Povos indígenas livres no Brasil: uma história de violência e sobrevivência. Entrevista especial com Lino João de Oliveira Neves e Guenter Francisco Loebens

Em debate promovido pelo IHU, especialistas atestam a importância de garantir os direitos dos povos indígenas livres e alertam para políticas de destruição destes povos

Por André Cardoso, em IHU

A história dos povos indígenas no Brasil é permeada por uma constante luta por direitos de terra, de sobrevivência e por repressões violentas por parte do Estado e dos latifundiários. Isso se acentua – se é que isso seja possível – no caso dos povos indígenas livres. “Na Amazônia esses povos foram muito impactados pela política da ditadura militar a partir do Plano de Integração Nacional – PIN, criado em 1970, e que escreveu um triste capítulo de violência do Estado contra os povos indígenas. Ele atingiu fortemente os povos em situação de isolamento e que haviam, na época, optado por se manterem em regiões distantes”, comenta o indigenista Guenter Francisco Loebens.

Os povos indígenas livres são aqueles, de acordo com a definição dada pela Organização das Nações Unidas – ONU, povos que não têm contatos com a população e, ainda por cima, costumam evitar todo tipo de contato com pessoas alheias ao seu grupo. No entanto, a definição ainda abarca povos contatados que, após se relacionar com a sociedade, optam por retornar ao isolamento.

Esse isolamento deve ser visto como modo de defesa. “O isolamento precisa ser entendido como uma estratégia de defesa e coletiva tomada em relação a situações de anteriores contatos traumáticos: doenças, massacres… A defesa desses grupos é o isolamento. É uma resistência deliberada às ameaças externas e é por isso que é válido dizer isolamento voluntário. É evitar os contatos que em um tempo histórico foram traumáticos e violentos. É um distanciamento do mundo externo na busca por manter um modo de vida, cultura, integridade social próprio desse grupo social”, afirma o antropólogo social Lino João de Oliveira Neves.

Engana-se quem pensa que as ameaças aos povos indígenas livres são coisa do passado. A repavimentação da BR-319, anunciada pelo governo Lula, o garimpo ilegal e a inconstitucionalidade do Marco Temporal deixam os povos indígenas em constante estado de aflição e luta. “Apesar do otimismo inicial, Lula criou o Ministério dos Povos Indígenas e atendeu algumas demandas do movimento […] o Ministério e a FUNAI permanecem praticamente silenciadas dentro da inatividade política do governo Lula em relação à política indigenista. A política pública do governo para os povos indígenas é praticamente inexistente. […] O Ministério dos Povos Indígenas parece ser mais uma fachada para o discurso internacional do presidente Lula”, atesta Lino.

A seguir, publicamos o debate intitulado “A proteção aos Povos Indígenas Livres e as ameaças do povo da mercadoria” no formato de entrevista, proferida no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, 17-09-2024. O vídeo da conferência pode ser visto aqui.

Lino João de Oliveira Neves possui especialização em Antropologia Social pela Universidade Federal do Paraná (1991), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996) e doutorado em Sociologia pela Universidade de Coimbra (2013). Leciona no Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Amazonas.

Guenter Francisco Loebens é integrante da Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Isolados do Conselho Indigenista Missionário – CIMI e possui graduação em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Amazonas (1989).

Confira a entrevista.

IHU – O que são os povos indígenas livres e onde eles vivem?

Lino João de Oliveira Neves – Antes disso é importante fazermos uma discussão sobre o que vem a ser índio e indígena. Precisamos entender os índios/indígenas como etnia. Etnia é uma palavra que é quase um sinônimo para povo. Os índios ou os indígenas são coletividades, pessoas que vivem em grupos sociais que se diferenciam uns dos outros por particularidades socioculturais e por terem culturas diferentes.

É importante observar que os grupos sociais são iguais em termos de princípios e valores, mas são diferentes nas suas formas de expressão e manifestação que são as suas culturas. No Brasil, segundo dados do IBGE, temos 240 povos indígenas com quase 1 milhão e 700 mil pessoas que se autodeclararam indígenas e a maior parte dessa população vive na Amazônia Legal. Esse conjunto representa 0,83% da população nacional, o que é muito pouco. Eles não são nem sequer 1% da população brasileira.

Quando falamos de indígenas, a imagem que vem é de algumas pessoas com culturas e formas de expressão diferentes. Isso é o que vemos em geral no nosso inconsciente coletivo a partir de um certo estereótipo, mas na verdade os povos indígenas hoje são pessoas que vivem em uma relação íntima no cotidiano e que, à primeira vista, não correspondem ao estereótipo. Mais do que serem as pessoas presentes no estereótipo (com cocar, pena, vivendo nu no meio da floresta), os povos indígenas estão presentes no dia a dia da nossa sociedade.

