Os Gigantes: em Ribas do Rio Pardo (MS), Suzano participa até do ordenamento territorial

Gigante do eucalipto inaugurou em julho a maior fábrica de celulose do mundo em Ribas do Rio Pardo (MS); parceria é com prefeito João Alfredo Danieze , um dos dois únicos do PT entre os cem maiores municípios; dossiê mostra a influência de corporações do agronegócio nas prefeituras

Por Bruno Stankevicius Bassi, em De Olho nos Ruralistas

Até 2021, Ribas do Rio Pardo (MS) era uma cidade pacata de 23 mil habitantes, a 100 quilômetros de Campo Grande. Tudo mudou quando, em maio daquele ano, o Conselho de Administração da Suzano, a maior produtora de celulose do mundo, anunciou que construiria uma fábrica na região.

Não era qualquer fábrica: o Projeto Cerrado, como foi batizado, irá produzir 2,55 milhões de toneladas de celulose de eucalipto por ano — volume superior ao de qualquer outra planta em operação no planeta. Com investimento total de R$ 19,3 bilhões, a nova unidade aumenta em 20% a capacidade de produção da Suzano e consolida o Mato Grosso do Sul como líder nacional no setor florestal.

O nome atribuído ao projeto é uma escolha curiosa, uma vez que quase não existe mais Cerrado em Ribas do Rio Pardo. Segundo dados do MapBiomas, 79% da área do município foram tomados pela produção agropecuária. São 10 mil km² de pastos e quase 2 mil km² de florestas plantadas — a segunda maior área do país, atrás apenas de Três Lagoas. As duas cidades integram o Vale da Celulose, como ficou conhecida a região leste do Mato Grosso do Sul, na divisa com São Paulo.

O prefeito de Ribas é o petista João Alfredo Danieze, único representante da centro-esquerda entre os 79 municípios do estado. Ele migrou para o partido de Lula em outubro de 2023, após quase uma década no PSOL, pelo qual disputou as eleições para governador em 2018. Entre os cem maiores municípios do país, apenas ele e o prefeito de São Gabriel da Cachoeira (AM) pertencem ao PT. O controle das maiores áreas agrárias por partidos da “velha direita” é um dos temas centrais do dossiê “Os Gigantes“, lançado em setembro pelo De Olho nos Ruralistas: “PT e PL administram só três prefeituras nos cem maiores municípios“.

A gestão de João Danieze é marcada, de um lado, pelo incentivo à agricultura camponesa, com a construção de casas e entrega de títulos em assentamentos da reforma agrária — desde o ano passado, em parceria com o governo federal. De outro, João Alfredo é um apoiador contumaz do agronegócio local.

A posição estava expressa em seu plano de governo: uma das primeiras promessas listadas no documento submetido ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2020 era o de “fomentar ainda mais o plantio de eucalipto/pinus, soja, bem como estimular a produção de carvão vegetal, concedendo os incentivos fiscais necessários e agilizar licenças ambientais em caso de irrigação (pivô), além de viabilizar e acelerar o início da construção da usina de papel e celulose”.

PROGRAMA DA SUZANO PREVÊ PARTICIPAÇÃO EM ORDENAMENTO TERRITORIAL

A promessa foi cumprida. As obras do Projeto Cerrado começaram e terminaram durante a administração de João Alfredo. A operação teve início em julho, ainda de forma reduzida. Quando estiver em sua capacidade máxima, o complexo deve gerar 3 mil empregos diretos. O surto de crescimento é uma das preocupações da prefeitura, que vem fechando parcerias com a própria Suzano para reduzir o déficit habitacional, além de direcionar investimentos para saúde, educação, transporte e lazer. Em julho, prefeitura e empresa firmaram um convênio com a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) para a criação de um curso tecnológico em silvicultura em Ribas do Rio Pardo.

Paralelamente, a gigante da celulose anunciou em março de 2023 o lançamento de um programa de Apoio à Gestão Pública (AGP). Sob o pretexto de preparar o município para crescer de forma sustentável após a inauguração da fábrica, o programa prevê a interferência direta da Suzano no poder público. O primeiro eixo do AGP trata da “modernização da gestão pública nos aspectos fiscal e orçamentário” e inclui o apoio à prefeitura para “estruturação de seus quadros e ferramentas para comportar o expressivo aumento de receita resultante da implantação da nova fábrica de celulose”.

O segundo diz respeito à participação da empresa no ordenamento territorial do município por meio do “apoio à gestão na promoção e indução do desenvolvimento territorial (…) incluindo questões como habitação, ocupação do solo, transporte público, entre outras”. A iniciativa foi saudada pelo prefeito.

É um presente que a cidade está recebendo da Suzano, a partir do qual vamos construir de forma colaborativa um novo plano diretor, um novo código de postura, um novo código tributário municipal, entre outros instrumentos de gestão pública”, comemorou João Alfredo, durante o evento de lançamento do AGP.

