Solidariedade, aliança e reivindicações marcaram a 52ª Assembleia dos Povos Indígenas de Roraima e serão levadas ao ATL2023

Nove povos de onze etnoregiões da TI Raposa Serra do Sol estavam representados pelas 2500 lideranças indígenas presentes na Assembleia; a 19ª edição do ATL será realizada entre os dias 24 a 28 de abril

POR ADI SPEZIA E LIGIA APEL, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI

“Manifestamos nossa solidariedade e alianças com outros povos indígenas que permanecem em luta pela demarcação e homologação de seus territórios, com aqueles que enfrentam a violência das invasões em suas terras, ameaças e assassinatos e com os povos que vivem em situação de isolamento voluntário”. Assim os povos indígenas de Roraima manifestaram seu apoio e integração à luta indígena no Brasil, em documento da 52ª Assembleia Geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), realizada no Centro Regional Lago Caracaranã, na Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, município de Normandia, entre os dias 11 a 14 de março.

A posição solidária, de união e aliança entre os povos indígenas, assim como as reivindicações que a Assembleia debateu, sistematizou e retratou em documento final, estará na bagagem das delegações indígenas de Roraima que irão para o 19º Acampamento Terra Livre (ATL), que se realizará nos dias 24 a 28 de abril de 2023, em Brasília.

“Manifestamos nossa solidariedade e alianças com outros povos indígenas que permanecem em luta pela demarcação e homologação de seus territórios”

O ATL acontece desde 2004 e mobiliza os povos indígenas de todo o Brasil com o objetivo de unificar a luta pelos direitos indígenas constitucionais. Representando povos dos diferentes biomas do território brasileiro, os indígenas que se reúnem em Brasília, debatem sobre as violações dos direitos indígenas, identificam os responsáveis por essas violações, exigem responsabilização e punição dos violadores e que sejam cumpridas as leis pelo governo em todos os níveis e nos âmbitos do poder executivo, legislativo ou judiciário.

É considerado o mais importante evento indígena do país pela sua dimensão nacional, continuidade temporal e legitimidade na representação dos povos que enviam suas delegações com posições, reivindicações e saberes das comunidades onde as violações de direitos acontecem diariamente.

“O ATL acontece desde 2004 e mobiliza os povos indígenas de todo o Brasil com o objetivo de unificar a luta pelos direitos indígenas constitucionais”

Legitimadas pela 52ª Assembleia dos Povos Indígenas de Roraima, as reivindicações que a delegação do estado levará ao ATL2023, foram definidas pelos povos Macuxi, Wapichana, Wai Wai, Yanomami, Patamona, Ye’kuana, Sapará, Taurepang, Ingarikó, pertencentes às etnorregiões Alto Cauamé, Amajari, Baixo Cotingo, Murupu, Tabaio, Raposa, Serras, Serra da Lua, Surumu, Wai Wai e Yanomami.

Além das lideranças e tuxauas desses povos, estiveram presentes as organizações indígenas Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação dos Povos Indígenas Wai Wai (APIW), Conselho do Povo Ingarikó (COPING), Associação dos Povos Indígenas da TI São Marcos (APTSM), Associação Wanassedume Ye’kuana, Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIRR), Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIRR) e URIHI Associação Yanomami.

“As reivindicações que a delegação do estado levará ao ATL2023, foram definidas pelos nove povos da TI Raposa Serra do Sol”

Posicionamentos e reivindicações

Em fato inédito na história da política brasileira, a 52ª Assembleia dos povos indígenas de Roraima trouxe ao território indígena um Presidente da República. Acontecimento que revela a força da mobilização e organização construídas ao longo dos 50 anos do CIR e, também mostra, por parte do novo governo, a disposição de construir uma nova política indígena para o Estado.

Considerando o momento, as 2500 lideranças presentes na Assembleia organizaram e sistematizaram suas reivindicações, as quais consideram essenciais para suas vidas e existência, em carta ao presidente da República e em um documento final da Assembleia aos poderes públicos executivo, legislativo e judiciário, nas temáticas da Gestão Territorial, Meio Ambiente e Demarcação das Terras Indígenas, Bem Viver e Sustentabilidade, Educação Escolar e Saúde Indígenas, Justiça e Direitos.

