As Ouvidorias Externas e o fortalecimento das Defensorias Públicas. Por Rodrigo de Medeiros Silva

A Defensoria Pública, como opção democrática do Constituinte de 88, está realizando uma caminhada condizente com a aposta feita

No Sul21

A Defensoria Pública é uma inovação da Constituição de 1988, trazida em seu artigo 134, para a defesa dos segmentos vulnerabilizados. Necessário instrumento da sociedade em um país ainda tão desigual, mas que possui dentre os seus objetivos fundamentais, enquanto República, construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, da CF).

A consecução deste programa constitucional só pode ser alcançado em ambiente democrático, no qual se fala de garantia do acesso à Justiça, por isso, não à toa que a Defensoria é expressão e instrumento do regime democrático (artigo 134, da CF). Sendo assim, não se pode entender a constitucionalização da Defensoria fora do contexto de mobilização social por direitos, que ocorreu na reabertura democrática (OLIVEIRA, 2018, p.26), pelo fim da Ditadura Civil-Militar, que culminou com a nova ordem jurídica, inaugurada pela Constituição de 1988:

“Essa ambiência específica de transição democrática e de fortalecimento do sistema de Justiça como projeto de estabilização político-econômica permeou um processo de reacomodação das elites jurídicas pré-1988 que culminou – como resultado das atividades da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) entre 1987 e 1988 – não só na reconfiguração do Poder Judiciário e do Ministério Público mas também na criação da Defensoria Pública e da Advocacia-Geral da União, além da garantia de espaço privilegiado à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outras instituições da sociedade civil”. (LIMA; LAMENHA, 2021, p.89)

A sua formação e escopo, então, podem explicá-la como a mais avançada, dentre as instituições do sistema de justiça, quando se fala em mecanismo de diálogo com a sociedade, qual seja, a sua Ouvidoria Externa. Este formato de ouvidoria, composto por pessoas advindas da sociedade civil, foi estabelecido na Lei Orgânica da Defensoria Pública, pela LC nº 132/2009. Hoje, em 16 estados há ouvidorias externas de defensorias, quais sejam: Acre, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo. Da mesma forma que a democracia não é algo dado e sim, uma construção, o fortalecimento e estruturação das defensorias, bem como de suas ouvidorias é um processo histórico. Mesmo sem a previsão legal, a Defensoria Pública da União também avançou, por meio de normativa interna, instituindo a sua Ouvidoria Externa. E, este ano, elegeu o seu primeiro Ouvidor-Geral, a partir da de lista tríplice forma pela sociedade.

Traz-se aqui, então, a partir de estudos do próprio Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas (CNODP) e da Transparência Brasil, organização da sociedade civil, em que situação encontram-se as ouvidorias externas das defensorias públicas estaduais. No ano de 2022, contando quinze ouvidorias externas, foram realizados 76.949 atendimentos. A Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul realizou neste ano 6.075 atendimentos, o que significou a proporção de 0,05% da população estadual. Deve ser levado em consideração a diferença da população dos estados, as estruturas que as ouvidorias possuem e, ainda, quando elas foram criadas. Observem os mapas que seguem:

A Transparência Brasil destaca outros aspectos sobre as ouvidorias de defensorias. Com dados de 2022, por exemplo, constatou que há dezesseis ouvidorias externas instaladas e mais cinco com previsão de criação. A maior parte das pessoas que ocupam os cargos são mulheres 66,6%, sendo apenas uma mulher trans, na Ouvidoria-Geral do Paraná. Em relação a pluralidade étnica, 50% identifica-se como pessoa negra ou parda e há uma indígena Ouvidora, na Ouvidoria-Geral do Acre. Quanto à formação acadêmica 50% dos integrantes é formado em Direito, 16,7% em Serviço Social, 8,3% em Administração, 8,3%, em Sociologia e 8,3% possui ensino médio.

