Dado considera impacto que cidades podem ter por causa da exposição e vulnerabilidade – pontos que gestores podem mudar
Por Gabriel Gama, Giovana Girardi, Agência Pública
No dia 1º de janeiro de 2025, pelo menos 1.641 prefeitos no Brasil vão tomar posse em cidades que têm risco de impacto alto ou muito alto para desastres relacionados a chuvas, como deslizamentos de terra e/ou inundações, enxurradas e alagamentos. Elas representam quase 1 a cada 3 municípios do país e 50% da população. Entre essas cidades, 907 têm risco de impacto elevado para os dois tipos de desastres. É o caso de capitais como Rio de Janeiro, Salvador, São Luís, Natal, Maceió, Macapá e Manaus.
O agravamento das mudanças climáticas impõe aos novos mandatários um desafio extra de gestão. A forma como planejam administrar suas cidades nos próximos quatro anos vai tornar seus habitantes mais ou menos vulneráveis ou resilientes diante da ocorrência de eventos extremos, que têm se tornando mais comuns e intensos em todo o mundo.
Os dados foram compilados pela Agência Pública na plataforma AdaptaBrasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que reúne informações sobre diversos riscos de impacto das mudanças do clima para cada um dos 5.570 municípios do país. O objetivo é revelar as fragilidades a fim de orientar ações de adaptação nas cidades.
Por que isso importa?
- É nas cidades que a crise climática chega primeiro e são os prefeitos os que primeiro atendem às emergências.
- Sem planejamento para aumentar a resiliência dos municípios, as populações tendem a ficar mais vulneráveis ao aumento de eventos como as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul neste ano.
A plataforma considera, além dos dois tipos de desastres geo- hidrológicos (deslizamentos e inundações, enxurradas e alagamentos), os riscos de impacto de seca e de doenças e também os riscos às seguranças alimentar e energética e às infraestruturas portuária, rodoviária e ferroviária.
A análise estabelece um índice para cada um desses riscos, que vai do muito baixo ao muito alto, a partir de um cálculo que considera uma combinação de três fatores principais: quanto cada cidade está ameaçada pela mudança do clima (se vai chover mais ou menos, por exemplo); quanto ela está vulnerável a essa ameaça (ou seja, se a cidade é muito sensível ao problema ou se tem condições de lidar com aquilo); e quanto está exposta (se tem pessoas em moradia de risco e em alta densidade demográfica).
Isso é importante porque quanto uma cidade pode sofrer diante de um evento não depende apenas da intensidade dele. Dois municípios – ou dois bairros dentro de uma mesma cidade – podem ser atingidos por um mesmo volume de chuva, mas ter uma quantidade de danos ou vítimas completamente diferente porque são mais ou menos vulneráveis ao desastre.
Essa análise tem tudo a ver com as eleições e com os desafios dos novos prefeitos, apontam especialistas ouvidos pela Pública. É nas cidades que o desastre climático primeiro se instala. São os prefeitos, os gestores locais, os primeiros a ter de atender às emergências. Mas são também eles que podem adotar medidas que, se não vão evitar que uma chuva forte aconteça, por exemplo, ao menos conseguem reduzir seu impacto e salvar vidas.
Manter a adoção de velhas práticas que não levem em conta esses riscos, por outro lado, como canalizar rios, impermeabilizar as cidades, reduzindo as áreas verdes, permitir a ocupação de áreas sem oferecer nenhuma infraestrutura, pode agravar ainda mais esse cenário.
“A mudança do clima acontece no território, mas as políticas climáticas ainda estão acontecendo nos níveis globais, nacionais, setoriais. Ainda falta trazer o tema de clima para os municípios”, aponta Ana Toni, secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente.
Ela vem liderando a construção do Plano Clima, pensado para guiar a política climática brasileira até 2035 a partir de dois pilares: uma estratégia para reduzir as emissões de gases de efeito estufa do país; e uma estratégia de adaptação, para diminuir a vulnerabilidade de cidades e ambientes naturais às mudanças do clima.
