Doutor em Física Teórica, especialista em oceanos, política energética e economia, e pesquisador do Instituto de Ciências do Mar (CSIC), em Barcelona, Antonio Turiel (León, 1970) atua como um profeta incômodo. Não prega o fim dos tempos, mas, sim, o fim da abundância, expressão que devemos a Emmanuel Macron.
Fala-se de racionamento, mascarado com o título de “medidas de poupança”, empresas estratégicas são nacionalizadas, os totalitarismos neoliberais de extrema-direita ganham forma, sustenta-se a guerra e o genocídio é televisionado. Adverte-se, timidamente, que “tempos novos, tempos selvagens”, como canta Jorge Ilegal, estão chegando.
Turiel aborda estes e outros assuntos em El final de las estaciones? Razones para el decrecimiento y para la rebelión de la ciencia (CTXT), escrito com Juan Bordera e Fernando Valladares.
A entrevista é de Esther Peñas, publicada por Ethic, com tradução do Cepat.
Eis a entrevista.
O fim da abundância. É uma boa notícia?
Depende de como for gerida. “O fim da abundância” é uma expressão que Macron utilizou para se referir ao problema da falta de água na França. Ele começou a falar sobre isso, mas os tempos da abundância já passaram. A discussão que nos cabe é qual modelo de gestão que queremos para o fim da abundância. O principal problema é que o fim dos combustíveis fósseis está ocorrendo de forma muito acentuada…
Isso é algo que se sabia há cinquenta anos…
Exato, há cinquenta anos, mas é um assunto que os economistas clássicos não gostam de abordar e tendem a minimizá-lo e a ridicularizá-lo. Contudo, não se trata de especulações: seu teto geológico é uma observação. Já se viu que muitos países atingiram o seu máximo de extração de petróleo, algo que agora está acontecendo em todo o planeta.
No caso do petróleo, o ponto máximo de extração – estamos falando de petróleo bruto convencional – foi em 2005, há 19 anos. Dezenove anos, insisto, não é uma novidade. Naquele momento, eram extraídos 70 milhões de barris por dia; agora, esse número caiu para 60 milhões. Caiu 12% e está acelerando.
Mas surgiram sucedâneos do petróleo…
Sim, como faltava petróleo bruto convencional, foram introduzidos sucedâneos. Graças a determinados tratamentos e processos, obtém-se algo que, mais ou menos, funciona como o petróleo, mas é mais caro de produzir e tem pior desempenho econômico e energético. Com esses sucedâneos, fomos empurrando até 2018, o ano da máxima produção conjunta de petróleo convencional e sucedâneos.
Desde então, essa produção caiu 4% em relação a 2018 e continua diminuindo rapidamente. A Arábia Saudita afirmou que desfaz seus planos de ampliar a produção porque não vale a pena, pois custa cada vez mais extrair petróleo. É óbvio: se você gasta mais energia do que vai receber, não compensa, nem energética, nem economicamente. Isto acontece com qualquer matéria-prima.
Também com o urânio, que parece essencial?
Incluindo o urânio. Os defensores da energia nuclear não entendem que, de todas as matérias-primas energéticas não renováveis, a que pior se comporta é o urânio, que chegou a seu máximo, em 2016, e, agora, caiu 23%. É a matéria que cai mais rápido, pelas suas características geológicas. Dizem-nos que o planeta possui enormes reservas de urânio. Contudo, isto é como dizer: “Olha, tem muita seca, mas não tem problema, porque tem muita água no ar, você só precisa condensá-la e utilizá-la”.
O custo energético que isso requer é descomunal, não vale a pena. A mesma coisa acontece com o urânio. Há muita coisa na natureza, é verdade, mas a dificuldade de extraí-la é imensa, está dispersa e, além disso, sabe-se que não se pode pagar qualquer preço pela energia, porque a economia quebra. Como sou físico, vou explicar de outra forma: se você gasta mais energia do que recebe ao fazer isso, não compensa.
Ou seja, os recursos se esgotam, mas não acontece de supetão.