“Os indígenas solicitaram ao Supremo Tribunal Federal que retome com urgência o julgamento do marco temporal”

Segundo o CIR, as “lideranças indígenas participantes da assembleia iniciaram [a apresentação das reivindicações] solicitando para o presidente da República articulação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o julgamento do “marco temporal” suspenso em 2021, seja retomado com urgência, por colocar em risco centenas de vidas dos povos indígenas no Brasil”.

Assim como é urgente que o julgamento do marco temporal seja retomado, a desintrusão do garimpo na Terra Indígena Yanomami é de extrema urgência. “A TI Yanomami/Ye’kwana enfrenta a maior invasão de toda história. A retirada dos garimpeiros ilegais da Terra Indígena Yanomami deve ser prioridade e não mais adiada, e pedimos que Ministério da Justiça e Polícia Federal atue para responsabilizar os envolvidos, entres eles o ex-presidente Bolsonaro e governador de Roraima, Antônio Denarium, ambos têm apoiado os garimpeiros e incentivado as invasões”, diz o documento.

“A desintrusão do garimpo na Terra Indígena Yanomami é de extrema urgência”

O líder Yanomami, Davi Kopenawa, presente na assembleia, apela ao presidente e sua comitiva: “precisa tirar o garimpeiro da Terra Yanomami, os garimpeiros estão aí escondidos, queremos que tirem todos os garimpeiros. Precisamos chegar nas comunidades onde estão os parentes doentes, tomando água contaminada. Já morreu muita gente, 577 crianças. Vamos trazer medicamento, médico, enfermeiro, técnicos, dentistas, a doença não tem fronteira, não tem policial para tirar e mandar embora, a doença continua”, relata emocionado.

Retirar todos os invasores de todos os territórios indígenas e demarcar e regularizar as terras indígenas do Brasil, foram também elencadas como prioridade máxima para o novo governo. “As nossas terras são necessárias para nossa vida, cultura, costumes e tradições. São nelas que cultivamos nossas produções extremamente necessárias para nosso bem-estar coletivo”, assinala o documento, afirmando que essa é a primeira fase da proteção dos territórios indígenas. A segunda está no respeito aos planos de vida, como são chamados pelo CIR os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA).

“A Terra Indígena Yanomami enfrenta a maior invasão de toda história”

“É nos Planos de Gestão Territorial e Ambiental que discutimos, avaliamos e deliberamos nossas escolhas para o futuro de nossas comunidades e formas de proteção e produção em nossos territórios. Também temos nossos Protocolos de Consulta que devem ser reconhecidos e respeitados pelo governo, sempre que for adotar qualquer medida administrativa ou legislativa que afete nossas vidas e nosso território. O governo não pode mais escolher o modelo de desenvolvimento para os povos indígenas”, reforça.

Políticas públicas de saúde e educação escolar indígenas são as outras frentes de prioridade elencadas no documento da Assembleia do CIR. “Nossa educação escolar indígena e saúde merecem atenção especial do governo federal. Apoiamos e reconhecemos as reivindicações e denúncias da I Assembleia Unificada de Educação Escolar e Saúde do Movimento Indígena do Estado de Roraima”, retrata o documento, reivindicando que as demandas sejam priorizadas pela Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), Distrito Sanitário Especial Indígena Leste de Roraima (DSEI/Leste/RR), Ministério da Educação e Cultura (MEC) e Ministério da Saúde (MS).

Por fim, o documento exige que o “novo governo federal retome imediatamente, sem demoras, a política de demarcação e proteção territorial até que todas as terras indígenas do Brasil estejam reconhecidas, livres e seus povos vivendo em paz conforme suas formas próprias de organização social e cultural”, conclui o documento.

“É nos Planos de Gestão Territorial e Ambiental que discutimos, avaliamos e deliberamos sobre o futuro de nossas comunidades, formas de proteção e produção em nossos territórios”

Autonomia e condições de trabalho

Nos quatro dias de assembleia, as mesas de debate trouxeram os relatos das atividades realizadas pelas  comunidades das etnoregiões da TI Raposa Serra do Sol, suas conquistas e desafios, bem como os planejamentos para ações futuras; os processos com seus encaminhamentos jurídicos em andamento no Ministério Público Federal (MPF) e o apoio e incentivo das organizações parceiras, indígenas e indigenistas, como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Instituto Sociambiental (ISA), Diocese de Roraima e Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Tendo como objetivo principal a defesa incondicional dos direitos dos povos indígenas, o Cimi trouxe para a Assembleia, na mesa “Proteção dos Povos Indígenas na Amazônia e no Brasil: o que esperar desse novo governo”, a reflexão do secretário adjunto, Luiz Ventura, e o reconhecimento da força do movimento indígena.