Trabalhando em contato direto com gestores municipais nesse processo, ela diz sentir que ainda falta preparação para os prefeitos em relação a essa agenda. “Cabe aos prefeitos fazer adaptação, prevenção e preparação para desastres. Cabe também fazer mitigação, porque toda a área de mobilidade urbana está na mão do prefeito, assim como a de resíduos. Essa é a agenda que deveria ser abraçada pelos futuros prefeitos e prefeitas. Mas o que a gente vê é uma falta de preparação deles”, afirma a secretária.
Ela argumenta que ainda não existe uma cultura de fazer políticas que talvez possam vir a beneficiar o prefeito do futuro. “Pensa-se muito em programas e projetos que tenham efeitos mais rápidos: ‘vou construir uma escola’. Mas, se a escola vai ser inundada daqui 8 anos ou 10 anos não é mais a responsabilidade daquele prefeito que construiu a escola. Acho que ainda não há incentivos para que o prefeito faça construções resilientes”, diz.
Uma das ideias do Plano Clima é orientar os governos locais nesse sentido, para que eles construam seus planos de adaptação.
Não é só a chuva forte que faz um desastre
“Não estamos aqui falando se há ou não o risco de existir um desastre, mas do risco do impacto que esse desastre pode causar, o que é muito diferente”, explica Jean Ometto, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador científico do AdaptaBrasil. “Estamos falando que, se acontecer um deslizamento ou uma inundação, o impacto é maior ou menor dependendo da vulnerabilidade e da exposição daquela população”, diz.
O fator vulnerabilidade considera quão sensível é um determinado lugar a ser alterado diante do desastre (deslizar, inundar, por exemplo) e se ele tem a chamada capacidade adaptativa – que é quanto as cidades estão preparadas para responder ao desastre.
Esse é um dos fatores de maior fragilidade no país. As cidades simplesmente não estão preparadas: de acordo com o AdaptaBrasil, 66% do total de municípios do Brasil (3.679) possuem capacidade adaptativa baixa ou muito baixa para deslizamentos de terra. Quando se observa a situação para inundações, enxurradas e alagamentos, o número é ligeiramente maior, com 3.739 cidades com capacidade adaptativa baixa ou muito baixa para enfrentar esse tipo de desastre.
Outras informações que compõem o índice de vulnerabilidade tratam da governança e a gestão do risco nas cidades, fator diretamente relacionado com a condução de políticas públicas na esfera municipal. Quatro a cada cinco cidades brasileiras (83%), ou 4.634 municípios, possuem gestão de risco baixa ou muito baixa para deslizamentos de terra. Tratando de inundações, enxurradas e alagamentos, são 4.374 cidades (78% do total) com gestão de risco baixa ou muito baixa.
A plataforma também agrega informações específicas sobre a existência ou não de sistemas de alerta antecipado para os desastres: apenas 1.072 cidades, ou uma a cada cinco no país (19%), possuem essa ferramenta para enfrentar deslizamentos de terra e 1.178 municípios operam alertas para inundações, enxurradas e alagamentos.
Terceiro fato que compõe o risco de impacto, a exposição leva em conta a presença de pessoas, moradias e infraestrutura nesses locais sujeitos a deslizamento ou inundação, por exemplo. “Um morro pode deslizar em uma chuva, mas, se não tiver casa ali, não há exposição”, explica Ometto.
São 1.130 municípios com índice de exposição alto e muito alto para inundações e 1.069 para deslizamento. O pesquisador cita como exemplo São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, que em fevereiro de 2023 foi atingido por fortes chuvas e 64 pessoas morreram. As vítimas estavam todas nos locais de alta vulnerabilidade e exposição (ocupando os morros, por exemplo). Já nos bairros mais seguros, houve impactos, mas infinitamente menos graves.