Em nota divulgada no dia 15 de novembro, durante a realização da COP 27, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas (CONAQ) convocam a União Europeia para ampliar a sua lei contra o desmatamento e inclua não apenas florestas tropicais em suas medidas, mas também o Cerrado.
Um novo projeto de regulamento está sendo debatido no parlamento Europeu para impedir a importação de determinadas matérias-primas e produtos provenientes de áreas desmatadas. A lei, entretanto, compreende apenas a Amazônia, ao citar florestas e não considerar outros ecossistemas e biomas, como o Cerrado, de onde vêm 65% das importações europeias de soja e carne bovina.
Durante o período 1990-2008, a UE foi responsável, através de suas importações, por cerca de 36% de todo o desmatamento incorporado nos produtos agrícolas e pecuários comercializados internacionalmente. A Espanha se destaca como um dos países com maior responsabilidade por essa tendência destrutiva, sendo o terceiro maior importador de desmatamento no período 2005-2017.
Leia a nota na íntegra:
Nós da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas (CONAQ) ressaltamos a nossa posição em defesa de todos os ecossistemas naturais do Brasil. É de extrema relevância que as negociações climáticas levem em conta florestas, mas também savanas, campos, áreas úmidas e todas as diversas expressões da natureza ao redor do mundo. Essas paisagens também contribuem para a luta contra a mudança do clima e fazem parte de soluções para um mundo com mais sustentabilidade, inclusão e justiça social.
Nós instamos à União Europeia a tomar as medidas necessárias urgentes para prevenir o desmatamento importado a partir de florestas, e também o desmatamento importado de outras áreas arbóreas nativas. Isso é crucial no contexto do Cerrado, uma vez que a maior parte da soja exportada para a União Europeia é produzida neste bioma tão ameaçado.
O Cerrado não é área degradada, é a savana mais rica do Planeta. É casa de centenas de povos, culturas e territórios indígenas, quilombolas, geraizeiros* e outras populações e culturas tradicionais. Também é a maior fronteira agrícola do mundo e de maior impacto da soja importada na Europa. Ferramentas de monitoramento já estão disponíveis para garantir a proteção do Cerrado – é só ter vontade política! O mesmo vale para todos os outros ecossistemas naturais que não são florestas: Pampa, Pantanal, Caatinga e também Mata Atlântica.
Se a regulação europeia contra o desmatamento se restringir apenas a proteger florestas, ela terá um impacto muito limitado, já que cerca de 75% do Cerrado continuariam desprotegidos. Também 76% do Pantanal e dos Pampas e quase 90% da Caatinga. Além disso, a regulação europeia ainda teria um efeito perverso, pois aumentaria a pressão de destruição sobre esses ecossistemas e seus povos. Em última instância, ao restringir-se a florestas, a regulação europeia contra o desmatamento teria o efeito contrário do seu objetivo original. Portanto, essa lei precisa também incluir áreas de “outras áreas arbóreas nativas” (savanas primárias), e não apenas florestas nativas.
Isso permitiria aumentar a proteção do Cerrado de 26% para 82%, do Pantanal de 24% para 42% e da Caatinga de 11% para 93%. O Cerrado brasileiro está perdendo quase um milhão de hectares a cada ano, e essa destruição está aumentando. Uma eventual revisão da lei a ser discutida daqui a 2 anos não vai evitar a perda de milhões de hectares de ecossistemas valiosos, a emissão de milhões de toneladas de carbono, nem as agressões violentas a centenas de territórios e povos tradicionais. Por isso, reiteramos o nosso pleito:
A LEGISLAÇÃO EUROPEIA SOBRE DESMATAMENTO DEVE GARANTIR OS DIREITOS HUMANOS DE TODOS OS POVOS INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E TRADICIONAIS E CONTEMPLAR TODO O CERRADO E OUTROS ECOSSISTEMAS NATURAIS DESDE JÁ, INCLUINDO “OUTRAS ÁREAS ARBÓREAS” NATIVAS E PRIMÁRIAS NO ESCOPO DO TEXTO DE LEI A SER APROVADO AINDA NESTE ANO.
Para detalhes técnicos sobre esse tema, acesse os seguintes documentos:
● Nota APIB 09/07/22
https://apiboficial.org/2022/09/09/apib-pede-garantia-dos-direitos-indigenas-e-inclusao-de-todosos-biomas-na-lei-anti-desmatamento-da-ue/
● WWF call for a more ambitious EU legislation, including Other Wooded Lands
https://www.wwf.org.br/?82870/Call-for-a-more-ambitious-EU-regulation-on-deforestation-free-products-including-other-wooded-lands
● Manifesto para o fim imediato do desmatamento para o nosso futuro de 1,5o:
https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2022/11/Manifesto-DCF-PT-1.pdf
● Carta dos Povos do Cerrado à União Europeia:
https://ispn.org.br/uniao-europeia-pode-vetar-importacoes-ligadas-ao-desmatamento/
● Nota Técnica da Rede Mapbiomas sobre Impactos Potenciais do Critério de Devida Vigilância da
União Europeia sobre ecossistemas não florestais (versão atualizada 07.07.2022)
https://mapbiomas-br-site.s3.amazonaws.com/Nota%20T%C3%A9cnica/Nota_T%C3%A9cnica_UE_07.07.2022.pdf
● Grande Sertão Ameaçado: quem são os geraizeiros que defendem o Cerrado
https://www.brasildefato.com.br/2020/12/11/grande-sertao-ameacado-quem-sao-os-geraizeiros-que-defendem-o-cerrado
● COP27: cerrado desmatado pode reduzir águas nos rios em 1/3 e afetar geração de energia, indica estudo https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63562381
● Cerrado pode perder um terço da água, aponta estudo
https://ispn.org.br/cerrado-pode-perder-um-terco-da-agua-aponta-estudo/
Egito, Sharm el Sheikh, 15 de Novembro de 2022
ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB
COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS E QUILOMBOLAS (CONAQ)