Angra 3, o abacaxi atômico

A Eletrobras fez péssimo negócio ao ficar com parte da Eletronuclear, mas por que gente do governo tenta empurrar o custo da usina para a União?

Célio Bermann, Chico Whitaker, Heitor Scalambrini Costa e Marijane Vieira Lisboa, Folha de São Paulo

Os jornais vêm publicando reportagens sobre conflitos internos no governo Lula quanto à compra pela União das dívidas e custos da Eletronuclear, responsável pela usina Angra 3, em troca de mais assentos nos conselhos de administração e fiscal da Eletrobras.

Finalizar a obra, contudo, cria tantos problemas que até o presidente da Eletronuclear os reconhece em artigo publicado nesta Folha (“Quem vai pagar a conta de Angra 3?”, 11/9). De fato, aEletrobras foi privatizada por Jair Bolsonaro de forma bastante desvantajosa para o país: a União continuou como acionista majoritária, com 43%, mas ficou com menos de 10% dos votos nos conselhos da empresa.

Agora, a Eletrobras propõe o aumento do número de conselheiros para que a União alcance os 30% dos votos. Em troca, a União pagaria R$ 6 bilhões pela parte da Eletronuclear na companhia, mais R$ 6 bilhões de dívidas da própria Eletronuclear. E se quiser concluir Angra 3, tecnicamente defasada, ainda despenderá no mínimo mais R$ 26 bilhões. O mais estranho desse negócio da China (para a Eletrobras, que fique claro!) é que a União abriu mão de um valor maior na venda da Eletrobras em troca de dividir com ela a Eletronuclear.

Não sabemos ao certo quem constitui o lobby no governo Lula pela compra desse abacaxi atômico pela União. Mas sabemos que o setor econômico do governo é contra, pois não vê sentido em adquirir a Eletronuclear, uma empresa com dívidas e passivos ambientais presentes e futuros. O que já dá para saber, pelos jornais, é que esse abacaxi está sendo empurrado para a União —ou seja, para todos nós.

Pouca gente sabe, mas o preço da eletricidade, para nós, hoje já é mais caro também devido à energia nuclear. Embora Angra 1 e 2 forneçam bem pouca energia, seus custos de geração são muito maiores do que os da energia hidroelétrica, da eólica, da solar e das térmicas, o que faz subir o preço médio do quilowatt-hora. Também quase ninguém sabe que usinas nucleares não têm seguro contra acidentes e, quando acontecem, ainda que raros, são impagáveis.

Fusão nuclear pode ser transformadora, mas ainda tem obstáculos técnicos a serem superados. A Eletronuclear tem ainda outras grandes despesas no futuro próximo, mas sua contabilidade não é mencionada. O custo da desmontagem de usinas nucleares, no término da sua vida útil, é altíssimo. As piscinas de Angra 1 e 2, por sua vez, já estão praticamente cheias de rejeitos nucleares, o que levou à construção de depósitos a seco, provisórios. Como essas usinas e depósitos estão à beira-mar, em região sujeita a deslizamentos de terra, enchentes e elevação do nível do mar, torna-se urgente fazer um depósito definitivo. Mas qual região aceita ser vizinha de um depósito de urânio irradiado, que pode contaminar águas, plantas, pessoas e animais por mais de um século? E quanto custará a construção desse depósito? É preciso pelo menos uma estimativa, antes de concluir o abacaxi. Há dinheiro sobrando em Brasília?

Por outro lado, essas usinas, em áreas com condições de evacuação muito precárias, exigiria a duplicação da rodovia Rio-Santos —ainda mais se a decisão for pela conclusão de Angra 3— para que se atendam às normas internacionais de segurança nuclear num acidente mais grave.

Os funcionários das Angras reclamam dos baixos salários e de postos vagos, o que compromete a segurança das centrais. E a toda hora anda sumindo material radioativo de instalações da empresa e veículos de transporte de radiofármacos. Têm acontecido, também,vazamentos radioativos nas usinas, de que só ficamos sabendo muito tempo depois.

Enfim, o que está se revelando é que a Eletrobras fez um péssimo negócio ao ficar com parte da Eletronuclear e está tentando empurrar o abacaxi para nós, cidadãs e cidadãos. Quem, dentro do governo, defende isso? Por que razões misteriosas? É o que a Articulação Antinuclear Brasileira (AAB), movimento que reúne oponentes às usinas nucleares e ao uso do urânio nas várias etapas do seu ciclo, gostaria de saber.

*Célio Bermann – professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, Chico Whitaker – Prêmio Nobel Alternativo de 2006, Heitor Scalambrini Costa – Professor da Universidade Federal de Pernambuco, e Marijane Vieira Lisboa – Professora da PUC-SP são membros da AAB (Articulação Antinuclear Brasileira) são membros da AAB (Articulação Antinuclear Brasileira).

 

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