Na Semana dos Povos Indígenas, mulheres Marubo inauguram espaço de vendas de artesanato e fortalecem a resistência, em Atalaia do Norte

São mais de 80 artesãs Marubo que trabalham artesanato em cerâmica, palhas e sementes diversas

POR LIGIA APEL, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI REGIONAL NORTE 1

“Hoje estamos inaugurando [o espaço do artesanato], mas é só um começo. Vamos continuar nossa luta porque nós podemos crescer mais, divulgando nosso trabalho tanto para outras comunidades, outras etnias que já têm contato, como para a sociedade não indígena. O espaço é Marubo, mas daqui pra frente vamos envolver os Kulina, Maioruna, Matis e quem quiser somar forças para podermos trocar ideias e artesanatos”.

Assim declarou Ranêwã Rosinete Marubo, coordenadora do grupo de mulheres da Associação Marubo de São Sebastião (AMAS), no dia da inauguração do novo espaço de encontros e comercialização do artesanato dos povos indígenas da Terra Indígena Vale do Javari (TIVJ), que aconteceu no dia 19 de abril, na sede da AMAS, em Atalaia do Norte, marcando a Semana dos Povos Indígenas.

O grupo de mulheres da AMAS reúne mais de 80 artesãs do povo Marubo que vivem nas comunidades da Terra Indígena Vale do Javari e trouxeram para a exposição mais de 2 mil artesanatos produzidos em cerâmica, palhas e sementes diversas.

“Vamos continuar nossa luta porque nós podemos crescer mais, divulgando nosso trabalho tanto para outras comunidades, povos e para a sociedade não indígena”

Um dos recursos naturais emblemáticos do artesanato Marubo é o caramujo Aruá, um molusco aquático endêmico do rio Javari e igarapés da região. Os adornos Marubo produzidos a partir de sua concha são trabalhados até formarem pequenas rodilhas que, unidas, formam cocares com compridos cordões, “saiotes” para as mulheres e braceletes e pulseiras para braços e pernas. Nos últimos anos, com a intensificação da migração dos indígenas para a cidade e a dificuldade de coletar o Aruá, as artesãs passaram a substituí-lo por materiais em PVC, que, por ser branco e de durabilidade, não descaracteriza os adornos. Além, disso, há o reaproveitamento de um resíduo sólido urbano que Rasnewã avalia como sustentabilidade ambiental.

“Nós aproveitamos o PVC porque a gente vê que, hoje em dia, temos vários materiais feitos com ele que não se aproveita. O que impacta o meio ambiente. Então, entendemos que a gente tem que aproveitar para que ele não seja queimado ou jogado no lixo contaminando o meio ambiente. E aí, pra isso não acontecer, a gente aproveita o PVC”, explica.

“Nós aproveitamos o PVC porque a gente vê que, hoje em dia, temos vários materiais feitos com ele que não se aproveita”

O território e as organizações indígenas

A Terra Indígena Vale do Javari é a segunda maior terra indígena do Brasil, com 8.544 milhões de hectares demarcados e ampara seis povos indígenas contatados, Kanamari, Korubo, Kulina Pano, Marubo, Matis, Matsés, Tsohom-dyapa, sendo os Korubo e Tsohom-dyapa de recente contato, e outros povos em isolamento voluntário. Segundo o IBGE, vivem na área, aproximadamente, quatro mil indígenas.

Os povos que já estabelecem contato com a sociedade não indígena há vários anos, se organizam em Associações de Base, instâncias representativas e de mobilização dos povos em suas localidades e aldeias que, juntas formam o Movimento Indígena do Vale do Javari.

“Terra Indígena Vale do Javari é a segunda maior terra indígena do Brasil, com 8.544 milhões de hectares demarcados e ampara seis povos indígenas contatados”

Assim, além da AMAS que reúne o povo Marubo, os outros povos da TIVJ também têm suas organizações na Associação Mayoruna de São Sebastião (AMAS, Associação Kanamary do Vale do Javary (Akavaja), Organização Geral dos Mayoruna (OGM), Associação de Desenvolvimento Comunitário do Alto Rio Curuça (Asdec), Associação Mayoruna do Alto Jaquirana (Amaja), Organziação das Aldeias Marubo do Rio Ituí (OAMI), Associação Indígena Matis (AIMA) e Associação Indígena Kulina do Vale do Javari (Aikuvaja).

