Invasão de búfalos em terra indígena em São Sebastião (SP) será julgada por Justiça Estadual

Bois e búfalos andam há 30 anos por uma área da TI Ribeirão Silveira, atingida pelas chuvas de fevereiro no litoral paulista; sócios da Alemoa Imóveis, que se recusa a retirar os animais, também atuam com terminais portuários em Santos

Por Luís Indriunas, em De Olho nos Ruralistas

A Terra Indígena Ribeirão Silveira, próxima de Barra do Una, no município de São Sebastião (SP), foi invadida há três décadas por uma família de especuladores imobiliários da Baixada Santista. A família Menano cria búfalos no território Guarani e em área de transição para a Unidade de Conservação Serra do Mar. Prestes a finalmente ser executada, após anos de protelação, a ação sofreu uma nova reviravolta, com a transferência do competência para a Justiça Estadual.

Em 2020, a Justiça Federal havia decido pela retirada dos animais. A empresa Alemoa Participações e seus sócios conseguiram adiar a sentença, sob o argumento da pandemia. No dia 1º de março, o juiz  federal Carlos Alberto Antonio Junior, de Caraguatatuba, declarou-se incompetente e passou o caso para a Justiça de São Paulo, apesar de envolver terras indígenas — atribuição federal. Oito dias depois, no dia 09, o Ministério Público Federal recorreu.

Apenas em 2012 foi feita uma vistoria pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Cinco anos depois, em 2017, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou a Alemoa Participações e seus sócios: João Frederico Feijão Monteiro Mexia Santos, João Jose Mascarenhas Mexia Santos, João Paulo Antunes Dos Santos Menano, Antonio Maria D Orey Menano, José Paulo D Orey Menano e Rosa Maria Delfim Da Silva Novita pelos crimes de invasão de Unidade de Conservação e danos à vegetação.

Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) mostram que a empresa tem 20,59 hectares sobrepostos à TI Guarani do Ribeirão Silveira. E reivindica outros 2.500 hectares. Na denúncia, além dos búfalos, haviam sido construídas edificações sem autorização. Os danos, segundo o Ministério Público,  aconteceram a 3 mil metros de uma das cinco aldeias da T.I. e a 3,4 mil metros de um cemitério indígena.

A decisão do juiz federal de sair do caso tem como pano de fundo a ampliação da terra indígena, que está empacada no Supremo Tribunal Federal (STF). Dos 948,4 hectares atualmente regularizados como Terra Indígena Guarani do Ribeirão Silveira, os povos que vivem na área haviam conseguido a declaração de 8.468,93 hectares em 2008, simplificando o nome para Terra Indígena Ribeirão Silveira.  Em 2010, a então ministra Ellen Gracie concedeu liminar suspendendo a ampliação e condicionando a decisão ao julgamento do Marco Temporal.

Essa discussão, que também está paralisada no STF, interessa aos invasores, já que estabelece como data limite para as demarcações de terras indígenas a presença desses povos no local no dia da promulgação da Constituição de 1988, apagando as diversas histórias anteriores de invasões e expulsões.

A demanda judicial foi movida por Armando Jorge Peralta, outro empresário do setor imobiliário da Baixada Santista. A transferência do caso dos búfalos para Justiça Estadual não se justifica, já que as sobreposições acontecem levando em conta o tamanho atual da Terra Indígena. São pelo menos 20,59 hectares invadidos. Caso seja considerada a ampliação declarada em 2008, a sobreposição é de 2.149,98 hectares, conforme mostramos no mapa abaixo.

Sobreposições da Alemoa à Terra Indígena Ribeirão Silveira, no Litoral Norte de São Paulo. (Imagem: De Olho nos Ruralistas)

Em seu recurso, a procuradora Walkiria Imamura Picoli não esconde o susto que levou com a decisão do juiz Carlos Alberto. “Após mais de cinco anos de tramitação, a instrução dos autos concluída, sem o advento de nenhum fato novo”, observou. “Surpreendentemente”, diz ela, “em vez de proferir sentença”, o juiz declinou de sua competência à Justiça Estadual”.

