Por que a Saúde precisa que Lula seja eleito

Para Outra Saúde, a eleição do candidato petista é o único caminho para que o SUS possa ser recuperado e reconstruído. Em entrevista, Rosana Onocko, presidente da Abrasco, ajuda a refletir sobre os rumos para uma Saúde mais igualitária

Por Gabriel Brito, em Outra Saúde

Rosana Onocko-Campos em entrevista a Gabriel Brito

O Brasil enfrentará, nos próximos 26 dias, um dos períodos mais decisivos da sua história. A extrema direita está fortalecida no Congresso Nacional e Jair Bolsonaro, embora com desvantagem de mais de 5 milhões de votos, não está derrotado. Outra Saúde, veículo parceiro da Frente pela Vida, reforça sua posição: a única maneira de evitar um desastre é eleger Luiz Inácio Lula da Silva presidente.

Bolsonaro, que hoje afirma ser responsável pela chegada das vacinas no Brasil, trabalhou ativamente para atrasar sua compra. Foi contra o isolamento social, o uso de máscaras e o auxílio emergencial – embora hoje use a política para se promover eleitoralmente. Acelerou o desmonte do SUS, com cortes no orçamento. Só no último mês, tirou dinheiro da Farmácia Popular, da Saúde Indígena, do DataSUS e do controle de câncer. Está inviabilizando a ciência brasileira.

O Brasil conta os dias para viver tempos menos brutais. Lula deve ser eleito, em 30 de outubro. Mas, a partir de 2023, ele terá um desafio monumental pela frente: além da persistência do bolsonarismo na política, terá de enfrentar todo o desmonte imposto ao Brasil por políticas feitas numa suspeita parceria entre o neoliberalismo e o neofascismo. Mas há de se refletir, desde já, de quais mudanças o SUS precisa.

O primeiro obstáculo é o financeiro, aponta Rosana Onocko-Campos, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, em entrevista ao Outra Saúde. Ela coloca o aumento do investimento no setor como necessidade incontornável diante do legado de morte e destruição deixado por Bolsonaro. “É preciso elevar o investimento em saúde para 6% do PIB ao longo dos próximos quatro, cinco anos. Isto é importante, é necessário”, frisa ela. “Conseguimos colocar a expansão do financiamento do SUS na agenda política num momento em que há consenso de muitos setores de que se deve revogar o teto de gastos e acabar com algumas desonerações fiscais”.

Expandir o SUS, questão reconhecida até por candidatos e analistas liberais, é a resposta urgente que o Estado deve dar. Uma sociedade civil disposta a lutar por melhorias práticas será aliada fundamental, até para afastar os ventos golpistas e privatistas. Mas habilidade política para encontrar as brechas possíveis à urgentíssima reorganização do país será necessária em doses superiores às aplicadas nas duas primeiras gestões de Lula. E entender o campo da saúde como estrada para pavimentar o rumo de um país mais digno e respirável será essencial.

Por fim, Lula também terá a tarefa de entender a saúde como parte de um projeto verdadeiramente desenvolvimentista, gerador de emprego e renda, pedra de toque de qualquer discurso de qualquer grupo político. “Vamos trabalhar muito nessa linha do complexo industrial, da inovação atrelada à questão da soberania nacional e da autonomia ao Brasil, que tem um bom parque industrial e conseguiria expandir e retomar produção de uma série de insumos estratégicos, além de outros que podem vir a ser desenvolvidos. Mas isso também precisa ser pensado de uma forma alinhada à questão da soberania”, afirma Rosana.

É necessário também pensar no futuro, em firmar bases para que possíveis novas gestões não consigam desmontar o SUS da maneira como foi feito nos últimos seis anos: “Precisamos ter uma equipe técnica concursada e estável. Se tem algum aprendizado é que devemos proteger e blindar esse ministério em futuros governos, pois Bolsonaro conseguiu paralisar e desconstruir o ministério da Saúde sem editar uma única lei. A situação da Anvisa evidenciou isso com muita clareza, mas, por conta da estabilidade e proteção a seus funcionários, pode tomar decisões mais independentes da vontade do governo”.