A definição de povos isolados feita pelo Alto Comissariado das Nações Unidas em documento de 2012 é: “Os povos isolados são povos ou segmentos de povos indígenas que não têm contatos regulares com a população majoritária e que, ainda, costumam evitar qualquer tipo de contato com pessoas alheias ao seu grupo”. A definição continua: “também podem ser grupos pertencentes a diversos povos já contatados que, após uma relação intermitente com as sociedades envolventes, optam por retornar a uma situação de isolamento como estratégia de sobrevivência e interrompem voluntariamente todas as relações que possam ter com as mencionadas sociedade”.

O que chamamos de povos livres era chamado de índios arredios, brabos, violentos, não civilizados, não contratados… Todos esses termos são depreciativos e tiravam a condição humana e social desses grupos. Atualmente, esses povos são chamados na literatura antropológica e dos direitos humanos de “povos indígenas em isolamento voluntário”. É importante observar a consideração de que eles buscam deliberadamente o isolamento como estratégia de defesa.

Em alguns outros documentos, organizações ou locais outros termos são utilizados para se referir aos povos isolados. Eles costumam ser chamados de povos “desconfiados” por uma desconfiança perante a sociedade; povos “ocultos”, povos “invisíveis”, povos “em estado natural”. Há também “povos autônomos” e “povos livres” e ambos enfatizam a dimensão política desses grupos sociais, que são politicamente organizados e que, ao reivindicar seu isolamento, reivindicam sua autonomia e seu modo de ser.

Ser indígena no mundo

Estima-se que existam hoje, no mundo, pelo menos 5 mil povos indígenas, por volta de 500 milhões de pessoas. Isso totaliza 5 mil culturas diferentes. Além disso, existem cerca de 200 povos indígenas isolados, que são chamados também de povos livres. Esses cerca de 200 povos indígenas estão em maior parte na América do Sul, com alguns povos na costa da Índia e na Polinésia, entre a Ásia e a Austrália. Temos informações não confirmadas de que talvez haja grupos isolados no centro da África. Os povos isolados estão, em geral, nas regiões onde existem florestas tropicais: Amazônia, florestas da Índia e da Polinésia e talvez no Congo.

É importante assinalar que essas são as informações de hoje, mas pode ser que existam novas informações. Na América do Sul, há 185 grupos isolados segundo dados do Grupo de Trabalho Internacional de Proteção de Povos Indígenas em Situação de Isolamento e Contato Inicial – GTI-PIACI. Esta é uma plataforma que congrega em torno de 21 organizações indígenas e não indígenas. No Brasil, segundo os dados da Equipe de Apoio aos Povos Livres – EAPIL, ligada ao Cimi, há 119 povos isolados. Esse número varia de acordo com a entidade: a Fundação Nacional dos Povos Indígenas – FUNAI reconhece apenas 114, mas nós trabalhamos com o número de 119.

IHU – Qual a diferença entre “isolados” e “isolamento voluntário”?

Lino João de Oliveira Neves – É comum as pessoas dizerem que não há nenhum grupo social isolado e que eles sempre tiveram contato uns com os outros. Elas até usam a expressão de que “não existe nenhum povo que é uma ilha”. É verdade, os povos sempre tiveram contato, mas alguns povos decidiram se afastar para preservar o seu modo de vida. É por isso que são chamados de povos isolados. Outros questionam se é possível falar em isolamento voluntário porque se eles fugiram é porque foram pressionados.

É importante perceber que o isolamento, quando falamos dos povos livres, não se refere a uma localização remota onde eles se escondem. Isolamento não é uma condição espacial nem geográfica de difícil acesso. Ao ouvir “povos isolados”, não devemos pensar que eles morem em uma localização onde é difícil chegar. O isolamento precisa ser entendido como uma categoria política que caracteriza esses grupos sociais que evitam de modo deliberado o contato. Eles adotam o isolamento como uma estratégia política e é ele que define, enquanto categoria política, o que são os povos livres.

O Tanaru, ou índio do buraco, foi o único sobrevivente de um massacre que exterminou seu povo em Rondônia e ele viveu, por 25 anos, evitando o contato, fugindo da população, da FUNAI. Ele retrata muito bem o que sabemos dos povos isolados: só sabemos que eles existem, mas quem são e como vivem não sabemos. Se tomarmos a decisão de respeitar a deliberação desses povos de quererem o seu modo de autonomia, é preciso não procurar se incluir na vida deles, não ir atrás para fazer contato, para integrar. São grupos de pessoas que vivem na floresta sabendo que em sua volta existe um mundo adverso, um mundo ameaçador à existência deles.

