Perspectivas democráticas e os desafios da questão racial na luta pela Reforma Agrária Popular

Por Rosa Negra, Mara Santos e Gladys Oliveira*, na Página do MST

“Viemos cobrar a miscigenação forçada”

“Cobrança” – Aracy Cachoeira.

Esses dias pós celebração da vitória do último pleito eleitoral temos vivido uma sensação de alívio, análises projetivas, sorrisos firmes e a convicção que se fortalece sobre estar do lado certo da história, agora do lado de quem venceu respeitando as regras do jogo. E isso é próprio de quem defende “a alegria como uma trincheira”, como aprendemos nos versos de Benedetti e de tantos outros e outros poetas que nos ensinaram a querer a vida pela vida e nada mais. Não há dúvidas de que é preciso comemorar, extravasar, enaltecer essa vitória, mas, precisamos nos atentar que esse não deve ser o ponto final e sim o ponto de partida. Sem reforma agrária e com racismo não tem democracia. Não basta uma vitória nas eleições, ela precisa se efetivar em um projeto popular.

Temos a expectativa que seja o fim de um ciclo de uma série de retrocessos e desmontes de políticas públicas, conquistadas com muita luta, pelo conjunto das nossas organizações. O ideário ultraconservador instaurado desde o golpe contra a presidenta Dilma nos colocou numa realidade caótica. Enfrentamos um período de sistemáticas perseguições e desmoralização da pauta dos direitos humanos, e, por consequência, a questão étnico-racial. Tudo isso fortaleceu um campo conservador de viés fascista, em que prevalece a ideia de negação da existência do outro, de toda e qualquer oposição à sua ideologia e perspectiva histórica.

Sabemos que, no Brasil, isso implicou e implica na manutenção do privilégio de classe, raça e gênero, não por acaso, assistimos estarrecidas e estarrecidos, os ataques que partiram desde os órgãos governamentais, mas não só, também contou com a contribuição de grupos civis de apoio e sustentação aos ideários racistas, bolsonaristas. Além disso, a perseguição, os assassinatos de lideranças, principalmente não brancas, públicas ou não, vide o genocídio da juventude nas periferias do nosso país, além dos casos simbólicos como o de Marielle Franco, Bruno e Jonh, entre outras e outros.

Somando-se ainda o sucateamento de instituições que tinham a finalidade de instituir e organizar políticas públicas para a maioria desse segmento populacional, como a Fundação Cultural Palmares (FCP), Instituto Nacional de Colonização Agrícola (INCRA), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), instituições oficiais geradoras de políticas públicas que contribuem no combate ao racismo estrutural e os seus efeitos em nossa sociedade.

Tudo isso nos chama a atenção, de forma irremediável, do quanto o racismo, em sua vertente fundiária e o patriarcado estruturam o capitalismo. Do ponto de vista de quem constrói a luta pela reforma agrária popular no Brasil, compreendemos que somos atravessadas e atravessados por essas dimensões do racismo. No caso do racismo fundiário, que pode ser percebido desde os despejos truculentos aos ataques às lideranças, territórios indígenas e quilombolas, na destruição ambiental e também no impedimento ao acesso à terra.
Os dados apresentados pelo último censo agropecuário de 2017 revelam que, as pessoas negras controlam apenas 28,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários (menos da metade da proporção de negros na população rural – 61%) e os brancos controlam 59,4% (sendo que estes são 36,3% da população rural).

Esta é uma das contradições, em que as grandes extensões de terra no nosso país estão nas mãos das pessoas que são, em sua maioria, homens brancos, que exercem o poder econômico, reproduzindo assim a herança colonial.

Por essa razão, consideramos em nossas leituras que a classe trabalhadora não é homogênea, ela tem gênero, raça e etnia. Isso implica no fato de que são as mais atingidas pelas perdas de direitos e retrocessos no último período. Por isso, precisamos estar “atentos, atentas e fortes”. Aprendemos na luta pela defesa e manutenção da Democracia brasileira que essa construção/ reconstrução só será possível se partirmos de políticas estruturantes, reivindicatórias e combativas de caráter antirracista.

Esse novo tempo que se avizinha, fruto de muita disponibilidade de luta e intervenção de nossos movimentos populares, tivemos uma atuação decisiva na derrota do desgoverno bolsonarista e, portanto, a vitória da candidatura Lula deve incidir no sentido de colocar a questão racial de forma transversal na centralidade da pauta política.

Acreditamos que estes sejam novos tempos a serem inaugurados na política gestora brasileira, neste sentido, precisamos construir conjuntamente, políticas públicas capazes de incidir e construir ações que possibilitem superar as marcas do racismo em nossa sociedade a curto, médio e longo prazo.

“É tempo, sobretudo, de deixar de ser a eterna vanguarda de nós mesmos”. Nessa campanha compreendemos que devemos continuar nas redes, mas é preciso estar nas ruas, se propor ao contato visual pois, o olho no olho, importa! o diálogo, importa! compartilhar vivências de luta e de construção de dias melhores, importa! E isso não se faz sem trabalho de base e organização popular.

Enfim, precisamos entender que a nossa aposta deve ser organizada com vistas a fortalecer nossas organizações e movimentos. Construir na perspectiva da unidade das lutas conjuntas, organizando espaços de formação com temáticas relacionadas à questão racial, incidir na batalha das ideias, em prol das nossas bandeiras de luta, pois, “é tempo de aquilombar” na luta pela terra, na defesa de nossos territórios e do meio ambiente.

Grupo de Estudo Terra Raça e Classe – GTREC

*Maria Rosineide Pereira (Rosa Negra), militante do MST, CPP da ENFF e doutoranda em geografia – USP.
Maria José Santos (Mara), militante do MST e mestranda em Geografia e Desenvolvimento Territorial na América Latina – UNESP.
Gladys Cristina de Oliveira, militante do MST e mestranda em Geografia e Desenvolvimento Territorial na América Latina – UNESP.

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