Em 2020, quando se elegeu pelo PSOL, João Alfredo declarou 460 cabeças de gado e duas fazendas — uma delas, de 500 hectares, arrendada para plantio de eucalipto. Seu patrimônio na época era de R$ 7,2 milhões, colocando-o na 13ª posição entre os prefeitos mais ricos dos Gigantes. Agora, disputando a reeleição pelo PT, o advogado elevou seus bens para R$ 8,2 milhões.

As parcerias com a Suzano não são citadas no novo plano de governo, que dedica um capítulo inteiro ao fortalecimento da agricultura familiar e inclui metas sobre prevenção a queimadas e às mudanças climáticas: “Os Gigantes: só 12 em 52 prefeitos citam adaptação a mudanças climáticas como meta para reeleição“.

De Olho nos Ruralistas enviou à prefeitura de Ribas do Rio Pardo uma lista de perguntas sobre a relação do Executivo municipal com a Suzano, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.

OCUPAÇÕES EM ÁREAS DA SUZANO MOTIVAM PROJETO DE LEI “ANTI-MST”

Controlada pela família Feffer, a Suzano possui um longo histórico de irregularidades ambientais e trabalhistas. Segundo documentos submetidos à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, onde possui capital aberto, a empresa responde a 262 processos civis e ambientais e 2.449 ações trabalhistas. O jornal alemão Deutsche Welle apurou que a gigante da celulose está envolvida em pelo menos quarenta conflitos socioambientais — em sua maioria, no Cerrado.

Do outro lado desses conflitos estão comunidades quilombolas, indígenas e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em fevereiro de 2023, 1,5 mil integrantes do movimento ocuparam três áreas da Suzano no sul da Bahia. A ação denunciava o estresse hídrico e as contaminações por agrotóxicos causadas pelo avanço descontrolado da monocultura de eucalipto na região.

A reação foi imediata. Líderes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) instauraram na Câmara dos Deputados uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar quem financiava o que chamam de “invasões”. O objetivo era aprovar um projeto de lei que criminaliza a ocupação e retomada de terras, equiparando-as a atos terroristas.

Dominada por deputados ruralistas, a CPI do MST teve, entre seus depoentes, o vice-presidente executivo da Suzano, Luís Renato Bueno, convocado a fornecer detalhes sobre os conflitos no sul da Bahia. A gigante da celulose é conselheira do Instituto Brasileiro de Árvores (Ibá), uma das associações que financiam o Instituto Pensar Agro (IPA), o braço logístico da FPA, responsável por escrever os projetos de lei e posicionamentos defendidos pela frente ruralista, conforme detalhado por este observatório no dossiê “Os Financiadores da Boiada”.

A CPI do MST durou 130 dias e terminou sem votar um relatório final, graças a uma manobra do governo federal. Depois da derrota, líderes da FPA fundaram uma nova frente chamada Invasão Zero, para continuar pressionando pela criminalização das ocupações.

O grupo tem como vice-presidente o deputado Ricardo Salles (Novo-SP), ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro e relator da comissão. Em 2018, quando era secretário estadual de Meio Ambiente, ele foi alvo de uma ação civil pública do Ministério Público de São Paulo que o acusava de tentar fraudar o plano de manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê com o objetivo de favorecer uma série de indústrias — entre elas, a Suzano. O político foi absolvido em 2021.

A relação com a empresa vem desde 2014, quando Salles participava junto de David e Daniel Feffer em fóruns da chamada “nova direita brasileira”, movimento que pressionou pelo impeachment de Dilma Rousseff e que, anos mais tarde, daria origem ao bolsonarismo.

CONFIRA VÍDEO SOBRE “OS GIGANTES” EM NOSSO CANAL NO YOUTUBE

O território brasileiro comporta quase todo o continente europeu. Um quinto das Américas. É a maior área continental do hemisfério sul. O Oiapoque, no Amapá, está mais próximo do Canadá do que de Chuí, no extremo sul do país. Entre o litoral paraibano, onde se inicia a Rodovia Transamazônica, e Mâncio Lima, na divisa com o Peru, são 4.326 quilômetros — quase a mesma distância entre Lisboa e Moscou.

Entre esses extremos existem 5.568 municípios. Entre eles, desponta um time seleto cujas proporções são comparáveis a países inteiros: os cem maiores municípios do país. O maior deles, Altamira (PA), é maior que a Grécia. Bem maior que Portugal.

“É uma fatia decisiva e esquecida do Brasil”, aponta o diretor do De Olho nos Ruralistas, Alceu Luís Castilho. “Esses municípios costumam ficar fora da cobertura eleitoral, diante da ênfase nos grandes centros urbanos, mas a importância ambiental deles é gigantesca. O impacto deles é planetário”.

Além do dossiê “Os Gigantes”, o observatório publica uma série de vídeos e reportagens detalhando os principais achados do estudo, que mapeia as políticas ambientais dos cem municípios e conta casos emblemáticos de conflitos de interesses envolvendo prefeitos-fazendeiros e a influência de empresas e sindicatos rurais.

O primeiro episódio está disponível em nosso canal no YouTube. Confira abaixo:

Foto principal (Divulgação): Projeto Cerrado aumentará em 20% produção de celulose da Suzano

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