O isolamento precisa ser entendido como uma estratégia de defesa e coletiva tomada em relação a situações de anteriores contatos traumáticos: doenças, massacres… A defesa desses grupos é o isolamento. É uma resistência deliberada às ameaças externas e é por isso que é válido dizer “isolamento voluntário”. É evitar os contatos que em um tempo histórico foram traumáticos e violentos. É um distanciamento do mundo externo na busca por manter um modo de vida, cultura, integridade social próprio desse grupo social.

IHU – O que significa a morte de Tanaru?

Lino João de Oliveira Neves – A única informação efetiva é que ele era uma pessoa isolada, um homem sozinho que não tinha mais ninguém com ele. A conclusão é que o restante do seu grupo foi exterminado. Vamos lembrar que Rondônia é uma região que teve uma entrada violenta a partir da década de 1970, com a derrubada da mata e a transformação do espaço da floresta em áreas agrícolas, principalmente pelo agronegócio. Tanaru provavelmente foi um homem isolado, conforme indicam as informações, apesar de não serem muito precisas.

Quando ele morreu, o título da matéria foi muito impactante: “Morreu Tanaru, o último homem de seu povo. Um mundo se extinguiu”. Vamos pensar que o mundo só existe na sua riqueza de entendimento e percepção, em todas as suas formas, como cultura, música, vestimentas. Essa enorme diversidade que compõe a riqueza cultural só existe por meio das pessoas e de muitos povos. Na medida em que um povo morre, a humanidade se torna mais pobre. Com a morte de Tanaru, morreu um povo e um pouco da nossa possibilidade de existência.

O perigo que essas ameaças se impõem é que, no nosso mundo moderno, olhamos apenas pelo nosso lado. Atribuímos mais valor ao mundo da mercadoria do que ao mundo da convivência. O perigo é que a mercadoria continue sua onda avassaladora sobre os povos indígenas, provocando o extermínio. Muitos povos indígenas já morreram, e sabemos disso. Se o mundo não parar concretamente e de forma firme, já terá ultrapassado os limites em seu avanço sobre os diferentes povos, vistos como desiguais.

A nossa concepção de igualdade é, em muitos casos, centrada em nós mesmos, como se nosso mundo fosse o único verdadeiro. A morte de um povo é uma perda para toda a humanidade, assim como a morte de qualquer ser humano. Permitam-me fazer uma profissão de fé aqui: a morte dos palestinos provocada pelo sionismo é uma perda para a humanidade.

Massacres e genocídios de povos livres na história recente do Brasil

Guenter Francisco Loebens – É importante olhar a história recente do que aconteceu com esses povos que tomaram essa decisão pelo isolamento e não se sujeitaram a nenhuma forma de dominação. Na Amazônia esses povos foram muito impactados pela política da ditadura militar a partir do Plano de Integração Nacional – PIN criado em 1970, e que escreveu um triste capítulo de violência do Estado contra os povos indígenas. Ele atingiu fortemente os povos em situação de isolamento e que haviam, nessa época, optado por se manterem em regiões distantes.

Esse plano tinha uma perspectiva de ocupação da Amazônia com essa visão de que lá não existia absolutamente nada. Havia esse viés colonizador e sem respeitar as formas de vida da Amazônia. Na época houve uma enorme propaganda para chamar pessoas para a Amazônia. O lema era: “Terra sem homens para os homens sem-terra”. A ideia de integração se apoiou na abertura de estrada como a Transamazônica, Cuiabá Santarém, além da BR-174 que liga Manaus a Boa Vista. Essas rodovias deram um impulso para o avanço dos grandes empreendimentos agropastoris, minerais, hidrelétricos e, consequentemente, com a expropriação dos territórios ocupados por povos indígenas.

O caminho para chegar aos povos isolados era pelos rios. Com a construção das estradas, abre-se uma outra via de acesso e de impacto sobre esses povos. O ministro do Interior na época, José Costa Cavalcante, admitiu que a Transamazônica cortaria territórios de 29 etnias indígenas sendo 11 grupos isolados e 9 em contato intermitente. Isso é uma informação tirada da Comissão Nacional da Verdade e que acarretou remoções forçadas desses povos indígenas.

A FUNAI tinha o papel de tirar esses povos do “caminho do progresso”, sucedendo o Serviço de Proteção aos Índios – SPI, extinto após vir à tona uma série de denúncias, inclusive de envenenamento por parte de funcionários a indígenas isolados. Na época, a FUNAI era dirigida pelo general Bandeira de Mello e firmou um convênio com a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM para a “pacificação de 30 grupos indígenas arredios”. Claro que essa pacificação acontecia para que esses projetos e rodovias pudessem avançar sobre seus territórios.

