Para entender a destruição da ciência por Bolsonaro

Documentário Ciência à Deriva expõe o desastre da gestão do último governo para a produção científica brasileira. Do desfinanciamento à fuga de cérebros e a falta de dinheiro até para pagar a limpeza. Lula ousará dar uma grande virada?

Por Gabriel Brito, no Outra Saúde

No dia 16 de fevereiro, o presidente Lula anunciou aumento de 40% nas bolsas de pós-graduação do Capes e do CNPq, após um arrocho implacável sobre os pesquisadores brasileiros. Sem aumento durante anos, o valor de seus pagamentos mal atingia dois salários mínimos e muitos abandonaram carreiras, ou até o próprio país, que viveu uma fuga de cérebros comparável somente à época da ditadura militar.

É sobre este contexto dramático que Tiago Rodrigues e Rudolfo Lago, jornalistas do site Congresso em Foco, trataram no documentário Ciência à Deriva, disponibilizado no Youtube nesta semana. Produzido nos meses finais do governo Bolsonaro, o filme é uma boa síntese de uma das dimensões do deliberado desmonte do Estado brasileiro, neste caso, no campo da ciência, tecnologia e inovação.

“O marco do filme é o encontro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em setembro de 2022, à luz do bicentenário da independência. A ideia central do encontro foi a de que um país que não produz sua própria tecnologia e ciência nunca será 100% independente. Será dependente da ciência e da tecnologia dos outros, o que ficou patente na pandemia e foi reforçado pela cultura negacionista do governo Bolsonaro”, explicou Lago ao Outra Saúde.

Curto e grosso, o filme traz depoimentos de figuras proeminentes da ciência e da educação brasileira, que ofereceram seus testemunhos sobre como foi viver a universidade pública num país governado por negacionistas e aloprados como Abraham Weintraub, ministro da Educação cuja passagem ficou marcada, além do desfinanciamento, por ataques verbais sistemáticos à comunidade universitária.

“Projetos que fazem a universidade se encontrar com a sociedade, como alguns relativos a crianças com síndrome de down e população idosa, foram encerrados. A mesma política que distribuiu bilhões pelo chamado orçamento secreto sucateava universidades e suas ações que atingem o todo social”, explicou o infectologista Pedro Hallal, um dos entrevistados do filme.

Como enfatiza-se, a pandemia apenas aprofundou um quadro de desmonte, que por sua vez dramatizou a dependência externa do Brasil, que durante a pandemia se mostrou incapaz de produzir insumos básicos para a proteção das pessoas. Não bastasse isso, o orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia foi um financiador direto dos esquemas de governabilidade de Bolsonaro, que tirou bilhões aprovados em orçamento ao programa para entregar a sua base de apoio, como mostrou Outra Saúde.

“Chegamos a tal nível, como dito no documentário pelo ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, que se não houvesse pandemia e suspensão do ensino presencial as universidades parariam, pois não teriam condições de pagar seus custos correntes. E no meio disso estudantes iam embora do país, diante do valor baixo de financiamento de pesquisa, pós-graduação etc.”, destacou Lago.

Dessa forma, o documentário também entra em uma consequência fundamental do sucateamento: a diáspora acadêmica, isto é, a chamada fuga de cérebros. “Levamos até 10 anos pra formar um doutor. E estamos perdendo essas pessoas para outros países, que as recebem totalmente preparadas para exercer suas profissões”, lamentou Breno Amaro, que relata a queda do número de bolsistas no Instituto de Química da Universidade de Brasília.

Por fim, o filme é expressão de uma resistência que jornalistas e toda uma cidadania afetada pela necropolítica bolsonarista puderam fazer durante esses anos. Uns e outros terão marcada para sempre a experiência de viver quatro anos de um avanço neofascista sobre a sociedade brasileira e que ainda visa impor uma versão atualizada da ditadura militar.

“Do ponto de vista jornalístico, foram quatro anos bem difíceis de viver em Brasília. O presidente sempre teve uma atitude beligerante com a imprensa e as relações foram sempre se esgarçando. Se houve algum diálogo no início, praticamente desapareceu no final. Assim, claro que o exercício jornalístico foi difícil.  Na academia, indo às universidades, vimos de perto o desespero. Em especial ali, os cortes não prejudicavam só a produção científica e acadêmica; impediam que se pagasse até o pessoal da limpeza. Esse cotidiano levou as pessoas ao desespero”, contou Rudolfo Lago.

Apesar da barbárie do governo anterior, a democracia brasileira sobreviveu. Seus desafios seguem imensos e colocar as benesses do desenvolvimento a serviço de seu povo é a chave para sua garantia futura, como resume um dos dois diretores do filme. “Espero que o novo governo dê uma virada. O Brasil nunca deu a devida importância à ciência, mesmo antes de Bolsonaro, e espero que comece a dar. É a mensagem do filme”.

 

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