Lula e sua equipe de governo, que começa por um vice-presidente médico, precisam interpretar esse campo como altamente estratégico, tanto para salvar vidas, após um governo que fez da morte um experimento político de alta intensidade, como para satisfazer necessidades materiais básicas da população. E o papel do SUS na pandemia oferece uma efetiva cartada nesse sentido.

Leia a entrevista completa com Rosana Onocko Campos.

Quais são os principais desafios de políticas de saúde pública que o Brasil enfrentará a partir de 2023? Quais são as iniciativas mais urgentes que o SUS precisa?   

Os principais desafios passam pelo fortalecimento do SUS. O mais urgente de todos, com certeza, é equacionar a questão financeira para poder de fato aumentar os recursos federais do SUS. Também tenho insistido com algumas retomadas e correções de rumo que considero urgentes e extraordinárias. É importante que a gente possa ter alguns esforços extraordinários para dar conta das filas e do agravamento de algumas doenças crônicas, coisas que aconteceram durante a pandemia. E também devemos recuperar, restabelecer e organizar o sistema de forma superior ao que já existia.

Temos pela frente questões que são problemas crônicos do SUS, mas neste governo se agravaram. Precisamos retomar, por exemplo, o Plano Nacional de Imunizações. Outra questão fundamental é aumentar rapidamente a cobertura e resolutividade da nossa atenção primária e sua articulação nas redes de cuidado dos diferentes tipos de doença. Outro desafio, sem dúvida, é reverter os retrocessos que este governo instituiu no campo da saúde mental.

Enfim, é uma lista imensa de atividades e tarefas que o próximo governo vai ter de tocar, considerando ainda que estão aproveitando os últimos meses para destruir e rapinar tudo que puderem. Alerto que é bem preocupante a situação deste final de ano.

O ano de 2022 termina com renhidas disputas entre o setor privado de saúde e a sociedade, como se viu na questão da lei que derrubou o rol taxativo e a aprovação do Piso Nacional da Enfermagem. Como você acredita que se deve lidar com a chamada saúde suplementar no próximo período?

Essa pergunta é muito importante porque o tema será divisor de águas e somos enfáticos no assunto, como mostra o documento que fizemos para a Conferência Livre de Saúde, em favor de uma saúde democrática e popular, e trabalhamos cotidianamente no grupo Frente Pela Vida.

Nossa ideia é que o sistema suplementar seja de fato suplementar. Em termos demográficos ele já é suplementar porque a gente sabe que 75% dos brasileiros contam apenas com o SUS.

Mas dentro da Organização do SUS, por exemplo, uma grande parte da assistência hospitalar é terceirizada, seja pelas Santas Casas e hospitais filantrópicos, seja porque tem de ser comprada do setor privado. É muito importante equacionar isso. Temos ao longo dos últimos anos uma relação espúria do Estado brasileiro com o setor privado, de clientelismo, de um Estado contratista, coisa que está no seu espírito, na sua gênese. Precisamos mudar isso.

Por um lado, precisamos de uma agência que regule os planos, sem deixar as raposas cuidando do galinheiro, como nos últimos anos. Ao mesmo tempo, devemos desestimular o uso de planos privados através de estratégias que façam as pessoas abdicarem paulatinamente deles. Deveríamos acabar com os estímulos fiscais, como restituição do imposto de renda a quem faz uso de plano privado. Por outro lado, temos de ter planos concretos, projetos regionais e racionais de expansão da rede pública.

Não tem como fazer isto de Brasília e de maneira igual pra todo mundo, a gente precisa tanto de uma retomada como de uma organização regional da saúde. É necessário pensar que as regiões possam elaborar planos estratégicos, palavrinha muito usada e pouco cumprida. Pensar a questão da saúde pública de acordo com as características de cada região é um gargalo e temos de saber dos seus desafios e necessidades, adaptando-os e estudando de acordo com o perfil da população. Há regiões com populações mais jovens e regiões com populações mais envelhecidas, maior ou menor concentração demográfica, enfim, as coisas têm de ser desenhadas para cada região.