Não, de forma alguma, isto não acaba de repente, estamos entrando em um processo de declínio que se ampliará. Estamos em um processo de declínio energético e material inevitável, que é dado pela geologia e a termodinâmica. Há limites para o rendimento máximo que não pode ser detido, não é uma questão de tecnologia. Também há um esforço imenso para negá-los, porque esta realidade tem consequências para o modelo de transição renovável que se propõe, mas é assim.
Sabíamos que iria acontecer o que estamos vivendo e vendo, o problema é como fazemos a sua gestão. De momento, parece que impera a ideia neoliberal formulada por Juan Bordera: “Salve-se quem tiver”. Isso é uma barbaridade. Nós que falamos do decrescimento, sabemos que é necessário que seja planejado e democrático. A inflação não é decrescimento, é empobrecimento. É preciso decrescer, sobretudo os países opulentos, porque os do Sul, em todo caso, terão de crescer, e nós diminuirmos o ritmo para lhes dar espaço.
Como iremos gerir estes recursos declinantes, sem que a sociedade sofra? Isso pode ser feito, é possível. Nós levantamos a voz para propor e nos chamam de colapsistas. Tecnicamente é possível fazer esta gestão, manter-nos com os recursos existentes com um nível parecido ao de agora. É um problema social, cultural, do modelo de sociedade que temos.
A razão última para não querer enxergar a questão é manter o capitalismo. É um assunto tabu este sistema ter de ser substituído por outro. O capitalismo requer a lógica do crescimento sustentado, mas o crescimento infinito, em um planeta com recursos finitos, é uma estupidez, além de ser uma impossibilidade.
Há algumas semanas, dada a seca sofrida pela Catalunha, Salvador Illa afirmou que “o diagnóstico não pode ser o decrescimento”.
Claro, claro, o que ele propõe são os Jogos Olímpicos de Inverno, construir um cassino e fazer uma terceira pista ao lado do mar. Essa é a sua proposta. No entanto, é bom que se fale do decrescimento, mesmo que seja para zombar dele, porque isso significa que estamos no bom caminho.
O patrocínio das diversas cúpulas do clima por grandes empresas é uma irresponsabilidade, um cinismo, um delírio?
É uma demonstração da inutilidade prática das cúpulas. Não esperava nada da última COP, mas conseguiu me decepcionar. O menos importante já é a questão dos patrocínios, o mais importante é que o lobby dos combustíveis fósseis formava a maior delegação, mais ainda que o presidente da COP era o CEO de uma companhia de petróleo. Assim, sem qualquer dissimulação.
É decepcionante e é gravíssimo. Estamos em um momento extraordinariamente crítico, fechamos 2023 com uma temperatura média, em relação aos níveis pré-industriais, 1,5 grau acima. Sem falar da temperatura da superfície do mar, que se desvia muito de seus registros médios.
A questão da temperatura do mar, que é de extrema gravidade, quase não ocupa espaço nos meios de comunicação…
Mas, é de enorme gravidade, o mar é o componente lento do sistema climático. O mar absorve dois terços do CO2 emitido para a atmosfera e 90% do excesso de calor associado à mudança climática. O mar não suporta mais. E não, ninguém fala disso. Qual é o sentido de registrar o desastre, se nada se faz? O mar só tem uma via para liberar energia, através da atmosfera, através das tempestades.
Estão acontecendo coisas alucinantes, como a Tempestade Daniel, que foi uma das mais duras que aconteceram nos últimos anos. Começou como uma tempestade, foi até a Grécia e lá despejou mil litros de água por metro quadrado, em dois dias, o equivalente a dois anos de chuvas. Em dois dias. Destruiu 25% das terras agrícolas da Grécia, algumas delas já irrecuperáveis pelos escoamentos. Além dos mortos.
Na sequência, passou pelo Mediterrâneo, em direção à Líbia. Ao atravessar uma área onde a temperatura do mar estava em 31 graus, intensificou-se, tornando-se um medicane, um ciclone tropical mediterrâneo. Quando você tem uma tempestade bem estruturada verticalmente, sem tendência a se desfazer, e passa por áreas onde a temperatura do mar está acima de 28 graus, ocorre um processo de retroalimentação em que o mar transfere energia e a tempestade vira furacão. Furacões são feitos no mar.
