Coletivo LGBTI da Via Campesina Brasil realiza segunda edição de Seminário, que reuniu mais de 60 pessoas de diferentes nacionalidades, em Guararema (SP)
por Mário Manzi, em CPT
Entre os dias 03 e 06 de novembro de 2022, mais de 60 pessoas de oito nacionalidades diferentes, participaram do 2ª Seminário Diversidade Sexual e Identidade de Gênero na Via Campesina Brasil, que teve como tema “LGBTI+ La Via Campesina: Colorindo territórios e semeando orgulho e resistência!”
A segunda edição do seminário, desta vez presencial, foi realizada na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP). A atividade é um dos resultados de um extenso processo de construção coletiva de discussões, formações e encontros. Participaram representantes de dez organizações, movimentos sociais, além de povos e comunidades tradicionais de Brasil, Argentina, Colômbia, México, Nicarágua, Paraguai, Peru e Alemanha.
Dentre as discussões abordadas pela programação constaram os desafios dos povos do campo, das águas e das florestas na construção de um projeto de campo com produção de alimentos e relações humanas saudáveis; saúde LGBTI+; Patriarcado, racismo e capitalismo e o desafio da luta decolonial, não binária e anti-LGBTifobica na América Latina; Território, orgulho e resistência LGBTI+ no campo; orientação sexual, identidade de gênero e interconexões com a luta de classes.
Para garantir a efetividade das discussões, o evento disponibilizaou tradução simultânea durante as falas. O seminário também se constituiu como momento de partilha de experiências, bem como uma ocasião para apresentar os materiais produzidos pelo Coletivo LGBTI+ da Via Campesina e pelas organizações. Destacou-se, no material pedagógico distribuído às pessoas participantes, uma cartilha específica do evento, que trouxe a linha histórica de formação do Coletivo.
O início do seminário foi dedicado à acolhida das pessoas participantes. Em seguida foi apresentada uma análise de conjuntura nacional e internacional, com ênfase na exposição dos desafios para povos do campo, indígenas e quilombolas na construção de um projeto de com produção de alimentos e relações humanas saudáveis.
Kelli Mafort, da coordenação nacional do MST falou sobre a importância do seminário neste contexto político. “Garantir um encontro como esse é um grande ato de consciência. Ser quem a gente é, nessa conjuntura, bate de frente com o que é proposto por essa face extremista da sociedade. Alegria é parte da nossa resistência”, destacou.
Acerca do avanço da direita, por meio de artifícios narrativos, Symmy Larrat, presidenta da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), especificou que “defesa da família, da moral e dos bons costumes, e vencer o comunismo, são usados como argumentos dessa narrativa fascista, que traz a nossa vivência [LGBTQIA+] como principal inimigo para ser derrotado”.
Ao longo da discussão sobre a conjuntura política, Rita von Hunty, drag queen intepretada pelo professor Guilherme Terreri, deu destaque à necessidade de um enfrentamento por meio do encantamento. “É urgente que nós, enquanto esquerda, façamos uma política que encante, uma política anti-capitalista. Precisamos pensar como oferecer narrativas que façam frente à narrativa de fim de mundo”, concluiu.
Luta e Acolhida
“Somos nós que defendemos as famílias, todas as famílias!”. Gahela Tseneg Cari Contreras, trans afroandina indígena do Peru, em sua fala, contrapôs o argumento discursivo moral, utilizado como ferramenta de exclusão das pessoas LGBTI, ao afirmar que o processo de acolhida de todas as pessoas, a despeito do preconceito como base, independente de orientação sexual ou identidade de gênero, e culmina na proteção familiar, ao entender a construção do núcleo social, que é a família, a partir da perspectiva da inclusão e do afeto.
Questão racial
As mesas dedicaram-se com afinco às discussões que atravessam as existências de pessoas LGBTI. O racismo foi uma das questões analisadas, destacando-se a fala de Rosa Negra, da coordenação pedagógica da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF). “Não tem como discutir a questão agrária no Brasil sem discutir a questão racial, porque há uma desigualdade gigante na distribuição de terras”, concluiu Rosa.
As lógicas capitalistas também foram consideradas nas análises. Como descreve Rosa, “não tem como discutir a questão agrária no Brasil sem discutir a questão racial, porque há uma desigualdade gigante na distribuição de terras”.
