Professores negros e negras e sua resistência histórica. Por Ângelo Oliveira

Nesse Dia dos Professores quero dedicar minha homenagem a todas e
todos que estão nessa seara a partir do reconhecimento da luta histórica de
professoras e professores negras e negros que, historicamente, tiveram sua
condição de humanidade e, por consequência, sua intelectualidade negada. A
obra intitulada “Cor e Magistério”, organizada pela professora Iolanda de
Oliveira (2006), denuncia que,

“O lugar do professor universitário não é visto de forma natural como um lugar de negros. Esta é uma profissão que exige muito o uso da mente, do argumento, da inteligência, da reflexão. Estes, porém, são atributos do branco. O negro que galgou essa posição terá que viver em constante estado de alerta, como que a responder a todo tempo questões, mesmo não verbalmente, mas até através de gestos, atitudes e sentimentos como, forma de dizer: ‘olha, eu tenho o direito de continuar aqui’. Esses questionamentos vêm de várias direções: do pedagógico,
do administrativo, dos colegas e dos alunos.” (SANTOS, 2006, p. 173)

O chamado “racismo à brasileira” é, por assim dizer, uma das tecnologias mais sofisticadas de perpetuação do racismo. Isto porque, em tese, desde oficialização do ideal republicano (1989) que sucedeu a abolição da escravatura em 13 de maio de 1888, todos seriam iguais perante a lei.

Mas de acordo com Petrônio Domingues (2005), o mito da democracia racial no Brasil encontra argumentos mediante a suposta possibilidade de ascensão social e econômica de pessoas negras que ocorre no campo das exceções, mas que, em regra, não se concretiza. Ainda na visão do autor, desde o período colonial, a elite brasileira aprendeu a conviver com a mobilidade social de alguns negros. Talvez, esse fosse o embrião do que mais tarde seria chamado de “mito da democracia racial”, assim caracterizado pela primeira vez por Florestan Fernandes.

Mas na prática, vemos que mulheres e homens negras e negros historicamente são relegadas(os) em sua inserção em espaços de prestígio social. O racismo científico, que ganha força nos anos de 1920 a partir de “intelectuais”, sobretudo, no campo do desenvolvimento humano, é uma amostra material do esforço de mostrar que negras e negros possuem capacidade intelectual reduzida e, por isso, não podem ser reconhecidas(os) como intelectuais.

Logo, essa população, restaria o trabalho braçal. Müller, em sua pesquisa, nos apresenta que professoras negras na Primeira República, “após o ingresso deviam provar permanentemente que eram inteligentes, excelentes alunas, dóceis, disciplinadas e detentoras de todos os demais atributos esperados de futuras professoras brancas” (MÜLLER, 1999, p. 53).

O epistemicídio acadêmico nos revela o quanto intelectuais negros(as) são invisibilizados e afastados dos ambientes de produção de conhecimento. Eu mesmo soube da existência de Conceição Evaristo, Cida Bento, Silvio Almeida, Djamila Ribeiro, Achille Mbembe, Santos Souza, Frantz Fanon, Aimé Césaire, entre outros, e até que Machado de Assis era negro, apenas no Mestrado em contato com os poucos intelectuais negros que tiveram acesso ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará-UFC. Nesse sentido, de acordo com Nogueira (1985),

“Soma-se ao preconceito de que o negro tem uma capacidade mental muito baixa e, portanto, é natural ficar sob suspeita e legitimação de sua posição de ascensão, tendo que provar que merece estar nesse ‘lugar’, que não é concebido como seu” (NOGUEIRA, 1985).

O horizonte da igualdade ainda está muito distante, uma vez que professoras e professores negras e negros, mesmo na universidade, enfrentam uma estrutura que os coloca à prova todos os dias. Em minha experiência pessoal, a primeira violência que me afeta é olhar para os lados e ver poucos ou quase nenhum(a) companheiro(a) negro(a). Ademais, o cotidiano de professores(as) negros(as) da universidade ainda é marcado por violências e perseguições, inclusive por parte dos gestores. A esse respeito, Santos (2006) assevera que,

“[…] mesmo galgando a posição de professores universitários, professores(as) não ficam isentos de sofrerem o preconceito e a discriminação racial, os quais se concretizam em ralação a aparência, o estranhamento do negro como professor universitário e da constante reafirmação da identidade” (SANTOS, 2006, 190).

Assim, nesse Dia dos Professores concluo dizendo que a luta contra o racismo é a luta de todos os professores, uma vez que, não há como reivindicar o acesso ao conhecimento historicamente acumulados aos trabalhadores e trabalhadoras sem reivindicar condições de trabalho adequadas aos professores. E, quando falamos de condições de trabalho, estamos falando sim de salário, mas também de formação inicial e em serviço, de estrutura física, laboratórios, insumos, entre outras condições objetivas que reverberam na qualidade da prática docente.

Nessa mesma direção, não há como pensar na luta dos trabalhadores sem levar em consideração a luta das pessoas negras, visto que, a população que sofre maior exploração salarial, que tem menor escolaridade e cuja presença nos espaços de poder é mais fortemente negada tem uma cor e pertence a uma raça socialmente construída. Sim, estou falando de mulheres e homens negros do Brasil. Avante professores e professoras por uma escola pública gratuita e de qualidade aos trabalhadores(as) e na luta antirracista.

REFERÊCIAS

DOMINGUES, P. O mito da democracia racial e a mestiçagem no Brasil (1889 – 1930). Diálogos Latino-Americanos, Red de Revistas Científicas de América Latina y eal Caribe, España y Portugal, 2005.
MÜLLER, M. L. R. Professoras Negras na Primeira República. Cadernos PENESB, 1. Relações raciais e educação: algumas determinantes. Niterói. Intertexto, 1999.
NOGUEIRA, O. Tanto preto quanto branco: estudo de relações raciais. São Paulo, T. A. Queiroz Editor, 1985.
OLIVEIRA, I. Racismo e magistério. Quarter, Niterói, EDUFE, 2006.
SANTOS, T.J.C. Professores universitários: uma conquista e um desafio a permanecer na posição conquistada. IN: OLIVEIRA, I. Racismo e magistério.
Quarter, Niterói, EDUFE, 2006.

Prof. Dr. Ângelo Oliveira.
IFCE – Campus Quixadá

 

Comments (1)

  1. A luta das professoras e professores vão além da sala de aula e das professoras e professores negros (as), vão mais além ainda, pois a luta é constante na sala de aula e fora dela, como foi citado no texto do professor Ângelo, existe luta também dos professores negros com a gestão pois ainda existe perseguição. Apesar do profissional sempre fazer um trabalho excelente, existe uma perseguição pelo seu trabalho. A luta é de todas e todos, resistência sempre, antirracista!

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

one × two =