Advogado indígena que venceu ação no STF foi bolsista da CAPES

Eloy Terena recebeu auxílio dentro e fora do País, defendeu povos originários na pandemia e hoje é secretário-executivo de ministério

CAPES

Luiz Henrique Eloy Amado, conhecido como Eloy Terena, é secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas e o primeiro advogado autodeclarado indígena a vencer uma ação de jurisdição constitucional no Supremo Tribunal Federal (STF). Terena é graduado em Direito e mestre em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), doutor em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), e em Antropologia Social, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A CAPES fez parte dessa trajetória no Brasil, durante o mestrado, e no exterior, em seu pós-doutorado na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, na França.

Fale um pouco da sua formação.
Sou indígena do povo Terena, de uma região do Pantanal sul-matogrossense. Costumo dizer que faço parte de uma geração de jovens indígenas que, nas últimas duas décadas, tiveram acesso a políticas de ações afirmativas. Fiz essa trajetória da aldeia para a universidade. A graduação foi com bolsa do ProUni (Programa Universidade para Todos), meu mestrado, com bolsa da CAPES e o doutorado, com bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). A CAPES também me deu a oportunidade de fazer um pós-doutorado em Paris pelo Programa CAPES/Cofecub e morar na Casa do Brasil na França.

Tenho dedicado boa parte dos meus estudos aos direitos dos povos indígenas, aos seus territórios tradicionais. Tenho empreendido pesquisas no campo de conflitos socioambientais e escrito sobre a participação política dos povos indígenas na construção de sua autonomia. Atualmente, estou secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, um ministério inédito na história do Brasil.

Você foi o primeiro advogado autodeclarado indígena a vencer uma ação de jurisdição constitucional no STF. Fale sobre isso.
Essa ação que propusemos no Supremo, a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 709, foi construída de forma coletiva, mas tem no seu protagonismo a advocacia indígena. Essa ação é um marco não só para o direito dos povos indígenas, mas para o próprio direito constitucional brasileiro, porque durante muito tempo essa condição de sujeito ativo, de direito, foi negada aos povos indígenas. Foi somente com a Constituição de 1988 que tivemos esse reconhecimento. Passados 32 anos da Constituição, em 2020, no auge da pandemia, que levamos ao Supremo a primeira ação de jurisdição constitucional, que é a possibilidade de você ir diretamente ao STF buscar uma determinação de proteção.

Essa ação tem dois aspectos. Primeiro, ela rompe com esse obstáculo que nós, indígenas, tínhamos, de acessar a Justiça. E também tem outro paradigma: pela primeira vez, fomos ao Supremo em nome de uma organização indígena constituída na sua forma tradicional, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Não é uma organização constituída nos moldes do direito civil. Não tem estatuto, não tem CNPJ, não tem presidente, é constituída sob a visão dos povos indígenas. Isso foi paradigmático. O Supremo acatou essa visão e fez uma série de determinações ao governo brasileiro justamente no âmbito da pandemia da COVID-19.

[Nota da redação: Ao acatar a ADPF 709, proposta pela Apib em conjunto com PT, PSB, PSol, Rede, PC do B e PDT, o Supremo Tribunal Federal determinou, entre outros pontos, que o governo federal elaborasse um plano de enfrentamento e monitoramento da COVID-19 junto às comunidades indígenas, tomasse ações para conter invasores em reservas, criasse barreiras sanitárias para indígenas em isolamento ou em contato recente e mantivesse uma sala de situação para gestão das ações.
Sala de situação em saúde é um conceito central no planejamento estratégico da gestão pública. Trata-se de um espaço físico e/ou virtual para acompanhamento de uma situação de saúde de determinada população, por meio de monitoramento e análise de diversos indicadores.]

Como a CAPES e o Ministério dos Povos Indígenas podem atuar em conjunto para mais indígenas terem acesso à educação?
De certa forma, sempre tivemos no Brasil, pelo menos nos últimos 50 anos, uma agência indigenista, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). Com um ministério, você tem a política indigenista sendo executada no âmbito do Estado, mas sob o protagonismo dos povos indígenas. Temos uma ministra (Sonia Guajajara), secretários de Estado e uma presidente da Funai (Joênia Wapichana) indígenas.

Queremos aproveitar esse momento para trazer essas experiências. Eu passei por um processo, não só de acessar o ensino superior, mas de ter apoios de permanência. E quando falo permanência, não é só o aspecto financeiro, a bolsa, mas todo um conjunto de condições para superar obstáculos de ordem econômica, cultural, de cunho linguístico, até mesmo de enfrentamento ao racismo nas instituições. Tive apoio para suplementar a língua portuguesa e a informática, porque na época em que saí da aldeia não havia a presença de laboratórios de informática. O Ministério dos Povos Indígenas e a CAPES podem avançar ao investir na inteligência indígena, para que pesquisadores de diversas áreas ajudem suas comunidades e subsidiem a formulação de políticas públicas pelo ministério.

O Brasil, agora, debate o marco temporal. O que isso significa para os povos indígenas?
O marco temporal, há um bom tempo, vem sendo acionado para negar direitos de comunidades indígenas. Agora, está na pauta do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. É muito importante que toda a sociedade brasileira esteja acompanhando, porque não é um problema só dos povos indígenas. O marco diz respeito à questão de que tipo de futuro nós vamos ter, que vamos oferecer para as próximas gerações.

O marco temporal, além de inviabilizar as demarcações das terras indígenas e comprometer a sobrevivência física e cultural dos povos, traz questões de ordem socioambiental, sanitária, política. Até mesmo no que tange ao fortalecimento da democracia, porque os territórios indígenas são bens públicos da União, são patrimônio público brasileiro. Tentar impor uma data (5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição) para dizer que os indígenas só têm direito às terras que estavam ocupando já na época é condenar os povos originários a um não-futuro.

Foto: Ex-bolsista da CAPES, Eloy Terena é advogado e secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (Foto: Naiara Demarco – CGCOM/CAPES)

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