Essas tempestades se transformam com maior frequência em furacões. Há vinte anos, este evento, o medicane, era uma mera possibilidade científica. Há dez anos, ocorreu o primeiro na América; há sete, já houve alguns. Daniel entrou na Líbia, descarregou 400 litros por metro quadrado, em seis horas, em um território arrasado pela guerra civil, e rompeu duas barragens, arrastou casas inteiras para o mar. Causou 13.000 mortes e 10.000 desaparecidos. É um exemplo.
Podemos falar da tempestade Otis, que arrasou Acapulco. O mesmo processo, começou como uma tempestade tropical, passou por uma área do mar com altas temperaturas e, em 24 horas, tornou-se um furacão de categoria cinco, a máxima possível, com ventos sustentados de 260 km por hora e rajadas de 310. Atingiu Acapulco, destruiu-a. Ainda não há um balanço do número de mortos, embora sejam milhares. Na Espanha, beiramos várias vezes o desastre, mas não há consciência.
Fala-se das mortes provocadas pela emergência climática (eventos extremos, deslocamentos forçados, secas, fomes…), mas qual é o impacto na saúde mental?
Sou físico, não sou especialista em saúde mental, mas posso lhe dizer que, além do que você mencionou, que também deixa marcas na saúde mental, existe o próprio estresse climático, que todos nós sofremos nessas noites tropicais em que não se descansa, com a angústia provocada por esta situação de incerteza nos lugares onde ocorreu um evento extremo, como Daniel, e, é claro, a ecoansiedade sofrida por cientistas e especialistas que passam o dia inteiro pesquisando e acumulando dados sobre a emergência climática.
Ao longo do livro, há um constante chamado à desobediência civil. Como articulá-la? Como estabelecer esses processos necessários de reconstrução e autogestão?
Há intervenções, como a realizada por quinze membros do grupo Rebelión Científica, que jogaram tinta no Congresso dos Deputados e que enfrentaram 21 meses de prisão por danos materiais ao patrimônio e pela interrupção da sessão parlamentar, algo que, graças a Meritxell Batet, então presidente do Congresso, demonstrou-se que era falso. É uma ação muito tíbia. De fato, levaram água para limpá-lo.
Agora, o grupo Rebelión Científica está sendo investigado como uma organização criminosa. Os quinze companheiros foram libertados, com responsabilidades. Estão aguardando o julgamento. Há um nível de repressão muito forte, avança para o totalitarismo. As pessoas estranham, pensam que são badernas, excentricidades…, mas ações como essa abrem o debate.
A desobediência civil coloca o foco da atenção midiática onde ninguém olha. Rosa Parks decidiu não ceder o seu assento a um homem branco, ficou um dia na prisão, mas mudou as coisas. Abriu o debate, um assunto que até então ninguém se atrevia a tocar. Desobedeceu. Quando falo em desobediência civil, refiro-me à necessidade de aumentar a participação da sociedade civil na tomada de decisões sobre temas que são cruciais.
Uma das concessões de Macron, durante a crise dos “coletes amarelos”, foi a convocação de assembleias cidadãs: cem cidadãos escolhidos aleatoriamente para deliberar sobre um assunto, ouvindo diferentes especialistas e tomando decisões. A Espanha já teve uma assembleia cidadã pelo clima, mas ninguém se inteirou. Suas conclusões não eram vinculantes, mas, sim, muito sensatas.
As pessoas não são bobas. Se você fornece informações e elas podem compará-las e ouvir especialistas e cientistas, tiram suas próprias conclusões. Uma das resoluções desta assembleia, apoiada por 87%, é que era preciso fazer uma pedagogia sobre o decrescimento, algo que não se escutou.
Pessoas informadas tomam decisões em benefício da maioria, mas contra os interesses imediatistas dos poderes econômicos. A sociedade civil precisa recuperar os espaços de participação e diálogo onde as decisões são tomadas, sem ser mediadas por poderes econômicos que só pensam em seu lucro.