Para facilitar a apropriação dos territórios indígenas, a FUNAI fornecia certidões negativas fraudadas de presença de indígenas isolados. Quando havia um interesse econômico, indagava-se a FUNAI sobre se existiam povos indígenas nessa região e ela, inúmeras vezes, dava certidões negativas sobre essa existência, mesmo quando era mentira. Essa política acabou facilitando a expropriação dos povos indígenas e com isso povos inteiros foram dizimados como o caso dos Tapayuna e dos Waimiri Atroari.

No Mato Grosso, os Tapayuna foram removidos em 1971 para o Parque do Xingu, que era um depositório de grupos indígenas para abrir a Amazônia. Em 1971, a FUNAI estimava que esse povo contava com aproximadamente 1.200 pessoas. A Comissão Nacional da Verdade atesta que eles foram dizimados por envenenamento, armas de fogo, gripes e remoções forçadas, e restaram apenas cerca de 40 indivíduos da etnia.

O caso dos Waimiri também é trágico de como a construção da estrada, do contato forçado e da política da FUNAI na época acabou por dizimar povos indígenas inteiros. Eles ficavam na divisa entre os estados do Amazonas e Roraima, e foram duramente atingidos durante a construção da BR-174 e, além disso, ocorreu no território muita exploração mineral através da Mineradora Taboca. A construção da hidrelétrica de Balbina também foi naquele território. O Comitê Estadual da Verdade do Amazonas reuniu os seguintes dados do massacre: em 1972, a FUNAI estimava que a população Waimiri era de 3.000 pessoas. Em 1983, o antropólogo Stephen Baines contou apenas 332.

Denúncias, investigações e proteção

A partir da década de 1970, abriu-se um debate em que entidades como a Operação Amazônia Nativa – OPAN e o Conselho Indigenista Missionário – CIMI passam a denunciar e visibilizar a violência contra os povos indígenas. Estas entidades promovem encontros para discutir a política do contato forçado que dizimava os povos isolados. Esses contatos forçados levavam doenças respiratórias, gripes etc., que evoluíam a pneumonia e dizimavam povos inteiros. Isso era intencionalmente pensado para tirar esses grupos do caminho das estradas e da ocupação da Amazônia pelo PIN.

A partir de encontros promovidos por essas entidades, a FUNAI muda a perspectiva da sua política em relação aos povos isolados em 1987. Há um entendimento por parte dela de que o contato com os povos isolados só deveria ser em situações extremas e que a proteção passava pela garantia dos territórios.

Então, em 1988, a FUNAI criou o Departamento de Índios Isolados – DII, atual Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato – CGIIRC, e o Sistema de Proteção ao Índio Isolado – SPII. Atualmente o SPII tem como base 11 Coordenação de Frente de Proteção Etnoambiental – FPE na Amazônia e 28 Bases de Proteção Etnoambiental – BAPE. Elas têm o papel de fazer a fiscalização e vigilância territorial, combate a ilícitos, controle de acesso, pesquisa e localização de povos indígenas isolados.

Marcos jurídicos nacionais e internacionais

Qual o respaldo e proteção que os povos isolados têm? A Constituição Federal não tem nenhuma normativa que cita especificamente os povos isolados, mas o que está disposto em relação à garantia territorial vale para todos os povos indígenas e é de extrema importância. Isso está sob ataque, inclusive com a interpretação restritiva do Marco Temporal que afeta o artigo 231 da Constituição Federal, que diz:

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

Temos também o Estatuto do Índio e, nele, há uma menção específica aos povos isolados. O documento considera povo isolado quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos ou vagos indícios através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional. O Sistema de Proteção e os princípios e diretrizes de proteção dos povos indígenas isolados são regulamentados somente por portarias da Funai.

Em termos internacionais um direito que se aplica aos povos isolados é o direito de consulta que os povos indígenas têm sobre toda e qualquer decisão administrativa/legislativa que afete os direitos de modo de vida coletivos, inclusive sobre suas terras. Esse direito de consulta é importante porque pode ser aplicado de diversas formas e, no caso dos povos isolados, ele precisa ser aplicado em relação à situação em que vivem. Parece óbvio que com base nisso esses povos, mesmo que sem contato diretamente, deixam claro sua posição sobre seus territórios. Se eles não querem ser perturbados, qualquer projeto que afete o território, com base nesse direito de consulta, deve ser refutado.

A Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio é uma convenção importante porque ela se aplica a muitas situações que ocorreram ou podem estar ocorrendo. Existem também as diretrizes para a proteção dos povos indígenas isolados e em contato inicial na Região Amazônica, no Gran Chaco e na Região Oriental do Paraguai. A Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas também é importante no sentido de reconhecimento desses povos.