“Com suas incidências e mobilizações, o movimento indígena contribuiu para a derrubada do governo anti-indígena. Foram quatro anos muito duros”

Para Luiz, o movimento indígena conseguiu, com suas incidências e mobilizações, contribuir com a derrubada de um governo que tinha como uma de suas principais políticas, a política anti-indígena. “Foram quatro anos muito duros. A gente lutou muito. Mas, a gente conseguiu tirar o governo genocida e nesse tirar o governo genocida está a contribuição fundamental dos povos indígenas”, apontou.

Também a vinda do presidente da República para a assembleia é apontada por Luiz como conquista do movimento indígena, configurando-se em um momento histórico para a vida política do país. “Isso é sinal extremamente importante do ponto de vista político, porque o presidente está vindo com ministros para a Assembleia do Conselho Indígena de Roraima. Aí está mostrado que a força política é de vocês, porque ele vem até aqui para assembleia de vocês”, congratulou.

“Isso é sinal extremamente importante do ponto de vista político, porque o presidente está vindo com ministros para a Assembleia do Conselho Indígena de Roraima”

Junto com o reconhecimento dessa força, o secretário do Cimi traz pontos que, entende, ser relevantes para serem refletidos. Em um primeiro ponto da análise ressalta que foi eleito um governo de reconstrução da democracia, onde os povos indígenas são reconhecidos e considerados. Mas, no poder legislativo, a maioria dos deputados e senadores eleitos não apoiam os povos indígenas.

“Esse Congresso hoje, infelizmente, é um Congresso muito mais reacionário, muito mais à direita do que tinha antes, muito mais contrário aos interesses indígenas. Hoje temos um Congresso Nacional onde ainda circula o Projeto de Lei 191, onde ainda circula o projeto de lei 490 e onde o governo, na palavra do próprio presidente Lula, vai ter que fazer arranjos e dialogar com esses caras”, afirmou, indicando que o movimento indígena precisa continuar com sua mobilização e incidências para garantir que os projetos de Lei anti-indígenas sejam derrubados.

“Hoje temos um Congresso Nacional muito mais reacionário, muito mais à direita do que tinha antes, muito mais contrário aos interesses indígenas”

Luiz trouxe o fato de que estamos em um governo de Frente Ampla e que essa composição com várias posições deve servir para que as organizações indígenas conheçam quem está a favor e quem está contra suas lutas. “Um governo de Frente Ampla é um governo que reúne pessoas que pensam diferente, com pessoas comprometidas com os direitos dos povos indígenas, mas também com quem nunca esteve comprometido com os direitos dos povos indígenas”, alertou.

Como exemplo dessa situação, o secretário aponta o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) continua “na mão do agronegócio” e o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) que continua defendendo os grandes empreendimentos. Sendo que “o primeiro que ele defendeu foi a retomada da construção da Ferro Grão, uma linha de trem para escoar o grão do agronegócio que sai de Mato Grosso e pretende ir até o Pará, e que vai passar por territórios indígenas”, denunciou, advertindo que essas situações, certamente, afetarão vidas indígenas.

“Um governo de Frente Ampla é um governo que reúne pessoas comprometidas com os direitos dos povos indígenas, mas também pessoas nunca esteve comprometido”

Por outro lado, o novo governo coloca na sua composição ministros que defendem a vida e as pautas indígenas. “Mas, esse governo tem um outro rosto que está fundamentado, pela primeira vez, no Ministério dos Povos Indígenas. Uma questão inédita. Nos governos estaduais e municipais sim, estão cheios de Secretarias de Estado do Índio, mas agora se trata do governo federal que coloca uma liderança indígena no Ministério”, preconiza Luiz.