Cony González, da Organização de Mulheres Campesinas e Indígenas (Conamuri) do Paraguai, seguiu a fala, dando continuidade à mesma relação entre a patriarcalidade e o controle dos corpos. “No sistema patriarcal meu corpo como mulher deve ser um corpo destinado ao trabalho reprodutivo, assim mesmo como o corpo dos hombres deve ser um corpo produtivo”, afirmou.
Débora Lima Gomes, da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) ressaltou a importância das mulheres, da juventude e das pessoas LGBT na luta pela terra. “A linha de frente de luta pela terra, são as mulheres, é a juventude, são as LGBT. E muitas vezes é invisibilizado. Não importa para onde eu vá, meu corpo LGBT vai comigo”, concluiu.
Luana Oliveira, do MST e do Coletivo LGBTI da Via Campesina, no mesmo sentido, falou sobre as ameaças que se impõem sobre pessoas negras, mulheres e LGBTIs mesmo no contexto dos movimentos sociais e da Via Campesina. “A gente tá lidando com relações humanas, a gente tá lidando com corpos diversos, não somos uma ilha. A via Campesina enfrenta também o perigo do racismo, do machismo, da LGBTIfobia. Enquanto humanos atravessados por estas várias opressões do Capital, precisamos pensar a transformação social na Reforma Agrária Popular para produzir relações humanas saudáveis, para além de alimentos saudáveis”.
Representante da Mídia Índia e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Erisvan Guajajara expôs a necessidade de incidir politicamente por meio da proposta de “Bancada da Terra”. “O Brasil tem uma dívida histórica com os povos indígenas e o povo negro. E estamos reconstruindo nossa história. Estamos em parceria com os movimentos populares para construir a bancada da terra, para fazer frente a bancada ruralistas”, explicou.
A relação da questão da terra com os processos históricos foi abordada por Vinícius Oliveira, do MST. “A terra é nossa materialidade essencial e comum, luta que nos conecta enquanto povo. Processos históricos que vão se constituindo nos territórios são pautados numa estrutura de violência”, ressaltou.
Estratégias de proteção
A saúde LGBTI também foi debatida no seminário. Beto de Jesus, diretor e representante da Aids Healthcare Foundation (AHF) no Brasil explanou sobre a “Proteção Combinada”, que conjuga estratégias comportais e biomédicas para prevenir as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Beto explicou sobre diferentes tratamentos para o HIVe sua prevenção, ao falar do uso de preservativos, lubrificantes e das Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e Profilacia Pós-Exposição (PEP). O processo de acolhida e de entender e não atribuir juízos de valor sobre as práticas sexuais da população LGBTI também foram ponto da explicação.
Sem LGBTI não há revolução
Dê Silva, do Coletivo LGBTI da Via Campesina, ressaltou a necessidade de visibilizar a importância das discussões sobre gênero e sexualidade, no processo de enfrentamento ao capital e as opressões que o acompanham. “Quando pensamos em uma revolução, pensamos para um conjunto social, e devemos pensar em uma construção coletiva para atingir nossos ideais e um mundo melhor para todes. Não há território livre se tem território com homofobia, machismo e outras formas de opressões, devemos pôr a mão na engrenagem para dizer que existimos e precisamos participar desses processos de transformações sociais”, finalizou.
Dados e plano de ação
Os resultados do LesboCenso foram apresentados no Seminário por Léo Ribas e Dayana Brunetto, ambas da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL). O estudo reúne informações sobre “autoidentificação, trabalho, educação, saúde, relacionamentos, relações familiares e redes de apoio que as lésbicas e sapatão possuem nas diversas regiões do país”. O projeto é realizado nacionalmente pela Associação Lésbica Feminista de Brasília, a Coturno de Vênus, em conjunto com a LBL, e tem como objetivo “alterar o cenário de subnotificações de crimes, violação de direitos e da falta de políticas públicas específicas para lésbicas e sapatão”.
O último dia do Seminário foi dedicado à definição e a socialização das linhas políticas dos movimentos e do Coletivo LGBTI da Via Campesina. À ocasião foram tratadas também as ações e atividades que devem ser realizadas.
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Foto: Emilly Firmino