Então existe de fato um respaldo jurídico de direitos assegurados a esses povos no sentido do respeito da sua decisão e da obrigação do Estado de proteger seus territórios.

As invasões vêm do garimpo, da mineração, do desmatamento, da extração de madeira, grilagem, incêndios que hoje acompanhamos com muita preocupação o incêndio na Ilha do Bananal e na Mata do Mamão onde existe um grupo isolado e já queimaram 83.000 hectares de mata… Essas ameaças vêm dessas tentativas de apropriação de território e são feitas com a complacência do poder público.

Há algumas situações de mais gravidade como os Yanomami, Vale do Javari, Ituna/Itatá e Munduruku, Piripkura, Araribóia, Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna, Inãwébohona. No âmbito do Congresso Nacional, existe um ataque sistemático aos direitos dos povos indígenas. O setor ruralista e a bancada do boi, da bíblia e da bala defendem a tese do Marco Temporal de que somente os povos que estavam nos territórios na realização da Constituição são os que podem permanecer. Há uma tentativa de passar uma borracha no passado e de expropriar os povos dos seus territórios. O Marco Temporal é uma forma de tentar essa expropriação definitiva de terras indígenas para responder aos interesses privados.

IHU – O que significa a expressão “povo da mercadoria”?

Lino João de Oliveira Neves – Povo da mercadoria é um termo utilizado pelo indígena Yanomami Davi Kopenawa, liderança reconhecida mundialmente, em um livro escrito por ele junto ao antropólogo francês Bruce Albert chamado “A queda do céu: palavras de um xamã yanomami”. É um termo e um conceito sinônimo aos brancos, não indígenas. São as outras pessoas que não fazem parte do universo do mundo indígena.

Neste livro, Davi e Bruce dizem:

“No começo, a terra dos antigos brancos era parecida com a nossa. Lá, eram poucos quanto nós agora na floresta. […] Puseram-se a desejar o metal mais sólido e mais cortante […] aí começaram a arrancar os minérios do solo com voracidade. Construíram fábricas para cozê-los e fabricar mercadorias em grande quantidade. Então, seu pensamento cravou-se nelas e eles se apaixonaram por esses objetos como se fossem belas mulheres.”

O que Davi chama de “povo da mercadoria” nós temos que entender que ele está falando do homem branco, mas não só da pessoa; ele está falando da visão de mundo que os brancos têm, promovida pelo mundo ocidental. Então, o termo “povo da mercadoria” é claramente uma crítica do Davi ao homem branco e ao seu modo de vida. Ele está fazendo uma análise filosófica crítica sobre o mundo do branco. É uma crítica filosófica indígena, mas vamos observar que ela não é exclusiva; outros povos indígenas também têm esse mesmo tipo de pensamento. É uma crítica promovida por diversos povos indígenas.

Essa visão indígena não se restringe exclusivamente aos Yanomami. Ela coloca de um lado os mundos indígenas, nos quais os recursos naturais são considerados bens de vida; são entendidos, vistos e utilizados como tais. Isso contrasta com o modelo capitalista extrativista, onde os recursos naturais são matérias-primas para a produção de mercadorias. Essa é uma distinção básica. O que nós, ocidentais, olhamos na floresta é matéria-prima; os indígenas a veem como vida.

Minha fala é mais conceitual e acadêmica, visando firmar essa contraposição entre as perspectivas e os modos de entendimento da mercadoria. Essa ideia nos aproxima de outros dois conceitos relevantes, que vou mencionar para dar mais densidade a essa crítica. O primeiro é a ideia do Bem Viver, um conceito muito próprio, que tem sido trazido nos últimos anos pelos povos indígenas. O segundo é o conceito de sociedade da abundância, que já faz sentido na antropologia e é muito importante para o estudo da economia dos povos.

IHU – O que é o Bem Viver?

Lino João de Oliveira Neves – Dentro dessa ideia de uma crítica filosófica, o Bem Viver é um pensamento ancestral, principalmente expresso pelos povos indígenas, que se manifesta em diferentes formulações. Esse pensamento está presente em diversas expressões. Quais são? Elas têm vários nomes, que em português chamamos de Bem Viver.

Mas o que é importante perceber é que todas essas ideias têm uma concepção contextualizada culturalmente, que diz respeito ao modo como cada povo vê a si próprio e os outros vivendo no mundo. Elas são frequentemente submetidas a uma tradução literal, como “Sumak Kawsay” e “Bem Viver”, e não há uma interpretação conceitual que faça a comparação dos enunciados. Essa é uma crítica antropológica. É importante perceber que não devemos fazer uma mera tradução literal. O que significa literalmente “Sumak Kawsay”? É fundamental entender o que eles querem dizer e qual é o princípio que está por trás.