SÓCIO DA ALEMOA FAZ LOBBY PARA EMPRESAS VIZINHAS AO PORTO DE SANTOS

Em 2017, a Alemoa conseguiu autorização para a construção de um terminal portuário no bairro que leva o nome da empresa: Alemoa. A 10 quilômetros do Porto de Santos e ao lado da Via Anchieta, o bairro tem diversas indústrias e centro de distribuição, como os da Coca-Cola/Femsa.  Quem representa essas empresas é um dos sócios da Alemoa, João Maria Possolo D´Orey Menano, presidente da Associação das Empresas do Distrito Industrial e Portuário da Alemoa (AMA). Desde 2017, ele trabalha para mudanças no sistema viário do bairro. João Maria costuma dizer que o que mais gosta de fazer é passar os fins de semana com a família em Barra do Una, bem perto de onde estão os bois.

Outro sócio da empresa e dos búfalos é o português João Frederico Feijão Monteiro Mexia Santos. Além da Alemoa, ele é sócio de outras três empresas de empreendimentos imobiliários (Aldeia, Tobra e Mafisan), da exportadora de alimentos Lousaport e da Alport Terminais, Transportes e Armazéns Gerais Ltda. Mexia Santos e alguns dos Menano são sócios da União Alvinegra, uma agremiação de torcedores do Santos. 

Dez mil moradores, segundo a Prefeitura de Santos, dividem o espaço do bairro da Alemoa com contêineres e caminhões, sempre com ameaças e perigos. Em 2015, a empresa de logística Ultracargo provocou um incêndio com fumaças tóxicas que durou nove dias. O Ministério Público Estadual apontou uma série de falhas da empresa.

Em 2022, moradores denunciaram que uma obra de novo terminal gerou rachaduras nas casas. Em 2023, o jornal Diário do Litoral informou que 400 famílias da Vila Alemoa podem ser despejadas para a construção de uma zona comercial, num acordo selado em junho de 2022 entre as empresas e a Prefeitura de Santos, que nega o despejo.

As primeiras ocupações do bairro Alemoa aconteceram no século 19, com o empresário alemão Adão Kunem adquiriu terras no local. Em 1852, Adão foi assassinado por um de seus escravos. A viúva Maria Margarida Kunem passou a administrar os negócios. Ao longo do tempo, o local começou a ser chamado de Sítio da Alemoa.

A reportagem tentou entrar em contato com a Alemoa e seus sócios pelos seus canais oficiais, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição. 

TERRA INDÍGENA TEVE POSTO DE SAÚDE E ESTRADAS ATINGIDAS POR TEMPORAL

A enxurrada que caiu sobre os municípios do litoral norte de São Paulo em fevereiro provocou estragos na TI Ribeirão Silveira, área de 9 mil hectares nos municípios de São Sebastião, Bertioga e Salesópolis, onde vivem atualmente cerca de 800 indígenas Guarani, Guarani-Mbya e Guarani Ñandeva. Alimentos e móveis foram perdidos, o posto de saúde ficou danificado e eles ficaram por dias sem acesso terrestre.

O desastre só não foi maior porque, segundo o cacique Adolfo Timóteo Wera Mirim, boa parte do território está preservada, o que evitou maiores deslocamentos de terra.

Ele explica que lá tem uma área plana. Quando chove desce uma enxurrada da Serra do Mar no sentido da aldeia, “mas tem floresta, mata, que bloqueia a cachoeira da correnteza”. Dessa vez, diante do volume extraordinário de chuva em pouco tempo, a inundação começou de repente.

— Dificilmente dentro da aldeia tem um grande deslizamento, na nossa comunidade a gente não faz derrubada. O branco não consegue preservar. Vai colocando concreto, vai colocando tubulação.

Na terra indígena há roça de subsistência e cultivo sustentável de palmito, uma das fontes de renda dos indígenas, junto com o artesanato, impulsionado pelo turismo do litoral. As ameaças de especulação imobiliária são constantes.

“Os lotes são muito caros, todo mundo quer vir construir mais casa”, aponta o cacique. “As empresas acham que a aldeia atrapalha o desenvolvimento econômico do município, mas é ao contrário. Onde tem indígena tem preservação”.

Foto principal (Funai): morador da Terra Indígena Ribeirão Silveira, em São Sebastião (SP), carrega doação após as enxurradas de fevereiro 

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