura de José Lins do Rego retrata a realidade das grandes fazendas que, aos poucos, ficaram de “fogo morto” com a mudança dos interesses do comércio internacional e a falta de competitividade. Isso inviabilizou os empreendimentos agrícolas de exportação dos grandes engenhos de cana-de-açúcar no Nordeste. Mesmo com a decadência, os senhores de terras, vivendo na cidade, continuaram cercando a terra e expropriando os camponeses.

Organizados nas Ligas Camponesas, a partir de 1955, sob a liderança do advogado Francisco Julião Arruda de Paula e com o apoio de militantes do Partido Comunista Brasileiro, durante mais de 10 anos, milhares de camponeses lutaram pela terra de forma aguerrida. O grito era: “Reforma Agrária, na lei ou na marra!” “As Ligas Camponesas tiveram crescimento expressivo até o início de 1964, quando já eram aproximadamente 2.181, espalhadas por 20 Estados da Federação”.[5] Entretanto, dependentes da atuação de sua cúpula, as Ligas foram exterminadas pelos generais por meio da repressão do golpe militar-civil-empresarial de 1964. Os Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs), que ganharam legalidade a partir de 1963, foram, em sua maioria, cooptados pelo Governo Federal mediante os benefícios do chamado “imposto sindical” e da administração do programa FUNRURAL.

A luta pela terra no Brasil, especificamente em Minas Gerais, vem desde o início da invasão do Brasil pelos brancos portugueses. Já são 522 anos de luta pela terra. Milhões de indígenas foram dizimados, mas muitos resistiram, como Sepé Tiaraju, “lutando pelo reconhecimento do regime comunitário de propriedade que fundamenta a sua existência tribal, a restauração da sua identidade social violentada e a afirmação de sua visão de mundo anticapitalista”.[6] Milhões de negros foram escravizados, mas muitos se rebelaram e formaram quilombos, como os liderados por Zumbi dos Palmares e Dandara, no final do século XVII. Movimentos populares messiânicos, tais como o de Antônio Conselheiro, em Canudos, de 1893 a 1897, na Bahia, e do monge José Maria, no Contestado de 1912 a 1916, no Paraná e Santa Catarina, também lutaram pela terra.

(Obs.: No próximo artigo, seguiremos esta reflexão).

Referência

CABRAL, Oswaldo Rodrigues. A Campanha do Contestado. 2ª edição. Florianópolis: Editora Lunardelli, 1979.

CLAVERO, Bartolomé. Derecho indígena y cultura constitucional en América. México: Siglo XXI, 1994.

LAUREANO, Delze dos Santos. O MST e a Constituição – um sujeito histórico na luta pela Reforma Agrária no Brasil.São Paulo: Expressão Popular, 2007.

MARTINS, José de Souza. Expropriação e violência: a questão política no campo. 3a edição. São Paulo: HUCITEC, 1991.

MONTEIRO, Douglas Teixeira. Os Errantes do Novo Século. São Paulo: Duas Cidades, 1974.

QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e Conflito Social (A guerra sertaneja do Contestado, 1912-1916). Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A, 1966.

SOUZA, Frederecindo Marés de. O presidente Carlos Cavalcanti e a revolta do Contestado. Curitiba: Lítero Técnica, 1987.

12/7/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Chaves de leitura do livro de Josué: Partilha da terra – Mês da Bíblia 2022. Por Ildo Bohn e CEBI/MG

2 – Bíblia, Palavra que Ilumina e Liberta. Dia da Bíblia, 30/9/21. Por Frei Gilvander, Irmã Ivanês etc

3 – Deram-nos a Bíblia. “Fechem os olhos!” Roubaram nossa terra. Xukuru-Kariri, Brumadinho/MG. Vídeo 5

4 – Filme PEDRA EM FLOR, de Argemiro Almeida, 1992. CEBs e Leitura Popular da Bíblia. Frei Carlos Mesters

5 – Frei Carlos Mesters entrevistado por frei Gilvander: Inspirações da Bíblia para sermos humanos

6 – COMUNIDADE, FÉ E BÍBLIA, Carmo Vídeo, 1995. Roteiro: Frei Carlos Mesters, Frei Gilvander e Argemiro

*Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG.

[2] Cf. www.cebimg.org.br

[3] Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

[4] Os direitos dos povos indígenas foram violados. CLAVERO, Bartolomé. Derecho indígena y cultura constitucional en América. México: Siglo XXI, 1994.

[5] LAUREANO, Delze dos Santos. O MST e a Constituição, p. 64.

[6] MARTINS, José de Souza. Expropriação e violência, p. 40.

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