Como você viu as campanhas políticas, em especial a de Lula, no tema saúde? Dá pra dizer que algum candidato, ao menos entre os principais, apresentou um programa realmente satisfatório para o setor?

Nesse sentido, a Associação Brasileira da Economia da Saúde tem elaborado alguns trabalhos muito interessantes, com propostas concretas, tais como elevar para até 6% do PIB o gasto público ao longo dos próximos quatro, cinco anos. Isto é importante, é necessário. E penso que trouxemos uma grande novidade, conseguimos colocar isso na agenda do próximo governo através de nossas campanhas de fortalecer o SUS.

São soluções, num momento em que há consenso de muitos setores de que se deve revogar o teto de gastos, acabar com algumas desonerações fiscais. E, claro, precisamos de uma importante reforma tributária. O Brasil é um país muito desigual, com um dos regimes tributários mais regressivos do planeta.

Nesse sentido, como lidar com o Orçamento enviado pelo atual governo, que é menor que o de 2022 e contém reduções drásticas em vários aspectos estratégicos?

Acredito que a proposta orçamentária protocolada por Bolsonaro é uma das explicações para que as propostas dos candidatos, em geral, fossem muito genéricas. Mas reforço o convite para que todos leiam as 8 propostas que debatemos em nosso site. Lula e Ciro se sentiram compelidos a respondê-las, o que considerei muito bom, pois falaram claramente em fortalecer o SUS.

Qual o legado que ficará do governo Bolsonaro? Que ministério da Saúde o futuro governo encontrará?

O governo Bolsonaro não deixa nenhum legado bom no campo da saúde. É um governo que fez uma clara, claríssima, opção pela necropolítica, mistura de politicagem e morte, de iludir as pessoas, desencorajar medidas como uso de máscara, atrasar a compra de vacina. Se tem algum aprendizado é que devemos proteger e blindar esse ministério em futuros governos, pois Bolsonaro conseguiu paralisar e desconstruir o ministério da Saúde sem editar uma única lei. Fez tudo com medidas administrativas, canetadas que dão possibilidades de destruir o órgão por dentro, sem lei regulamentando algumas coisas porque o ministério da Saúde está amarrado a um monte de subcontrato do subcontrato, convênio do convênio…

Vimos um paradoxo: as agências têm tido concursos, mas o Ministério não. Precisamos ter uma equipe técnica concursada e estável. A situação da Anvisa evidenciou isso com muita clareza e, por conta da estabilidade e proteção a seus funcionários, pode tomar decisões mais independentes da vontade do governo. Eu diria que um aprendizado seria esse: precisamos de uma institucionalidade mais firme, melhor amarrada, para proteger a Saúde das mudanças de governo. A Saúde tem de ser cada vez mais política de Estado.

Por fim, e além da garantia do direito à saúde por si, é possível fazer da saúde uma aliada do processo de recuperação econômica e social do país?

Sim, temos pessoas que estudam o Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS) e têm comprovado que, sim, o dinheiro investido na saúde produz aumento e melhoria do PIB. A questão é que, quando falamos em defender o SUS, expandi-lo, rapidamente o setor privado se organiza para de novo abocanhar uma fatia importante de recursos.

Vamos trabalhar muito nessa linha do complexo industrial, da inovação atrelada à questão da soberania nacional e da autonomia ao Brasil, que tem um bom parque industrial e conseguiria expandir e retomar produção de uma série de insumos estratégicos, além de outros que podem vir a ser desenvolvidos.

Mas isso também precisa ser pensado de uma forma muito estratégica, alinhada à questão da soberania, de como o Brasil vai se repensar no cenário internacional e nas parcerias Sul-Sul. O Brasil poderia ser produtor e exportador desses insumos; hoje estamos comprando coisas da Índia, por exemplo. Temos condições de trabalhar no BRICS em relação a tais assuntos.

Por fim, é fundamental não dissociar tecnologia e inovação do próprio avanço nos direitos e usufrutos de uma cidadania plena.

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