Como em um passe de mágica, na emergência climática a ênfase é colocada nas emissões de CO2 e nas taxas de retorno energético, não sendo o mais premente. Ao mesmo tempo, colocam-nos armadilhas linguísticas, como o “capitalismo verde” …
Fazem isso para vender uma narrativa que se adeque aos interesses do grande capital. A questão é sempre esta: como fazer as coisas de um modo que não prejudique o grande capital econômico. Parece que o único problema ambiental que temos é a mudança climática. De acordo com o trabalho desenvolvido pelo Centro de Resiliência de Estocolmo (SRC, na sigla em inglês), no qual 16.000 pesquisadores trabalharam para analisar os limites planetários, que se ultrapassados colocariam em xeque a continuidade da espécie humana, verifica-se que, dos nove limites planetários delimitados, ultrapassamos seis.
A mudança climática, sempre extremamente grave, não é o pior. O primeiro ponto de gravidade é a poluição química, a dos plásticos, metais pesados e poluentes orgânicos persistentes. O segundo problema mais grave também não é a mudança climática, mas a perda de biodiversidade, da qual pouco se fala. O terceiro pior problema também não é a mudança climática, mas a criação dos ciclos biogeoquímicos, que afetam o crescimento das algas e das plantas, causam o desequilíbrio no fósforo e no nitrogênio e criam zonas mortas no oceano.
Temos o caso de Múrcia. Também empobrecem a terra. Nem todos os problemas ambientais são a mudança climática e, claro, a luta contra ela não consiste só em reduzir as emissões. É preciso reduzi-las, mas é necessário fazer muito mais coisas, e não se trata de manter a atividade emitindo menos, mas, talvez, diminuir o nível de atividade.
Também nos deparamos com a mentira, a mentira de que a única forma de conseguir a descarbonização é investir em determinado modelo de substituição energética por energias renováveis. Aposta-se na energia renovável elétrica industrial, quando já se sabe que não funciona. O consumo de eletricidade na Espanha, na Europa e na OCDE vem caindo desde 2008. Consumimos cada vez menos, mas instalamos mais sistemas para produzir eletricidade. O mercado está saturado.
Como, então, aumenta o preço da luz? Há um excesso de oferta e continuamos instalando sistemas de eletricidade. A geração de energias renováveis, eólica e fotovoltaica, tem muitas limitações, começando pela qualidade. As pessoas pensam que o atual mix elétrico pode ser substituído pelas energias renováveis, mas é mentira, as energias renováveis são intermitentes, às vezes há, às vezes não. O problema é que entram e saem, geram picos de produção e é necessária uma central que possa responder rapidamente a esses picos de produção para estabilizar a tensão, que não são fáceis de gerir. Para isso, só na Espanha, seriam necessários 80% do lítio mundial.
Estamos praticando um modo de transição que não funciona. O que tem de objetivo é o encarecimento das matérias-primas porque o diesel está ficando cada vez mais caro, mas acontece que, além disso, os grandes geradores estragam, e continuamos vendendo o hidrogênio verde e o carro eléctrico. O carro eléctrico não pode ser popularizado, assim como o hidrogênio verde não pode substituir os combustíveis fósseis porque é muito ineficiente, não é uma fonte de energia, gasta-se muita energia para produzi-lo e se perde muita no processo e, dependendo do uso, segue-se perdendo.
Apostamos neste modelo porque é a única esperança do capitalismo continuar, ganha tempo para ver se ocorre um milagre tecnocientífico que permita seguir com o seu ritmo. Pretendemos que a energia renovável se comporte como a energia fóssil e isso é impossível. Sim, as energias renováveis são mais democráticas, estão distribuídas mais ou menos por todos os lados, mas em pouquinha quantidade. Tentam concentrá-las com grandes perdas, ineficiências e depois as transportam com mais perdas ainda. Não, não funciona. Não nos enganemos.
No ano passado, embora a instalação de energias renováveis tenha tido um recorde histórico, também houve um recorde nas emissões de CO2. Nada está sendo compensado. Trata-se de manter as empresas que se dedicam à construção, não esqueçamos que estamos no país dos aeroportos sem aviões e das rodovias sem carros, com parques renováveis abandonados. O importante é construir. E se constrói com Fundos Next Generation, 146 milhões de euros, esquecendo-nos de que a metade são subsídios e a outra metade créditos. Não olhamos para além do enorme imediatismo e ignoramos as evidências acumuladas de que o modelo não funciona.