Nota sobre a politização da Presidência da CNBB. Por Pedro A. Ribeiro de Oliveira

IHU

“É preciso não ter medo nem vergonha de fazer política – forma sublime da Amizade Social, como diz Francisco na Fratelli Tutti, seguindo o ensinamento de seus antecessores – mas não fazer qualquer política: a política deve ser pautada pela Ética do Bem Comum”, escreve Pedro A. Ribeiro de Oliveira.

Pedro A. Ribeiro de Oliveira é doutor em Sociologia pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica. Foi professor no mestrado em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas – PUC Minas, consultor de ISER-Assessoria, membro da diretoria da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – SOTER e da coordenação nacional do Movimento Fé e Política. Dentre suas obras, destacamos Fé e política: fundamentos (Ideias & Letras, 2004), Reforçando a rede de uma Igreja missionária (Paulinas, 1997) e Religião e dominação de classe (Vozes, 1985).

Eis o artigo.

A nota da CNBB sobre o PL1904/2024 é apresentada como “posicionamento de defesa e proteção da vida em todas as suas etapas” e inicia seu segundo parágrafo afirmando que “A CNBB não se insere na politização e ideologização desse debate”. É essa forma de politização da CNBB que quero aqui criticar, sem entrar no mérito da discussão sobre aborto, estupro de crianças e adolescentes e, menos ainda, a conveniência de legislação punitiva ao aborto.

Que essa questão é essencialmente política, não há dúvida: trata-se de votar um projeto de lei pelo Poder Legislativo do Estado. Há, ainda, no caso o agravante de ele ter um caráter oportunista que não poderia ser ignorado e que ficou demonstrado pela declaração do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) de que está disposto a retirar seu projeto de lei, desde que o PSOL também recue na ação que move no Supremo Tribunal Federal. Quem entende a linguagem da política partidária percebe facilmente que essa fala é parte de uma jogada política que visa desgastar o Presidente Lula, obrigando-o a vetar uma lei que, se aprovada, causaria muitos danos às mulheres – especialmente às adolescentes.

Será que a Presidência da CNBB, que assina a nota, não percebe que entrou na jogada política do grupo bolsonarista? Afinal, a CNBB conta com um naipe de excelentes cientistas sociais e analistas da política e da economia, gente disposta a ajuda-la a entender os movimentos da conjuntura. Essa equipe certamente poderia alertar os bispos da Presidência sobre o jogo político que prelados mais preocupados com assuntos eclesiásticos talvez tenham dificuldade para perceber. Assim a CNBB teria evitado entrar inadvertidamente nessa cilada política, como já evitou em tempos passados.

É preciso não ter medo nem vergonha de fazer política – forma sublime da Amizade Social, como diz Francisco na Fratelli Tutti, seguindo o ensinamento de seus antecessores – mas não fazer qualquer política: a política deve ser pautada pela Ética do Bem Comum. Ciência e Arte do Bem Comum, como se dizia em outros tempos, a Política requer um saber específico que, pautado pela Ética – nunca é demais repetir! – deve orientar a ação dos cristãos e cristãs para que ela seja realmente instrumento de evangelização.

É o que leigos e leigas esperamos de nossos bispos: que assumam conosco as grandes causas das vítimas de injustiça para juntos buscarmos sua superação. Ao assumir essa ação política, a Igreja como um todo cumpre sua missão evangelizadora no mundo, anunciando e antecipando o Reinado da Justiça, da Paz e do Cuidado com toda criação – especialmente seus setores mais frágeis.

 

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