As traduções literais desconsideram que todo conceito, todo princípio, toda filosofia de vida está fundamentada em interpretações contextualizadas culturalmente das relações, incluindo essas relações entre os seres vivos. Não se trata simplesmente de fazer uma tradução literal, pois essa tradução desconsidera a contextualização cultural. Cada formulação, quando fazemos a tradução literal, faz com que todas aquelas ideias sejam reduzidas a meras palavras. É importante entender o conceito e fazer uma tradução cultural do significado das expressões. Assim, poderíamos evitar o risco de fazer apenas uma tradução literal e perder a fundamentação conceitual.

“Sumak Kawsay” e “Suma Qamaña”

E perdemos o que esses conceitos querem dizer. Vou pegar apenas dois para dar uma ideia. “Sumak Kawsay”, que é utilizado na língua quíchua equatoriana, expressa a ideia de uma vida boa. Não se trata de uma vida em constante melhoria ou de uma vida que é melhor do que a dos outros. “Sumak Kawsay” é simplesmente a ideia de uma vida boa, que não significa que seja melhor do que algum dia já foi ou melhor do que a de outra pessoa, ou que, no futuro, possa ser considerada melhor. É a vida boa no presente.

Por outro lado, “Suma Qamaña”, uma expressão usada na língua aimara boliviana, introduz um outro elemento importante. Ela incorpora um aspecto comunitário, entendido como boa coexistência, no sentido de uma boa sociedade para todos, com harmonia interna. Portanto, “Suma Qamaña” é um Bem Viver, e, se formos fazer essa tradução, devemos considerar esse entendimento comunitário, onde todos vivem em harmonia em uma boa sociedade.

Em contraste, o Bem Viver, diferente desses conceitos e das celebrações dos povos indígenas, é frequentemente traduzido nas línguas dos países centrais – aquelas que chamei de línguas dos poderes centrais, como inglês, português e espanhol. Essas traduções muitas vezes representam basicamente a ideia de um prazer, um gozo, uma satisfação individual, material, imediata e incessante. Assim, o viver bem é associado a uma boa vida que se relaciona mais com a ideia de luxo e com o usufruto dos benefícios materiais.

Vou fazer um parêntese aqui para compartilhar um fato curioso que me aconteceu. Eu morei por muito tempo na região do Juruá, com os Juruás e Kanamari. Certa vez, passando com um jovem pela rua, ele me fez uma pergunta que pode parecer simples, mas possui uma enorme oportunidade filosófica. Ele perguntou: “Por que o branco quer ter dois carros se só pode dirigir um de cada vez?” Veja só o que esse homem me perguntou. Por que vocês, brancos, querem acumular carros? Um carro é apenas um objeto.

Podemos pensar em uma hipótese divertida: por que um advogado precisa ter 50 gravatas diferentes? Ou por que um professor de educação física teria 35 pares de tênis se não usa todos em um mês? Essa necessidade de acumular coisas é algo que o Davi falava. Não podemos simplesmente pensar em viver melhor ou viver cada vez melhor. Se cada um de nós refletir sobre nossas casas, podemos ter três televisões: uma na sala, outra no quarto e uma terceira no escritório.

É importante não confundir. Precisamos ter cuidado para não confundir esse entendimento de “Suma Qamaña”, que tem uma dimensão filosófica, com uma vida em abundância ou uma vida em plenitude. Isso é especialmente relevante quando falamos de interpretações religiosas em algumas tradições das nossas igrejas, sejam cristãs, católicas ou outras grandes correntes. Muitas vezes, “Sumak Kawsay” é entendido como uma vida em abundância e plenitude. Precisamos tomar cuidado, porque, para nós, esses termos têm uma concepção contextualizada na nossa cultura, que remete à vida ascética, à vida da consagração e à vida da virtude. “Suma Qamaña” não é isso; trata-se de uma vida em harmonia e compartilhada.

Sociedade da abundância

Outro conceito que eu gostaria de discutir aqui, muito próximo da ideia de povo da mercadoria, é o conceito de sociedade da abundância. É um conceito antigo, produzido no fim da década de 1960 pela antropologia, quando se estudam os sistemas econômicos de diversos povos. Ele diz mais ou menos o seguinte: as sociedades não vivem na privação ou na escassez; são sociedades que dispõem do necessário e suficiente para viver. Nesse sentido, não podemos concordar com aquelas pessoas que dizem que os povos indígenas são “muito pobrezinhos” por não terem televisão, casas de alvenaria ou frigoríficos. Essas sociedades não precisam disso, porque elas não são sociedades do nosso mundo, que é o mundo da falta. Elas vivem no necessário e no suficiente, e por isso esse conceito é chamado de sociedade da abundância.