Sobre a estrutura que as ouvidorias possuem, a OSC verificou que, em relação ao tamanho da equipe que possuem, o quadro em 2022 era: 8,3% possuem duas pessoas; 41, 7% possuem três pessoas; 16,7% possuem quatro pessoas; 8, 3% possuem cinco pessoas; 8,3% possuem seis pessoas; e 16,7% possuem dezoito pessoas. Quanto a capilaridade, nenhuma Ouvidoria está lotada em mais de uma unidade de sua Defensoria. Importante destacar que somente quatro ouvidorias contam com servidores públicos concursados:

  • 6 Ouvidorias contam com 1 cargo de ouvidor/a + até 2 cargo de assessoria + até 3 estagiários
  • 2 Ouvidorias contam com 1 cargo de ouvidor/a + até 2 estagiários
  • 2 Ouvidorias contam com 1 cargo de ouvidor/a + até 2 cargo de assessoria
  • 2 Ouvidorias contam com 1 cargo de ouvidor/a + 1 cargo de coordenação + até 5 cargos de assessoria técnica + até cargos de 5 assistência técnicas + até 6 estagiários

Apenas duas ouvidorias possuem conselho consultivo, o que potencializa a sua capilaridade. Entretanto onze ouvidorias realizam projetos de intinerância, o que se reputa necessário para os objetivos legais do órgão: promover atividades de intercâmbio com a sociedade civil; estabelecer meios de comunicação direta entre a Defensoria Pública e a sociedade; e contribuir para a disseminação das formas de participação popular no acompanhamento e na fiscalização da prestação dos serviços realizados pela Defensoria Pública (artigo 105-C, da LC nº 80/1994).

O que estes números demonstram é que a Defensoria Pública, como opção democrática do constituinte de 88, está realizando uma caminhada condizente com a aposta feita, ampliando os canais de participação social. Da mesma maneira que a democracia é um processo de permanente construção e aperfeiçoamento, a Defensoria o é, e a sua Ouvidoria Externa também. A trilha ainda possui poucas décadas,que, numa perspectiva histórica, pode se dizer recente. Ainda há muito o que se caminhar, mas o importante é que se siga, pois como preceitua o poeta espanhol Antonio Machado, o caminho se faz ao caminhar.

E é nessa caminhada que o Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas (CNODP) vem trabalhando pelo aprimoramento das ouvidorias externas de defensorias, trocando experiências, promovendo reuniões e realizando atividades. Sempre com olhar do diálogo entre a sociedade a Instituição que compõem, indo atrás do que se consolidou no ordenamento jurídico, após governos de exceção, a inclusão da pluralidade, da diversidade existente no país, a efetivação de direitos humanos, de direitos e garantias fundamentais. No ano de 2023, o CNODP realizou duas reuniões e ao fim lançaram a Carta Acre e a Carta Rio, trazendo propostas que refletem as posições dos movimentos que lutam por justiça social. Pois, conforme termina a Carta Acre, o chamado das ouvidorias externas de Defensorias, em seus conteúdos e funções simbióticas de estado e sociedade, é que essas lutas, que passam pelo fortalecimento das defensorias e suas ouvidorias, sejam de todas e todos nós!

REFERÊNCIAS

LIMA, Flávia Danielle Santiago; LAMENHA, Bruno. Mobilizando a agenda dos direitos coletivos, assegurando espaço institucional: Ministério Público e Defensoria Pública na transição democrática. RIL Brasília a. 58 n. 231 p. 87-108 jul./set. 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/58/231/ril_v58_n231_p87.pdf. Acesso em: 15 maio 2023. Publicado em: 20121.

OLIVEIRA, Pedro González Monde de. A definição constitucional da Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático: para além de sua função simbólica. Dissertação de Mestrado. Programa de PósGraduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Niterói: UFF, 2018.

(*) Ouvidor-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e das coordenações de Justiça Socioambiental e de Direito à Cidade, Terra e Território do Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias (CNODP)

 

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