Emergência climática e direitos humanos: ser solidário e exigir respostas à altura da crise
Justiça Global
O cenário devastador em, ao menos, 80% das cidades do Rio Grande Sul devido às fortes chuvas desde a semana passada– que chegou ao número de cem mortos nesta quarta-feira (08/05)– consuma à população brasileira que a emergência climática não é uma abstração no futuro. Acontece no tempo presente e tem como consequência o aprofundamento das desigualdades sociais históricas e das violações de direitos humanos. Até agora,128 pessoas estão desaparecidas, outras 372, feridas e, ao menos, 230 mil estão desabrigadas.
No caso do Rio Grande do Sul, podemos observar um padrão histórico baseado no desmatamento e no uso e ocupação do solo por monocultivos, que aumentou nos últimos anos, sem preocupação com a preservação ambiental. O volume das chuvas, combinado com a falta de preservação da vegetação nativa, limita ainda mais a absorção das águas, gerando o alagamento das cidades.
Ao menos, 80 comunidades indígenas foram afetadas, segundo dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), de etnias Guarani-Mbya, Kaingang, Xokleng e Charrua. O estado, segundo o Ministério da Igualdade Racial, tem mais de sete mil famílias quilombolas e aproximadamente 1300 famílias de comunidades tradicionais de matriz africana e terreiros. Muitas delas estão ilhadas, sem acesso à água, energia e alimento. São os trabalhadores empobrecidos, que vivem em áreas com pouca ou nenhuma infraestrutura, os mais atingidos pelas consequências da tragédia.
O cenário que atinge o território gaúcho, estado das Araucárias, dos Pampas, e da Mata Atlântica, não é um evento isolado e muito menos imprevisível. É anúncio que se repete e reverbera em todo o território nacional. Já são vários os eventos climáticos de grande magnitude apenas no Brasil desde o fim do ano passado para cá. Ondas de calor, chuvas acima da média histórica em uns estados, e abaixo do índice esperado em outros, enchentes no Rio Acre que inundaram sete cidades no estado acreano meses após a população ter enfrentado uma seca de grandes proporções, bem como a aridez nos rios da Bacia Amazônica.
É importante, ainda, destacar que tais eventos apresentam uma cascata de desafios: de saúde, de moradia, de migração, de saneamento, de energia, entre outros. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) destaca, por exemplo, o aumento de riscos de rompimento de barragens. Na quinta-feira (02), houve o rompimento parcial da barragem 14 de julho, na cidade de Cotiporã–RS.
Os governos precisam assumir sua responsabilidade com políticas de adaptação e mitigação climática. No Rio Grande do Sul, as cidades têm sido enormemente afetadas pelas chuvas e enchentes, o que demonstra a necessidade urgente de instrumentos de planejamento urbano que levem em consideração políticas de adaptação climática– com observação rigorosa dos direitos humanos em qualquer decisão tomada. Será necessário, por exemplo, reformular os Planos Diretores das Cidades. Atualmente, mais da metade dos municípios brasileiros não contam com qualquer previsão de ações climáticas. Em ano de eleições municipais no Brasil, é necessário que se construam planos de governo que apontem caminhos para essas questões, tendo em vista que as alterações climáticas vão continuar ocorrendo e podem se intensificar.
É fato que é preciso investir em adaptação, adequar as estruturas urbanas, estradas, pontes, realocar regiões de moradia e restringir construções no litoral, mas não é só isso. É preciso implementar o Código Florestal vigente e parar a flexibilização da legislação ambiental brasileira. Além disso, é urgente reduzir a emissão de gases de efeito estufa, reduzir o desmatamento e o uso dos combustíveis fósseis.
Mesmo diante da crise climática afetando decisões globais, temos visto no Brasil uma série de ações que vão na contramão das respostas necessárias, como a intensificação do agronegócio, megaprojetos com alto impacto socioambiental, ausência de qualquer solução em programas de investimento como o Novo Pac.
Vale destacar que o negacionismo não é apenas refutar as evidências e consequências do aquecimento global, mas também negligenciar a necessidade de políticas de adaptação, de mitigação e sobretudo de prover mudanças estruturais na relação com o meio ambiente. É ainda sobrepor os interesses de grandes corporações extrativistas à proteção da natureza e dos povos.
A Justiça Global se solidariza com as centenas de famílias afetadas e enaltece a mobilização de brasileiros(as) em apoio às vítimas no sul do país. Não obstante, destacamos que é possível, ao mesmo tempo, se solidarizar com as vítimas da tragédia climática no Rio Grande do Sul e atuar de forma crítica com relação ao cenário de devastação que estamos vivenciando. Nossa tarefa é pensar e construir futuros possíveis mirando um horizonte de garantia de direitos.