Precisamos ter cuidado, pois na língua portuguesa a palavra “abundância” tem outro sentido. Abundância é geralmente usada para referir uma grande proporção ou quantidade, como a abundância de recursos ou uma quantidade excessiva de bens. No nosso contexto, vida em abundância não tem esse mesmo significado. Como me perguntaram uma vez: “Por que o branco tem dois carros?” Ele tem dois carros porque entende que abundância é possuir muito. Esse é o conceito de abundância no sentido material.

Porém, o que deveríamos entender nesse conceito é que uma “sociedade de abundância” desfruta da generosidade da natureza, e essa natureza é tratada e preservada com cuidado, baseado nas relações que as pessoas estabelecem com ela. Uma relação não predatória, pois, se fosse predatória, levaria à falta e à escassez. Essa sociedade permite o uso abundante dos recursos conforme as necessidades, mas sempre dentro dos limites sustentáveis.

Essa “sociedade de abundância” se contrapõe à “sociedade da escassez”, que é movida pelo sentimento de falta, de carência, e que resulta na necessidade constante de acumular e de possuir sempre mais. Isso é o que move o mundo da mercadoria e do consumo. Sentimos a necessidade de ter mais dois carros, porque se um quebrar o outro estará disponível; três, porque essa lógica se torna um ciclo contínuo e sem saída. A única saída que conseguimos enxergar é a limitação de recursos e a depredação do meio ambiente. No entanto, essa visão é claramente empobrecida, pois a sociedade movida pela mercadoria vai contra o princípio do “Sumak Kawsay” (o bem viver).

IHU – Como é a relação entre os povos livres e os demais povos indígenas?

Guenter Francisco Loebens – Hoje, no território ocupado pelos povos indígenas que têm contato aqui na região do Estado do Amazonas, especificamente no Vale do Javari, encontramos a área com maior concentração de povos isolados. Esses povos compartilham o mesmo território com os grupos que já conhecemos. Nesse sentido, por dividirem esse espaço, ocorrem contatos esporádicos entre os grupos isolados e os povos com os quais já temos contato.

Por vezes, esses encontros geram situações de conflito, já que o compartilhamento nem sempre é pacífico. O aspecto positivo é que os povos que têm contato possuem uma compreensão de que, de fato, dividem o território com esses povos isolados e reconhecem o direito deles de permanecerem no território, da forma que escolheram viver.

Embora existam situações conflitivas, também ocorrem interações pontuais que não geram grandes transtornos nessas regiões. De forma geral, os povos isolados não desejam um contato permanente, nem com a sociedade brasileira, nem com outros povos indígenas. Eles deixam claro que querem manter seu espaço e que sua decisão de permanecer isolados deve ser respeitada.

A pavimentação da BR 319, recém anunciada pelo Governo ligando Manaus a Porto Velho impactará os povos livres? [1]

Guenter Francisco Loebens – Nessa região, existem vários povos isolados que serão impactados com a pavimentação dessa estrada, pois ela exercerá uma pressão muito forte sobre o território desses grupos. Sabemos que o desmatamento já está avançando, principalmente a partir da região sul do Estado do Amazonas, nas áreas de Lábrea e Humaitá, com um crescimento muito acelerado, e isso será ainda mais impulsionado com a recuperação da BR-319.

Nessa região, por exemplo, há fortes evidências da existência de um povo indígena isolado na área de Itapuá. Embora não haja confirmação oficial, as informações que temos dos indígenas que vivem ali indicam com bastante certeza que existe, de fato, esse grupo isolado. Além disso, há uma área de restrição de uso na área de influência da BR-319, conhecida como Jacareúba-Katawixi, que também será fortemente impactada, pois há presença de grupos indígenas isolados.

Portanto, a BR-319 vai impactar diretamente os povos isolados, além de prejudicar uma área importante de biodiversidade na região amazônica. Esse projeto deveria ser rediscutido e reavaliado, pois, na verdade, não trará os benefícios esperados e acabará sendo um prejuízo, não só ameaçando os povos isolados, mas também a sociedade como um todo.

Principais ameaças aos povos livres hoje

Em relação a essas ameaças, existem várias terras indígenas demarcadas com a presença de povos isolados, e uma das mais graves é o garimpo ilegal. O garimpo, por sua própria natureza, é sempre ilegal dentro de território indígena, pois não pode ser regulamentado, já que fere a Constituição. No território Yanomami, por exemplo, que todos nós ouvimos falar, há a presença de povos isolados, e a proximidade do garimpo nessas áreas representa uma grande ameaça.

Outro exemplo é o território Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, onde o avanço da apropriação do território também está associado à presença de garimpeiros, além de caçadores e pescadores. Anos atrás, um sertanista da FUNAI foi atingido por uma flecha disparada por indígenas isolados e veio a óbito, pois os indígenas o confundiram com invasores de seu território.

