“O climatologista Carlos Nobre, numa entrevista, disse estar apavorado e que não se previu a rapidez com que a crise do clima impactaria os dias atuais. No entanto, mesmo diante dessa crítica realidade, o presidente Lula anunciou a retomada da pavimentação de um trecho da rodovia BR-319, o Lote C, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO)”, escreve Txai Suruí, coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental — Kanindé e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, em artigo publicado por Folha de S.Paulo, e reproduzida no Facebook de André Vallias
Eis o artigo.
A Amazônia se tornou o maior emissor de gases de efeito estufa no mundo. Isso se deu devido às queimadas e à seca extrema que afetam a região e cobriram com fumaça 60% do país. O dado é do projeto Copernicus, da União Europeia. Só neste ano, até o dia 9 de setembro, foram 82 mil focos de incêndio na Amazônia, o dobro em relação ao mesmo período do ano passado.
A região sofre com uma grande estiagem, que se intensifica a cada estação, tornando secos os rios e deixando comunidades ribeirinhas e indígenas isoladas, sem acesso a água e comida. O climatologista Carlos Nobre, numa entrevista, disse estar apavorado e que não se previu a rapidez com que a crise do clima impactaria os dias atuais.
No entanto, mesmo diante dessa crítica realidade, o presidente Lula anunciou a retomada da pavimentação de um trecho da rodovia BR-319, o Lote C, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). Recebeu críticas de ambientalistas e indígenas. A BR-319 ficou intransitável e, por ser economicamente inviável, suas obras foram abandonadas em 1988. Houve uma retomada com projetos de manutenção no governo Dilma, que trouxeram o aumento do desmatamento na região.
Em 2020, o Dnit anunciou a pavimentação do Lote C, em ação classificada pelo Ministério Público Federal como de “má-fé” e “afronta ao Judiciário” pelo descumprimento de decisão transitada em julgado que estabelece consulta prévia, livre, informada e de boa-fé aos povos indígenas impactados e a realização de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima).
Os documentos anexados à portaria emitida pelo Dnit não apresentam os estudos ambientais e a consulta aos povos indígenas. A BR-319 impacta mais de 18 mil indígenas de 63 terras indígenas (TI), além de outras cinco comunidades e uma população de isolados. A rota da rodovia afetará um dos blocos mais preservados da Amazônia brasileira.
Além disso, a pavimentação permitiria e fomentaria a migração de desmatadores do “arco do desmatamento” para outras regiões. No total, estima-se que cerca de metade da floresta amazônica brasileira seria impactada, não apenas a borda da BR-319.
O ministro dos Transportes, Renan Filho, e parlamentares da região argumentam que a rodovia pode promover a integração e diminuir o isolamento dos estados de Amazonas e Roraima. Reutilizam o discurso de integração, como quando da colonização da Amazônia. Os povos indígenas que sofreram massacres e genocídio sabem muito bem o que a integração significa para seus povos e territórios.
Ao contrário do que afirmam seus defensores, a BR-319 não traz benefício algum aos povos da região, que já sofrem com seus impactos e vêm tendo violados seus direitos de consulta, previstos no artigo 169 da Organização Internacional do Trabalho.
É um absurdo que se use a situação de emergência vivida pelos povos da região para beneficiar o agronegócio. Isso apenas trará mais impactos para suas vidas, agravando a emergência climática. Não se pode combater a crise do clima desrespeitando direitos indígenas e incentivando projetos que só beneficiam os destruidores da floresta.