Manifestação de apoio ao Professor Dr. Sandoval Amparo (UEPA) e ao Sindicalista Francisco Chagas (Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia-PA)
O modo de produção capitalista, geralmente articulado à política fisiológica e à ambição de políticos descomprometidos com a realidade social, possui um modus operandi já bastante conhecido daqueles que estudam sua expansão nos países do Sul global, levando à desterritorialização do campesinato e de povos indígenas, e deixando o caos e a desordem nos espaços onde se instalam. Essa realidade denuncia a injustiça e o racismo ambiental, uma vez que a expansão do capital através destes projetos, impactam, principalmente, populações com baixa capacidade econômica e jurídica de assegurarem seus direitos à cidadania e à vida digna, gerando uma dissimetria de forças e limitando suas possibilidades de reagir a tais projetos e permanecer na terra.
Especialmente na Amazônia brasileira, esta situação é corriqueira, sendo frequente a acumulação por espoliação, em prejuízo do Meio Ambiente, dos Povos Indígenas, das Comunidades Tradicionais e Quilombolas, além da população camponesa e ribeirinha, reforçando uma lógica histórica que privilegia a expansão do capital em detrimento da sociedade, mesmo quando ela gera desigualdade, violência e constrangimentos para a maioria da população.
Não obstante o quadro acima desenhado, a expansão do Capital no Brasil e na Amazônia tem ainda uma característica a mais: a perseguição política e a intimidação de lideranças, ativistas e intelectuais. Neste sentido, cabe ressaltar que o Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para ativistas, segundo dados recentes: em poucos anos, foram dezenas de acadêmicos, militantes dos movimentos sociais e indígenas ameaçados, intimidados ou mesmo assassinados, como revelam os dados da Comissão Pastoral da Terra. E esta tem sido a tônica do capitalismo periférico e desigual no Brasil e na região.
É neste contexto que fomos surpreendidos na última quinta-feira (18/01/24) com a notícia de que o Geógrafo Dr. Sandoval Amparo, Professor Adjunto de Geografia Humana da Universidade do Estado do Pará (UEPA) lotado em Conceição do Araguaia/PA, foi intimado a prestar esclarecimentos na Delegacia de Polícia Civil, juntamente com o camponês Francisco Chagas, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Agricultura Familiar de Conceição do Araguaia-PA. A denúncia foi feita pelo atual prefeito de Conceição do Araguaia-PA, Sr. Jair Martins, no dia seguinte à Amazônia Real, uma importante agência de jornalismo investigativo da atualidade, publicar mais uma relevante matéria sobre o Projeto Níquel do Araguaia e o cenário de danos socioambientais causado logo na primeira fase da sua implantação.
O motivo da denúncia foi o compartilhamento em um grupo de WhatsApp, feito pelo professor Sandoval, da reportagem “Por que a mineradora Horizonte Minerals deixou o Pará?”, publicado pela agência de notícias Amazônia Real. Quanto ao sindicalista, Francisco Chagas, a denúncia diz respeito a uma citação feita por ele na referida reportagem, por ter dito: “A gente não tem a informação bem clara do que está acontecendo com a mineradora aqui no nosso município. Dizem que alguns dirigentes do projeto juntamente com os administradores da cidade de Conceição do Araguaia mexeram na verba da obra”. Na denúncia ainda consta que o Sr. Jair Martins, prefeito da cidade, se sentiu “ofendido” com a referida reportagem.
No dia 21 de janeiro, o professor Sandoval e o sindicalista Francisco Chagas prestaram depoimento, acompanhado pelo advogado Dr. Álvaro Brito. Os fatos revelam que as denúncias feitas pelo prefeito de Conceição do Araguaia não têm nenhuma sustentação, e fica evidente que se trata de uma perseguição aos dois defensores dos direitos dos trabalhadores e de um projeto onde a defesa da vida, do respeito, da democracia estejam em primeiro lugar.
Vale ressaltar que, anteriormente, diante do completo descaso das autoridades competentes, Chagas e Sandoval elaboraram e assinaram juntos um competente dossiê em que denunciavam os graves problemas do Projeto Níquel do Araguaia, especialmente no que tange ao uso temerário dos recursos hídricos, à deterioração da qualidade do ar (gerando diversos problemas de saúde para a população camponesa) e, por fim, revelando que a empresa não possuía, de fato, uma política de gestão ambiental, ancorando-se em um marketing verde como viés de autopromoção.
Em seguida, Chagas e Sandoval, ambos então membros do Conselho Municipal de Meio Ambiente da cidade, conseguiram a maioria de votos para aprovar, naquela instância, uma Instrução Normativa que previa a suspensão das atividades do Projeto Níquel do Araguaia da mineradora Horizonte Minerals PLC apresentado como o maior projeto de níquel do Brasil pela própria empresa, até que esta atendesse a contento os reclames da população diretamente afetada por suas atividades. Entretanto, a Instrução jamais foi publicada no Diário Oficial do município e Sandoval foi retirado do Conselho, após pressões do prefeito junto à UEPA.