Também na Fundação dos Povos Indígenas (Funai), o novo governo coloca nas mãos dos indígenas com “a intenção de recuperar a Funai para aquilo que nasceu, que é defender os direitos dos povos indígenas. Hoje temos a Joenia Wapichana e aqui [na Coordenação Regional da Funai em Roraima], a Marizete [de Souza Macuxi]”, aponta, dizendo que Joenia e Marizete são lideranças formadas na organização indígena e para o secretário do Cimi, isso é muito importante porque foram formadas na “política do malocão”, expressão usada pelos indígenas para definir o lugar de pertencimento e de formação de lideranças indígenas.

“Esse governo tem um outro rosto que está fundamentado, pela primeira vez, no Ministério dos Povos Indígenas. Uma questão inédita”

“Ninguém melhor do que vocês para saber quem são essas pessoas, porque são filhas de vocês. Joenia e Marizete são filhas desse malocão e de tantos malocões, de tantas assembleias”, celebra, mostrando que esse diferencial no novo governo traz mais capacidade de diálogo e, consequentemente, avanços e garantias dos direitos indígenas. Especialmente as demarcações territoriais.

Nas reflexões de Luiz, mais capacidade de diálogo significa saber exigir que esses órgãos consigam cumprir seus objetivos de proteção aos indígenas, seus direitos e territórios. “Elas [as lideranças à frente dos órgãos] precisam de condições de trabalho e autonomia. Porque se não, será apenas uma fotografia dentro desse governo”, afirma e alerta para que os indígenas exijam que, independentemente da estrutura, “o governo cumpra suas obrigações, respeite e garanta os direitos dos povos indígenas”. Mesmo sendo Frente Ampla, os povos indígenas precisam exigir que “esse governo nunca negocie seus direitos com ninguém. O importante é que o movimento mantenha sua altivez, sua dignidade, sua força, sua mobilização para continuar reivindicando seus direitos”.

“O importante é que o movimento mantenha sua altivez, sua dignidade, sua força, sua mobilização para continuar reivindicando seus direitos”

Por fim, Luiz Ventura chamou a atenção da assembleia para o julgamento do marco temporal pelo STF e analisa que é preciso continuar promovendo incidências para que seja agendado o mais rápido possível.

“O Cimi entende que é absolutamente fundamental continuar lutando contra o marco temporal e que seja retomado imediatamente o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Porque continuar protelando é continuar mantendo a situação de violência e insegurança jurídica nos territórios indígenas”, assegura.

Por último, Luiz lembra que mesmo sendo o julgamento do marco temporal de competência da Suprema Corte, “o governo federal pode, nas suas competências e atribuições, tomar medidas de revogação imediata do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral de União (AGU), que determina para todos os órgãos do governo federal, de forma inconstitucional, adotar esse marco temporal como referência nos procedimentos administrativos, bem como o Parecer 763/2021 da AGU que impede o avanço dos procedimentos administrativos de demarcação até que o marco temporal seja julgado no STF”, concluiu.

“O Cimi entende que é absolutamente fundamental continuar lutando contra o marco temporal e que seja retomado imediatamente o julgamento pelo STF”

Secretaria da Mulher Indígena

Os trabalhos da 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima iniciaram com a eleição da nova Secretária do Movimento de Mulheres Indígenas do CIR.

A escolha de uma nova líder indígena para a secretaria foi necessária pela vacância do cargo, quando a líder Maria Bethânia Mota de Jesus, do povo Macuxi, assumiu o cargo de professora na Educação Escolar Indígena do Estado. Bethânia atuou por seis anos a secretaria e diz ter sido “um dos maiores aprendizados na organização e valorização das mulheres indígenas”.

“Foi um dos maiores aprendizados na organização e valorização das mulheres indígenas”

A líder eleita foi Kelliane Cruz, do povo Wapichana, da comunidade Canauamin, região Serra da Lua. “Kelliane é formada em Gestão Territorial Indígena pelo Instituto Insinkiran da Universidade Federal de Roraima (UFRR), foi professora e de 2019 a janeiro de 2023 atuou no Departamento de Gestão Territorial e Ambiental (DGTA) do CIR”.

Como liderança jovem, Kelliane agradeceu as lideranças que acreditaram na capacidade da juventude em assumir um posto de confiança. “Agradeço por vocês acreditarem e nós, jovens, e com a confiança depositada podermos ocupar os lugares”.

52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima. Foto: Ligia Apel /Cimi Regional Norte 1

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