Em cada uma delas, as mulheres marcam presença e se fortalecem nas incidências, na sustentabilidade e na preservação de suas culturas.

“As mulheres marcam presença e se fortalecem nas incidências, na sustentabilidade e na preservação de suas culturas”

Reunindo as organizações de base a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), promove e articula os povos indígenas da região na defesa de seus direitos e do território. A organização indígena foi criada em 2010, mas o Movimento Indígena do Vale do Javari atua desde a década de 1980 e, desde lá, vem alcançando conquistas importantes, mostrando que a união realmente faz a força. A principal delas foi a demarcação da Terra Indígena, que teve a homologação e registro efetivados em 2001. Levou alguns anos, mas por não desistirem e resistirem, conquistaram o território.

Desde que se organizaram e passaram a galgar conquistas, os povos do Vale do Javari atuam em três frentes de ação, diz Clóvis Marubo, um dos fundadores do movimento indígena no Vale do Javari e da AMAS. Atualmente, Clóvis trabalha na mobilização do Distrito Sanitário Especial Indígena Vale do Javari (Dsei) e sensibilizando os profissionais do órgão para a importância da interculturalidade.

“Para mantes para manter a cultura três são os eixos importantes: preservação, sustentabilidade e juventude”

“Preservação, sustentabilidade e juventude para manter a cultura. Eixos importantes, especialmente a juventude, para que não esqueçam o que a gente tem de bom, de importância, de riqueza que precisamos preservar e continuar usando, pra gente poder ter garantia de que estamos preservando nosso conhecimento milenar”, explica e alerta a juventude para o desafio de viver entre o mundo indígena e o não indígena.

“Nós estamos vivendo em dois mundos. Tem o mundo dos brancos e tem o mundo dos indígenas. Nós não podemos deixar o nosso mundo indígena para se perder no mundo dos brancos. A gente tem que entender as duas coisas e preservar a parte cultural, a parte social dos povos indígenas, da nossa cultura, da nossa tradição enquanto povo. E a gente não pode engolir o mundo dos brancos para a gente. Temos que a nossa cultura fortemente e sobreviver sobre elas”, explica.

“Nós estamos vivendo em dois mundos, um dos brancos e outro dos indígenas”

Assim como Clovis alerta para a importância e necessidade da juventude indígena compreender a necessidade dos aprendizados sobre os dois mundos, a professora Graciene Lopes Freire, da Escola Municipal Flores Infantil da Minha Vida, em Atalaia do Norte, tem a mesma preocupação em relação aos jovens não indígenas.

“Eu trouxe as crianças para [a inauguração do espaço] olharem e prestigiarem a cultura indígena, que é muito linda, muito rica e de grande importância para a nossa região, já que se trata dos nossos vizinhos e irmãos indígenas. Se passamos isso para nossas crianças, futuramente não vamos ter problema de discriminação, porque já vai estar inserido na cultura da criança, ela não vai ter mais o problema de discriminação de raça ou qualquer outra coisa, porque na cidade vai estar implantada no futuro das crianças [a diversidade étnica própria da região]”, explica a professora, dizendo que um espaço na cidade onde os indígenas expõem e comercializam sua cultura, “faz muita diferença na criação das crianças”.

“Eu trouxe as crianças para o espaço Marubo para olharem e prestigiarem a cultura indígena, que é muito linda, muito rica e importante para a região”

Parcerias fortalecem as articulações

A defesa das vidas indígenas é uma luta de todos, indígenas e não indígenas que compreendem o valor das culturas originárias do Brasil, e procuram contribuir com essa defesa. O movimento indígena do Vale do Javari recebeu ao longo dos anos o apoio de instituições não governamentais, como o Conselho Indígena Missionário (Cimi) e Coordenação de Trabalho Indígena (CTI), e também de órgãos de governo, como a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Presentes à inauguração, comentaram a importância desse “dar às mãos” no fortalecimento dos indígenas, suas lideranças e organizações, para que sejam protagonistas e assumam a frente de sua história.