Na região do Maranhão, nas terras dos Awá, a exploração madeireira é um dos maiores problemas, além das queimadas. Também há a área que sofreu forte pressão devido à construção da hidrelétrica de Belo Monte, que acabou sendo ocupada por madeireiros e fazendeiros que se apropriaram do território. Embora tenha ocorrido a operação de desintrusão dessa terra, a área continua ameaçada pela ocupação ilegal. Esse território é uma área de restrição de uso da FUNAI.

Esses exemplos mostram que as ameaças aos povos isolados são inúmeras, principalmente vindas de projetos de exploração, como garimpo, extração de madeira, infraestrutura de estradas e hidrelétricas, que impactam diretamente essas populações e seus territórios.

Relação do governo Lula com os povos indígenas e megaempreendimentos estatais

Lino João de Oliveira Neves – Eu vejo que este governo, durante a campanha e na posse, fez um aceno bastante positivo para tudo aquilo que esperávamos em termos de defesa e proteção dos povos indígenas. A subida da rampa no dia da posse do Lula, com vários segmentos sociais representados, mostrou que o governo teria uma perspectiva social. Isso foi um alento para todos nós que já conhecíamos o governo Lula e sua plataforma de desenvolvimento. No entanto, é importante lembrar que o Lula sempre apostou em projetos de desenvolvimento, como os PACs 1, 2, 3 e, agora, o Novo PAC, que não se diferenciam muito dos projetos da ditadura militar no que diz respeito aos impactos danosos sobre povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, meio ambiente, e reservas naturais.

Apesar do otimismo inicial, Lula criou o Ministério dos Povos Indígenas e atendeu algumas demandas do movimento, como a nomeação de uma indígena para presidir a FUNAI. No entanto, essas duas frentes, o Ministério e a FUNAI, permanecem praticamente silenciadas dentro da inatividade política do governo Lula em relação à política indigenista. A política pública do governo para os povos indígenas é praticamente inexistente. Dois anos depois, o ministro Lewandowski assinou apenas seis portarias de demarcação de pequenas terras, o que mostra que a garantia territorial não está na pauta deste governo. O Ministério dos Povos Indígenas parece ser mais uma fachada para o discurso internacional do presidente Lula, que utiliza a ministra indígena em eventos internacionais para mostrar uma “perspectiva indígena” que, na realidade, o Brasil não está implementando.

Em relação aos megaprojetos, o Brasil está expandindo a extração de ouro e outros recursos, e anunciou a pavimentação da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. Essa estrada foi aberta durante a ditadura, mas não se sustenta devido às condições ambientais da floresta amazônica. Sabemos que a floresta tem uma alta capacidade de regeneração, e estradas só permanecem abertas se houver destruição contínua de seu entorno. Portanto, para a perpetuação da BR-319, é necessário destruir grande parte da Amazônia, o que torna essa estrada um canal para a grilagem de terras e a apropriação de terras públicas.

Além disso, existe um estudo interessante que demonstra que o custo para recompor uma terra degradada pela mineração é maior do que o valor do ouro extraído. Isso torna a mineração economicamente inviável para quem permanece na região, deixando apenas os prejuízos, como a contaminação do solo e dos rios. O lucro vai para empresários distantes, em cidades como São Paulo, Nova York e Amsterdã, enquanto as populações locais ficam com o ônus da degradação ambiental.

O grande problema que vejo em relação à BR-319 é que o governo Lula, ao anunciar a intenção de asfaltá-la, utiliza um discurso ambientalista para justificar uma obra insana. O argumento é que as cidades do Amazonas estão isoladas por falta de acesso viário, e que a estrada resolveria isso. No entanto, o verdadeiro problema dessas populações é de outra ordem, e a estrada apenas beneficiaria as grandes empresas de construção civil, as mesmas que lucraram durante a ditadura e continuam lucrando nos governos recentes.

A maior ameaça, no entanto, é o Marco Temporal, que estabelece que os direitos indígenas só existem se as terras estiverem sendo ocupadas desde 5 de outubro de 1988. Como o Chico acabou de nos dizer, apesar dos 119 registros de povos indígenas isolados, a FUNAI reconhece apenas 28. Ou seja, 91 povos são tratados como inexistentes. O que o Marco Temporal afirma é que todos esses povos isolados, que não foram reconhecidos até 1988, não têm direito à terra. Esse é o projeto final para o extermínio dos povos isolados.

Nota [1] – Pergunta formulada por espectador da videoconferência.

Lino (acima, à esquerda) e Guenter (acima, à direita) | Reprodução/Youtube

 

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