Não há nas capas dos jornalões uma linha sobre a turba de Porto Belo, que expulsou da cidade um ministro do Supremo às 4h da madrugada de sexta-feira
por Moisés Mendes, em Folha da PB
Os jornalões, fingindo legalismos e temerosos de novas e perigosas pedaladas, mobilizaram seus comentaristas com alertas sobre a PEC da transição. Mas tente encontrar nas capas dos jornais das corporações a notícia que ajuda a resumir o Brasil do extremista alucinado grudado na dianteira de um caminhão.
Não há nas capas dos jornalões uma linha sobre a turba de Porto Belo, que expulsou da cidade um ministro do Supremo às 4h da madrugada de sexta-feira. Luis Roberto Barroso, amigos e a família foram cercados e expulsos de um restaurante, tentaram se proteger em casa, não resistiram e abandonaram o lugar sob escolta de policiais militares.
Está na capa do site do jornal catarinense Razão uma pergunta que funciona como afirmação e tenta fazer valer os argumentos dos agressores. O jornal diz estar surpreso com o fato de o ministro ter ido passear no Estado “epicentro das manifestações contra o resultado das eleições” e pergunta: “Por quê?”
O próprio jornal diz, como tantos outros, que a casa cercada é da família de Barroso. Outros dizem que ele “estava parando” na casa. Mas o que importa é a pergunta: por quê? Dono ou não da casa, o ministro é apresentado como forasteiro. O que uma autoridade da República, membro da mais alta Corte do país, foi fazer no ameaçador reduto do bolsonarismo?
A abordagem provinciana do jornal local e o desprezo pela pauta por parte dos jornalões cosmopolitas explicam o contexto e seus significados. Parte da imprensa catarinense acha que Barroso não deveria estar ali. E a grande imprensa nacional, preocupada com as pedaladas da PEC que vai garantir R$ 600 a pobres e miseráveis, finge não saber de nada.
É o cenário que temos. Jornalões agora dedicados ao fiscalismo da Faria Lima viram a cara para o horror ao lado do teto de gastos. Prosperam os adivinhadores da imprensa periférica tentando saber para onde caminhamos e qual será o real tamanho do fascismo, enquanto um ministro do Supremo é expulso de uma cidade no meio da madrugada.
Santa Catarina é mais do que o epicentro do golpismo. O Estado que mais bloqueou estradas é um território marcado por estigmas que vem fomentando há muito tempo. Os catarinenses terão de reagir à fama de que são condescendentes com grupos neonazistas e um reduto formador de líderes fascistas e golpistas.
A turba de Porto Belo afrontou todo o Supremo. Barroso foi chamado de comunista, lixo, vagabundo e ladrão. Mas a agressão foi dirigida ao STF e ao Judiciário. A nota da assessoria do ministro sobre o episódio não promete nenhum alento ao cidadão comum que já vem sendo agredido por ações violentas dos derrotados. Diz a nota que Barroso decidiu deixar o restaurante “para não causar transtornos aos demais clientes do local”. Depois, quando a manifestação diante da casa ameaçava fugir ao controle e tornar-se violenta, sua segurança chegou a considerar a hipótese de solicitar “o uso de força policial para dispersar a aglomeração”. Mas Barroso decidiu deixar o local “em respeito à vizinhança e para evitar confronto entre polícia e manifestantes”.
Para não constranger os frequentadores de um restaurante e os vizinhos e evitar violências, um ministro do Supremo recua e deixa o território entregue aos agressores. Em qualquer episódio semelhante, documentado pela História e abordado pela literatura e pelo cinema, o recuo é tático. Esperamos que tenha sido. A cidade precisa ser recuperada, muito mais pelos próprios moradores do que pelas autoridades.
Mas não haverá a retomada do Brasil sem a imposição das instituições.