Hutukara pede investigação para crime de ódio contra yanomami em Boa Vista

Por Kátia Brasil e Felipe Medeiros, da Amazônia Real

A Hutukara Associação Yanomami (HAY) divulgou um comunicado na tarde deste sábado (12) classificando como “a sangue frio” e “crime de ódio” o ataque a tiros contra um grupo de indígenas yanomami acampados na avenida Venezuela próximo a Feira do Produtor, no bairro São Vicente, na zona sul de Boa Vista (RR). Segundo testemunhas, por volta das 19h (20h em Brasília) de sexta-feira (11), dois homens em uma bicicleta passaram pelos indígenas atirando. Uma mulher yanomami, mãe de um bebê, morreu após ser atingida por dois disparos de arma de fogo na cabeça. Um indígena, não identificado, foi ferido nos braços e está internado no Hospital Geral de Roraima. O estado de saúde dele é estável.

Em nota à imprensa, a Polícia Militar informou que registrou o caso como homicídio no 3º Distrito Policial para investigação da Polícia Civil. Não há informações sobre os criminosos.

“Depois que eles efetuaram os disparos, entraram na feira do produtor, abandonaram a bicicleta e fugiram”, diz uma testemunha à Amazônia Real.

No local do ataque, segundo o jornal Folha de Boa Vista, foram encontradas cápsulas de calibre 9 milímetros. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) esteve no local e atestou a morte da mulher yanomami. Em respeito à cultura, a HAY não divulgou o nome dela e nem da pessoa ferida.

“As autoridades precisam investigar com diligência os responsáveis pelos ataques e o que os motivou. A disposição em assassinar indígenas de passagem pela cidade, reunidos pacificamente em local público, configura crime de ódio e deve ser investigado como tal”, disse a nota da HAY, entidade dirigida por Dario Yanomami, filho do líder Davi Kopenawa.

De acordo com outra testemunha, ataques são comuns contra indígenas e refugiados venezuelanos, em Roraima.

Por medida de segurança, o grupo de yanomami atacado foi retirado da rua e levado para um local não identificado. Não há informações de quantos indígenas estão no grupo.

O grupo de yanomami atacado em Boa Vista pertence à região do Ajarani, no sul de Roraima. Há muitos anos, pessoas dessa região, principalmente da aldeia  Xexena, localizada ao Leste da Terra Indígena Yanomami, se deslocam do território para cidades como Caracaraí, Mucajaí e Boa Vista. O motivo são os impactos que sofreram pelo contato com não-índios em 1970, durante a construção da perimetral Norte (BR-210), “que avançou mais de 100 km pelas terras tradicionais dos Yanomami”.

Atualmente os yanomami também são impactados na saúde, educação e degradação ambiental por causa da invasão dos garimpeiros. A Terra Indígena Yanomami tem 9.664.975 hectares e está localizada entre os estados do Amazonas e Roraima. São 380 comunidades e uma população de mais de 26 mil  pessoas. A reportagem acompanhou um grupo da aldeia Xexena na cidade durante a pandemia, em 2020. Leia aqui.

“A presença do grupo de yanomami que foi alvo de ataque na cidade [de Boa Vista] tem sido constante motivo de queixas preconceituosas contra os mesmos, ignorando não só a situação de vulnerabilidade a que ficam sujeitos quando estão na cidade, como também alimentam a discriminação contra os indígenas em razão de suas particularidades culturais e modos de vida”, destacou a Hutukara e outro ponto do comunicado, que destaca:

“Não é admissível que a cidade, capital do estado de maior presença de indígenas em relação ao total da população, permaneça como lugar de hostilização e ataques contra indígenas que nela circulam. Ao contrário, a Funai e demais órgãos públicos precisam criar condições para que este e outros grupos de passagem tenham um local de referência com boas condições para recebê-los durante sua estadia na cidade enquanto encaminham questões de seu interesse”.

A reportagem da Amazônia Real procurou o Ministério Público Federal, órgão responsável pela defesa e proteção dos indígenas em casos de crimes contra as etnias. O MPF disse que “por ser fim de semana, as equipes de plantão (assessores e procuradores) atuam apenas em casos urgentes previstos em lei. Assim, não seria possível levantar essas informações. De qualquer forma, caso haja uma investigação em curso, o MPF não se manifesta sobre investigações em curso, se posicionando apenas quando da conclusão da mesma, momento em que há a apresentação de denúncia ou pedido de arquivamento”.

Procurada pela reportagem, a Delegacia Geral de Homicídios de Roraima informou que no exame cadavérico da mulher yanomami consta que ela foi alvejada por disparo de arma de fogo na cabeça. A vítima não portava documento de identidade. O corpo se encontra na câmara do Instituto Médico Legal (IML). A reportagem não localizou funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) para se pronunciar sobre o ataque aos indígenas yanomami, em Boa Vista.

O Conselho indígena de Roraima (CIR) divulgou uma nota de repúdio “a mais esta violência contra a população indígena que sofre e vem sofrendo com inúmeras perdas desde crianças a mulheres e homens”. “Corroborando assim com a nota da HAY – Hutukara Associação Yanomami, pedindo uma investigação minuciosa sobre mais este caso, que não deverá e nem pode ficar impune, pois uma criança está órfã e uma família perde um de seus membros em um ato covarde e sem precedentes, novamente a um povo que saiu de suas terras devido ao contato forçado com invasores e garimpeiros onde perderam parte de suas terras, e sua Territorialide ancestral”.

A deputada federal Joenia Wapichana (REDE/RR), que está no Egito participando da COP27, se pronunciou em sua rede social dizendo que solicitou ao Ministério da Justiça, a Polícia Federal e ao Conselho de Direitos Humanos da Câmara Federal apuração e providências imediatas. “Não podemos normalizar a violência contra os povos indígenas e os Yanomami que, constantemente, estão sendo atacados. Basta de violência e morte!”

Uma indígena morreu com tiros na cabeça após dois homens, em uma bicicleta, dispararem contra o grupo acampado próximo a uma feira da capital de Roraima. Imagem de yanomami da aldeia Xexena na rua (Emily Costa/Amazônia Real/2020)

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