Estamos lendo, nestes dias, que o atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ao contrário de outros governos, não conseguiu emplacar uma nova marca nos seus primeiros 100 dias. Bom, para começar, me parece mais adequado dizer que já se passaram mais de 160 dias de Lula 3, lembrando que ele assumiu logo depois das eleições, quando Jair Messias Bolsonaro, de birra, recusou-se a governar o pais. E foi melhor assim, pois até então vínhamos tendo um desgoverno.
Dizem que Lula só relançou seus antigos programas – como o Bolsa Família e o Minha casa, minha vida – e nada de novo. Bom, acredito que estes foram reativados não por falta de novas ideias, mas pela persistência de problemas antigos. Por outro lado, acho que Lula lançou sim uma nova marca: a da união e reconstrução. Pois encontrou um país desarrumado, uma administração desarrumada, com as contas públicas totalmente desarrumadas. Desde então, se esforçou para colocar ordem na casa – uma tarefa que ainda vai demorar muito para ser concluída.
2023 não é 2003
Por outro lado, Lula encontrou um cenário completamente diferente do de seu primeiro governo. O ano de 2023 não é o de 2003. Falta o boom das commodities, que deixou o Brasil rico naquela época. Falta o entusiasmo da sociedade brasileira que, em 2002, elegeu Lula por uma ampla vantagem sobre um adversário “amigável”, José Serra. Em 2022, o Brasil, violentamente polarizado, deu a Lula a vitória por uma margem mínima sobre Bolsonaro.
Outra grande diferença: o Congresso de 2003 não era essa bacia de tubarões famintos por emendas e orçamento secreto como o atual. Até agora, a real força de Lula no Congresso ainda não foi testada. Não sabemos o placar da briga entre Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, não sabemos como o Centrão se rachará e quem ficará ou não na oposição. Em relação ao Congresso como um todo, só sabemos que há uma oposição bolsonarista que veio para gritar e tumultuar. E já a ouvimos.
E last but not least, Lula teve que enfrentar uma resistência violenta de golpistas, que culminou nos ataques do dia 8 de janeiro, em Brasília. Parece-me que os acontecimentos daquele dia até ajudaram Lula a desmontar o circo bolsonarista e juntar as forças democráticas num exorcismo político para expulsar os espíritos malignos. Por enquanto funcionou. Bolsonaro parece estar mais preocupado com seus processos na Justiça do que em lidar com a oposição.
Ajustes na política externa
De resto, economia e tal: “o mercado” já se tranquilizou com o esforço da equipe de Fernando Haddad em propor um caminho razoável para arrumar as contas. E Lula parece já ter entendido que bater de frente com Roberto Campos Neto para obrigá-lo a baixar a Selic não funciona. E que tampouco faz sentido comprar brigas desnecessárias com a turma de Sergio Moro. Ignorá-lo será mais saudável para o presidente.
Agora só falta ajustar a política externa, a meu ver. É preciso focar os pontos fortes do Brasil: liderar as negociações globais sobre políticas ambientais e o combate às mudanças climáticas. Se Lula realmente quer ganhar o Prêmio Nobel da Paz, que não mire a Ucrânia, mas os problemas na América Latina, onde o Brasil deveria assumir uma liderança. Aqui, Lula tem o lastro político para negociar o fim pacífico da ditadura na Nicarágua, ajudar Gustavo Petro a desarmar as guerrilhas na Colômbia, buscar uma solução para o caos no Haiti e lutar por avanços democráticos na Venezuela e em Cuba.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
“Lula lançou sim uma nova marca: a da união e reconstrução”, escreve Thomas Milz (Foto: Adriano Machado/REUTERS)