“A defesa das vidas indígenas é uma luta de todos, indígenas e não indígenas que compreendem o valor das culturas originárias do Brasil”

O professor Rodrigo Reis, da Ufam campus de Tabatinga, disse que a AMAS foi a primeira organização que a universidade firmou parceria e que ela vem realizando atividades na área da saúde e educação desde que foi criada, logo após a demarcação do território, e que as mulheres começam a participar mais com suas organizações próprias.

“A AMAS foi a primeira associação que a gente [Ufam] teve uma aproximação e, desde a época de demarcação, começou a desenvolver alguns trabalhos na área da saúde e educação. E hoje, vemos a importância também da participação das mulheres, cada vez um pouco maior também nessas ações. A gente sabe que nesse movimento para cidades, nem sempre as mulheres vinham. Até vinham, mas muitas das vezes eram invisibilizadas. E agora está tendo um diálogo, um esforço que também as mulheres tenham seus espaços de atuação”.

“A gente sabe que nesse movimento para cidades, nem sempre as mulheres vinham. Quando vinham, muitas das vezes eram invisibilizadas”

O CTI é uma Organização Não Governamental (ONG) que também contribui com as organizações indígenas do Vale do Javari há vários anos, em diferentes áreas. Para o representante da organização presente no evento, Clayton de Souza Rodrigues, “a tendência é que esses espaços comecem a brotar assim também em vários espaços de vários povos, não de iniciativas só políticas ou politiqueiras, mas de um movimento mesmo deles. A gente já consegue observar que tá dando alguns frutos, bons frutos”, afirma e, com satisfação, diz que o CTI continuará apoiando as demandas indígenas.

Já para o coordenador interino da Sesai Vale do Javari, Aldezino Assunção Rodrigues, que entrega o cargo ao indígena nomeado Kora Kanamari, a área geográfica é grande e apresenta muitos desafios. Mas, a equipe correspondeu com suas possibilidades de ação.

“A gente trabalha numa área geográfica de difícil acesso. Muito densa, tem época do ano que inclusive não se consegue levar a equipe toda até o seu destino”

“A gente trabalha numa área geográfica de difícil acesso. Ela é muito densa, tem época do ano que inclusive não se consegue levar a equipe toda até o seu destino. São 67 aldeias e mais de seis mil indígenas pra atender. Mas, embora com toda essa dificuldade, a gente consegue colocar a equipe de saúde em todas essas aldeias e tentando levar o melhor até onde deve chegar”, disse, dando as boas-vindas ao novo coordenador e dando o recado de que o trabalho não é fácil.

“A gente dá as boas-vindas ao novo coordenador Kora, e não vai desejar boa sorte porque gestão não tem nada a ver com sorte. Tem a ver com trabalho duro, planejamento estratégico e austeridade. E a gente vai continuar dando o apoio em que ele precisar para levar a saúde de melhor qualidade a essa população”, concluiu.

” Gestão não tem nada a ver com sorte, tem a ver com trabalho duro, planejamento estratégico e austeridade”

A rede de organizações de base reunidas da Univaja e de organizações e instituições que apoiam e atuam em defesa dos direitos indígenas no Vale do Javari estão fortalecidas e articuladas com o movimento indígena nacional, reunidos no 19º Acampamento Terra Livre, em Brasília. A delegação do Vale do Javari está composta por 30 indígenas e levam as reivindicações de defesa do território, proteção contra ameaças de invasores e traficantes, atenção especial à saúde dos indígenas que precisam ir à cidade para atendimento e políticas de educação indígena para os jovens que, também, vão à cidade estudar.

Professora Graciene Freire, da Escola Municipal Flores Infantil da Minha Vida e seus estudantes na inauguração do espaço AMAS do artesanato Marubo. Foto: AMAS

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