Apesar disso, o dossiê gerado por ambos e encaminhado a todas as autoridades competentes da Justiça, do Executivo e do Legislativo, além de ter sido disponibilizado ao público em geral, gerou uma série de desdobramentos, dentre eles a suspensão do financiamento do projeto por parte das instituições financeiras, com a consequente suspensão do projeto, cerca de 1 mês depois.
Sandoval é Geógrafo, Doutor em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com expertise em povos indígenas. Enquanto Francisco Chagas é militante dos movimentos sociais no sul do Pará, responsável pela luta histórica contra o latifúndio e pela reforma agrária, resultando na criação dos assentamentos Capivara, Santa Mariana e Pecosa, todos em Conceição do Araguaia. Ambos são figuras comprometidas com as causas em que atuam e por isso são reconhecidos.
Por sua vez, políticos descomprometidos com as questões ambientais, que vêm perseguindo Chagas e Sandoval, costumam achar que podem legislar em causa própria e suspender os direitos da população, para atender a interesses mais do que escusos, esquecendo-se de que, com a atual crise climática e ambiental, os olhos do mundo se voltam para a Amazônia e tudo que ali acontece é de interesse da comunidade científica e da sociedade civil nos níveis nacional, latino-americano e global.
Diante disto, as entidades e intelectuais abaixo se reuniram e decidiram lançar esta nota em repúdio à tentativa de intimidação dos movimentos sociais e dos acadêmicos, cobrando das autoridades competentes que sejam respeitados os direitos dos cidadãos à livre manifestação e o direito da população a um meio ambiente saudável. Esperamos que esta arbitrariedade seja corrigida e os direitos da população afetada sejam respeitados, trazendo paz e tranquilidade para todos.
24 de Janeiro de 2024.
Assinam esta carta:
Rede de Pesquisadores de Geografia (Socio)Ambiental – RPG(S)A
Comissão Pastoral da Terra – CPT Xinguara
Sindicato dos Docentes da Universidade do Estado do Pará – SINDUEPA
Sindicato dos Docentes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – SINDUNIFESSPA
Regional Norte I da Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES
Regional Norte II da Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES
Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES
Comissão de Direitos Humanos da OAB Pará
Comissão de Direitos Humanos da OAB Xinguara
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Conselho Regional de Psicologia – CRP-10 (Pará e Amapá)
Núcleo de Pesquisas sobre Espaço, Política e Emancipação Social – UFOPA
Grupo de Pesquisa Territorialização Camponesa na Amazônia
Núcleo de Pesquisa e Extensão em Conflitos Agrários – UNIFESSPA
Federação dos Trabalhadores e trabalhadoras da Agricultura Familiar – FETAGRI – SUL
Instituto Zé Cláudio e Maria – IZM
Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Agricultura Familiar de Conceição do Araguaia
Projetos de Assentamentos: PA Capivara, PA Santa Mariana, PA Pecosa, PA Joncon – Lote 08, PA Curral da Pedra, PA Morro Alto, PA Serra Verde e PA Volta Nova
Ocupação Jacutinga e Ocupação Talismã
Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Geografia da Universidade Federal de Rondônia – PPGG/UNIR
Núcleo de Estudos sobre Território, Ações Coletivas e Justiça NETAJ/UFF
Vagner Fia – Conselheiro no Crea-RJ, Coordenador da Comissão de Meio Ambiente (CMA) e Vice-presidente da Aprogeo RJ
Dinah Tereza Papi de Guimaraens – Professora Associada Permanente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Thiago Roniere Rebouças Tavares – Professor de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Rafael Zilio Fernandes – Professor do curso de Geografia da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)
Fabiano de Oliveira Bringel – Professor do Departamento de Geografia – DGEO/CCSE e Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação de Geografia – PPGG/UEPA
Prof. Dr. Josué da Costa Silva – Pesquisador Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas G.E.P. Culturas Amazônicas. Universidade Federal de Rondônia-UNIR
Profa. Dra. Maria das Graças Silva Nascimento Silva – Pesquisadora e Lider do Grupo de Estudos e Pesquisas em Geografia, Mulher e Relações Sociais de Gênero – GEPGENERO da Universidade Federal de Rondônia-UNIR
Rita Montezuma – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa de Paisagens da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Josué da Costa Silva – Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Rondônia (PPGG/UNIR)
Carlos Alexandre Bordalo – Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA)
Valter do Carmo Cruz – Geógrafo e doutor em Geografia, professor do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense -UFF
Rogério Hasbaert – Núcleo de Estudos Território e Resistência na Globalização – GEOGRAFIA-UFF